Seleção feminina encerra o ano com goleada sobre a Nicarágua e mais dúvidas do que certezas
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a partida disputada na quarta-feira (6) e o início de trabalho de Arthur Elias
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a partida disputada na quarta-feira (6) e o início de trabalho de Arthur Elias
Pouco mais de cinco mil torcedores viram a Seleção Feminina vencer a Nicarágua por 4 a 0 na última quarta-feira (6), no último compromisso da equipe em 2023. Não deixa de ser uma boa maneira de encerrar o ano, ainda mais depois da péssima atuação na derrota para o Japão no domingo do dia 3 de dezembro. Essa foi também apenas o quinto jogo do Brasil sob o comando de Arthur Elias, que já busca implementar o estilo de jogo ofensivo que o tornou conhecido (e extremamente vitorioso) nos tempos de Corinthians. Mesmo assim, esse início de ciclo até os Jogos Olímpicos Paris 2024 vem deixando mais dúvidas do que certezas sobre o futuro do escrete canarinho.
Isso porque (na visão deste que escreve) a Seleção Feminina ainda está impregnada por uma falsa “aura de saudosismo” de um futebol que nunca existiu. Os que defendem essa tese também enxergam em Arthur Elias o nome certo para se “recuperar a essência do jogo bonito” que teria sido deixada de lado nos tempos de Pia Sundhage. A ideia aqui não é comparar estilos e trabalhos dos dois treinadores, e sim entender o contexto do time no meio de tanta desinformação e desconhecimento sobre o futebol feminino praticado aqui por estas bandas. Se assim não fosse, a goleada sobre a frágil Nicarágua não estaria sendo encarada como um “grande resultado”.
É preciso dizer que a diferença técnica e tática entre Brasil e Nicarágua era gritante. De acordo com o SofaScore, a Seleção Feminina teve 67% de posse de bola e finalizou 31 vezes a gol (com treze delas indo no alvo). Muito dessa superioridade da equipe comandada por Arthur Elias veio da já conhecida postura agressiva no ataque e na pressão pós-perda. O já costumeiro 3-4-2-1 voltou a ser utilizado com Marta tendo bastante liberdade para circular por todo o campo, Tamires e Eudmilla nas alas e Bia Zaneratto bem próxima de Gabi Nunes. Não fossem as tomadas de decisão erradas, o Brasil poderia ter vencido a Nicarágua por uma diferença ainda maior de gols.
Quem viu o jogo na Arena Fonte Luminosa percebeu que a equipe adversária quase não ofereceu resistência para a Seleção Feminina. O objetivo do técnico Doriva Bueno (antigo comandante da Seleção Sub-20) era se fechar com duas linhas na frente da área e sair apenas para o “na boa”. O grande obstáculo estava na própria inferioridade técnica da equipe da Nicarágua. Tudo isso facilitou demais a vida das comandadas de Arthur Elias na pressão na saída de bola e também na movimentação na frente da área adversária. Mesmo assim, a impressão que ficou para este que escreve e para mais uma porção de gente é a de que faltou capricho em determinados momentos do jogo.
Toda essa fragilidade do adversário descrita anteriormente transformou a goleira Camila Rodrigues numa mera espectadora da partida dentro de campo. Isso porque a Nicarágua deu apenas um chute a gol durante todos os noventa e poucos minutos. O trio de zagueiras formado por Júlia Bianchi (depois Lauren), Antônia e Kathellen foi mais testado na saída de bola e construção das jogadas junto das volantes Luana e Ary Borges (depois Aline Milene), já que as alas Eudmilla e Tamires tendiam a jogar mais espetadas e buscando as associações com o trio ofensivo.
De fato, a Seleção Feminina fez aquilo que se esperava dela diante de um adversário muito mais fraco. A equipe dominou a partida, sufocou na saída de bola e tentou trabalhar as jogadas pelos lados e por dentro. Faltava, no entanto, a efetividade e a contundência necessárias para transformar a goleada por 4 a 0 num placar ainda mais elástico. E isso com “La Azul y Blanco” sofrendo horrores com inferioridade numérica em QUASE TODAS AS VEZES em que o Brasil abria o campo ou acelerava mais a troca de passes desde o campo de defesa com suas três zagueiras.
Priscila, Adriana e Geyse subsitituíram Bia Zaneratto, Marta e Gabi Nunes, respectivamente e deram uma “cara” mais vertical ao time com a bola (muito por conta da carcterística das jogadoras que entraram em campo na segunda etapa). Mesmo assim, a Seleção Feminina seguia empilhando chances de gol desperdiçadas (principalmente com Geyse) por conta de tomadas de decisão erradas. Faltou um pouco mais do que vimos nos gols marcados por Luana e Aline Milene, por exemplo. Faltou o controle da profundidade que permitiu que as volantes brasileiras pudessem aparecer na área nessa inversão do 3-4-2-1 para um 2-3-5 ofensivo com a posse da bola. Dentre outras coisas.
A ideia aqui não é diminuir ou criticar o trabalho realizado por Arthur Elias nessas cinco partidas à frente da Seleção Feminina. Há pontos muito positivos na equipe, como o trabalho na recuperação da confiança das jogadoras e a abertura maior para se trabalhar com nomes mais jovens. Por outro lado, seguem as dúvidas sobre algumas de suas escolhas. E todas elas passam pelos momentos em que as mais experientes estão em campo. Há como se compreender a importância da experiência e do talento de Marta, mas como manter esse estilo agressivo sabendo que a nossa Rainha já não tem o mesmo vigor físico de outros tempos? E isso vale para a camisa 10 e outros nomes.
A Seleção Feminina encerra o ano com uma goleada e com um pouco mais de tranquilidade. Já se sabe que Arthur Elias e toda sua comissão técnica precisam de tempo para que todos os conceitos trabalhados nos treinamentos sejam assimilados e executados da melhor maneira. Mas é preciso sempre ter em mente que é preciso muito mais do que o discurso fácil e vazio da “recuperação da essência do futebol feminino” para subir de patamar. Não é com factoides, “lacradas” no Twitter (o atual X) ou com análises rasas nas mesas de debate que vemos por aí.