Derrocada do Botafogo no Brasileirão é o retrato do time que não quis olhar para si mesmo
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira tenta explicar o que aconteceu com o Glorioso na reta final do Campeonato Brasileiro
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira tenta explicar o que aconteceu com o Glorioso na reta final do Campeonato Brasileiro
Independente do que acontecer na última rodada do Campeonato Brasileiro, a impressionante derrocada do Botafogo nas últimas semanas já pode sim ser considerada a maior “pipocada” da história da competição. É extremamente difícil entender o que aconteceu com uma equipe que abriu 13 pontos de vantagem na liderança e que mostrava uma solidez incrível na defesa e uma eficiência quase sobrenatural no ataque. Este que escreve entende bem que a forma como o Glorioso jogava e vencia suas partidas poderia ser considerada “anormal”. No entanto, nem mesmo isso explica o derretimento da equipe alvinegra de maneira tão avassaladora como aconteceu no segundo turno.
Não foi apenas o “peso da realidade” se fazendo presente na vida do Botafogo. Tivemos uma série de decisões erradas após a saída de Luís Castro para o Al-Nassr, a falta de tato e diplomacia para conter as explosões de Bruno Lage, a confiança cega no trabalho do ainda inexperiente Lúcio Flávio e a última (e desesperada) cartada na chegada de Tiago Nunes a cinco rodadas do final do Brasileirão. É difícil apontar um “e se” nessa história toda. O que é certo é que o elenco do Glorioso simplesmente se desmanchou psicologicamente depois da virada sofrida diante do Palmeiras de Abel Ferreira. O que viria depois, só seria consequência das escolhas erradas do passado.
Este que escreve chegou a ouvir de gente grande que “o Botafogo não precisava de treinador” e que apenas era preciso “fazer o simples” após a saída de Bruno Lage e a efetivação de Lúcio Flávio. O empate contra o Athletico Paranaense e a derrota para o Cuiabá (ambos no Nilton Santos) já ligavam o alerta para uma equipe que “se desligava” em determinados momentos. E a forma como o Glorioso foi derrotado pelo Palmeiras (numa virada que entrou para a história) com Endrick jogando demais e todo o time derretendo depois da penalidade de Tiquinho Soares defendida por Weverton. Polêmicas da arbitragem à parte, nada justifica uma postura tão passiva com tanto em jogo.
Depois da derrota para o Vasco em São Januário, o Botafogo voltou à Colina Histórica para enfrentar o Grêmio. Até o começo do segundo tempo, o time vencia por três a um e viu Luisitio Suárez comandar o recital com três gols. Do banco de reservas, um atônito Lúcio Flávio observava Renato Gaúcho vencer o duelo tático com a entrada de Ferreirinha no lugar de Lucas Besozzi justamente para explorar a insegurança dos laterais Di Plácido e Hugo na marcação. Com “El Pistolero” em estado de graça, o Glorioso foi se entregando aos poucos e apresentando uma desorganização defensiva absurda, com os jogadores fazendo saltos para a pressão desnecessários e abrindo espaços.
O empate sofrido no último lance diante do Red Bull Bragantino seria a gota d’água para John Textor, que optou pela demissão de Lúcio Flávio do clube. Tiago Nunes (que já seria o treinador em 2024) antecipou sua chegada para tentar salvar a barca alvinegra. O conhecido estilo de jogo mais propositivo e o discurso otimista até fizeram com que o Botafogo competisse um pouco mais. No entanto, o estrago psicológico já estava feito e isso seria facilmente perceptível nos empates contra o Fortaleza (na Arena Castelão) e contra o Santos (no Estádio Nilton Santos).
Aliás, o jogo contra o Peixe abriria uma “nova modalidade” nas decepções causadas pelo Botafogo: a dos gols sofridos nos últimos minutos de partida. Foi assim com Solteldo se livrando de Segovinha antes de colocar a bola na cabeça de Joaquim e foi assim com como todo o sistema defensivo deixando Natanael livre na direita para fazer o cruzamento que Edu escorou para o gol vazio. A regra é clara, meus amigos. Com o psicológico abalado, não há concentração. E se não há concentração, não há organização defensiva para segurar uma vitória que já era certa.
Por conta da suspensão de Eduardo, o técnico Tiago Nunes teve que apostar num insano 3-4-3 com Tiquinho voltando um pouco mais para armar as jogadas, Luís Henrique e Júnior Santos mais avançados e Tchê Tchê e Victor Sá nas alas na partida contra o Cruzeiro. Novamente a equipe criou chances e poderia ter vencido sem muitas dificuldades, mas o problema da vez estava no ataque. Tiquinho perdeu uma chance impressionante na frente de Rafael Cabral e as tomadas de decisão foram muito ruins no restante da partida. Se não fosse Lucas Perri, o Glorioso veria sua situação ainda mais complicada na briga por uma vaga direta na Libertadores de 20224. Foi só o que sobrou.
O que eu e você estamos vendo nessa reta final de Brasileirão é um Botafogo que se recusou a olhar para si mesmo quando precisou fazer isso. No momento em que as oscilações que toda equipe passa numa temporada, o elenco como um todo simplesmente se recusou a entender que era preciso manter a cabeça no lugar e não pedir a cabeça de um para efetivar o outro. Mas talvez a maior parte da culpa recaia sobre os ombros de John Textor. Afinal de contas, foi o dono da SAF alvinegra quem comprou a ideia dos jogadores mesmo sabendo dos riscos. E quando as oscilações e o desgaste físico chegaram, trouxeram junto um abalo psicológico que os jogadores não foram capazes de superar.
O futebol também nos ensina muito sobre a vida. Há momentos em que é preciso descer do pedestal, calçar as “sandálias da humildade” e entender que ninguém é invencível. Olhar para si mesmo e compreender contextos também faz parte da vida de quem ama esse esporte. E ao Botafogo resta apenas encerrar esse Campeonato Brasileiro que já era dado como certo de maneira digna diante do Internacional fora de casa. Mas nada vai apagar a impressionante e inacreditável derrocada de uma equipe que fez o que fez na competição. É algo que precisa ser estudado.