Ausência de discussão específica sobre o assunto cria ruído em comunicação da liga espanhola no mercado brasileiro
É inegável o conjunto de medidas que a La Liga vem tomando desde a eclosão dos casos de racismo contra Vinícius Júnior na Espanha, que teve uma escalada em 2023, mas que são documentados ao menos desde 2021.
O aplicativo e site LaLiga vs Racismo, um misto de hub de conteúdo institucional, divulgação de ações de conscientização e plataforma de denúncia de casos de racismo — além de um sistema de monitoramento de discurso de ódio nas redes —, é uma das iniciativas mais completas; a disponibilização de advogados para denunciantes e a promessa de acompanhamento dos processos nas justiças comum e desportiva, a de maior potencial para ganhos concretos.
Até por isso, causou surpresa a ausência de uma discussão específica sobre o tema no evento da última segunda-feira (11), o LaLiga Extratime, fórum de debates entre a liga, marcas, imprensa e influenciadores digitais na Câmara do Comércio Espanhol no Brasil, na cidade de São Paulo.
Entre cafés e networkings, aconteceram três painéis com profissionais que orbitam a empresa que gere a liga dos clubes espanhóis. A ideia era apresentar diferentes facetas que envolvem a marca La Liga. Um painel foi sobre ações de sustentabilidade; outro sobre o programa de investimento nos clubes; e mais um sobre o trabalho com os patrocinadores.
Ao final, o espaço aberto para perguntas, sobre qualquer tópico, foi dominado, naturalmente, pela resposta da instituição aos casos de racismo. Até porque, apesar das medidas educativas e preventivas, eles seguem acontecendo.
Questionados sobre a ausência de um painel sobre a luta antirrascista, os representantes da LaLiga no Brasil, Daniel Alonso e Leonardo Ferreira, reiteraram a disponibilidade para apresentar números, documentos e falar sobre o assunto — o que de fato se comprova, com todas as perguntas respondidas diligentemente —, mas justificaram a ausência de um debate, além de uma conversa prévia sobre o tema em evento semelhante, em agosto de 2023, com um suposto deslocamento do tema dentro do evento, “mais comercial”, segundo Leonardo Ferreira, e também com um certo clichê de “o racismo não tem espaço aqui, não tem em nenhum lugar”, disparado por Daniel.
Ao mesmo tempo, o primeiríssimo painel falou de ações de sustentabilidade, um tema que, ainda que caro ao mercado e que avança em regulamentações pelo governo espanhol, não dita ações comerciais como investimentos em estádios, caso do segundo painel, ou ações de ativação de marcas, assunto do painel que fechou o evento.
O início, inclusive, teve a frase “queremos que LaLiga seja um motor para mudança”, dita por Daniel, o que também não soa muito condizente com um discurso estritamente mercadológico.
Ao final, o próprio transcorrer do evento mostrou o resultado da estratégia adotada. Mesmo com as medidas em curso, o tema perguntado, tanto pela imprensa como pelos influenciadores, foi o racismo. A maior parte das matérias produzidas ao final do evento, como pode ser comprovado com uma rápida pesquisa em qualquer buscador, foram sobre as respostas do representante da instituição ao assunto.
A marca La Liga, apesar de tudo, segue atrelada aos casos de racismo, especialmente no Brasil, país do principal jogador da competição e também do que mais sofre com os abusos raciais.
Isso mostra que o caminho aqui talvez não seja mais de reação, mesmo que uma diligente e atenciosa reação. Como mostram os próprios monitoramentos da liga, o discurso de ódio segue acontecendo. Eis, inclusive, um marcador mais relevante do que a continuidade das parcerias comerciais, como Daniel Alonso chegou a utilizar para justificar um bom trabalho da LaLiga no tema.
É necessário proatividade, encarar o problema de frente e regularmente, especialmente se há o que se mostrar, se há o que se falar. Falamos em políticas contínuas e abertamente discutidas de luta antirracista, simples assim.
*Erramos: o texto previamente associava as falas de Leonardo Ferreira, delegado da LaLiga no Brasil, ao assessor Luiz Paulo. O erro foi corrigido às 17h do dia 12/03.