Alívio pela permanência na Série A não pode esconder o planejamento ruim do Vasco em 2023
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira destaca a importância de Ramón Díaz na recuperação do Trem Bala da Colina
Este que escreve aprendeu nas suas andanças que duas coisas são indiscutíveis no velho e rude esporte bretão. A primeira delas é a história de um clube. E a segunda é o carinho de uma torcida pelo seu time do coração. É por isso que a comemoração efusiva dos mais de vinte mil presentes em São Januário no dia 6 de dezembro é plenamente justificável. Afinal de contas, o Vasco se livrava de um rebaixamento que era dado como certo há algumas semanas com uma vitória suada sobre o Red Bull Bragantino e a promessa de Ramón Díaz estava cumprida. No entanto, existem algumas coisas que precisam ser ditas sobre esse conturbado ano de 2023 do Trem Bala da Colina.
Procure um torcedor vascaíno conhecido seu e peça a ele para resumir a temporada. Quase todos eles vão se mostrar extremamente aliviados pela permanência na Série A, mas vão lamentar o planejamento terrível da 777 Partners. E não somente pela escolha no comando técnico. A saída de Maurício Barbieri na 11ª rodada já significava uma mudança no discurso mais moderno e focado em jogadores mais jovens do início do ano. A chegada de Ramón Díaz (aliada à chegada de reforços como Pablo Vegetti, Paulinho Paula, Gary Medel e Dimitri Payet) foi importantíssima para recuperar a confiança de todo um elenco que sofria com os péssimos resultados no Campeonato Brasileiro.
Mais do que isso. Estava claro que o Vasco precisava de mais experiência, de mais “casca” para encarar uma árdua batalha contra o rebaixamento para a Série B. No jogo decisivo contra o ótimo Red Bull Bragantinno, Ramón Díaz manteve o 4-3-3/4-1-4-1 com Payet e Gabriel Pec pelos lados, Vegetti no comando de ataque e por Jair, Praxedes e Marlon Gomes no meio. Quiseram os deuses do velho e rude esporte bretão que o jovem camisa 25 saísse lesionado ainda no primeiro tempo e que Paulinho Paula abrisse o placar justo num dos seus primeiros toques na bola. Com a confiança lá em cima, o Vasco conseguiu controlar mais o jogo e até teve chances de aumentar a vantagem.
O grande problema desse jogo (e de vários outros nesse Campeonato Brasileiro) estava nas condições físicas do elenco e também no encaixe de alguns jogadores no esquema tático de Ramón Díaz. Payet, por exemplo, começou a partida jogando pelo lado esquerdo e teve muitas dificuldades para acompanhar Andrés Hurtado pelo seu setor. Isso fazia com que Paulinho Paula tivesse que deixar seu posicionamento para ajudar Lucas Piton na marcação ao lateral do Massa Bruta e a Helinho. Isso gerava uma outra sequência de erros defensivos no Vasco. De nada adiantava ter Maicon jogando em alto nível ou Medel se multiplicando na frente da área sem um mínimo de ajuda lá atrás.
A grande verdade é que o gol de Léo Ortiz já no segundo tempo (além de recolocar a equipe de São Januário temporariamente na zona do rebaixamento) também expôs a falta de peças de reposição do Vasco. Quem poderia, por exemplo, substituir o polivalente Gary Medel no sistema defensivo? Ou resolver o problema de criação no lado esquerdo, onde Payet simplesmente não conseguiu entrar em forma? A troca tardia no comando técnico e a chegada de reforços no decorrer do Brasileirão não deixou de ser uma correção de rota quase desesperada por parte da diretoria.
Com os reforços chegando, Ramón Díaz fez aquilo que se chama “trocar o pneu com o carro em movimento”, isto é, implementar seus conceitos da maneira mais eficaz possível sem que a equipe sentisse tanto a falta de entrosamento. Além disso, jogadores que vieram de outras ligas sentiram um pouco a sequência de partidas e alguns gramados precários nesse Campeonato Brasileiro. No entanto, a recuperação do Vasco na temporada precisa sim ser exaltada. Principalmente por conta do treinador argentino, que veio e fez a promessa que todo vascaíno queria ouvir.
A expulsão (justa) de Realpe foi fundamental para que o Vasco conseguisse retomar um pouco do controle da partida. E vendo que sua equipe precisava do segundo gol para não depender de ninguém, Ramón Díaz apostou na entrada de Serginho “Sem Fronteiras” no lugar de Payet. Ao invés do toque mais pausado, mais velocidade e mais gente dentro da área. E o “abafa” vascaíno surtiu efeito aos 37 minutos da segunda etapa, quando o camisa 70 se juntou a Vegetti, Praxedes, Gabriel Pec e completou a belíssima jogada de Paulo Henrique para as redes. De fato, era o gol do alívio. Mas também era o gol de quem acreditou até o último minuto na permanência.
O agitadíssimo ano de 2023 deixa lições importantes para o Vasco e para a sua SAF. Este que escreve entende bem que existe a vontade louvável de se trazer novos pensamentos e tentar mudar um pouco o pensamento insano que vigora por estas bandas. Por outro lado, a impressão que fica é a de que a 777 Partners subestimou as demais equipes do Brasileirão ao retardar as mudanças que precisavam ser feitas lá atrás. Se jogadores e treinador precisam de tempo para se adaptarem, dirigentes também precisam compreender um pouco da cultura daqui antes de se pensar em mudar as coisas de maneira drástica. O planejamento ruim desta temporada comprova essa tese com facilidade.
Certo é que o torcedor vascaíno agora pode respirar aliviado e sonhar com um 2024 bem mais tranquilo (e quem sabe vitorioso) do que esse ano que está se encerrando. Nem pelo aporte financeiro que a SAF promete, mas pelo aprendizado numa temporada quase perdida por conta de escolhas ruins de seus dirigentes. E no final disso tudo temos os jogadores e o técnico Ramón Díaz. “No va a bajar. Y no bajó“. Essa simples frase parece ter sido o combustível de um Vasco que precisava de dias mais felizes. E eles vieram na hora certa e do modo certo.