Natalie Gedra opina sobre machismo e relembra como surgiu paixão no futebol: “Ia no estádio escondida”
Repórter lembrou de sua infância, início de sua carreira e contou como as mulheres têm dificuldades de se impor na profissão
Na terceira parte da entrevista concedida para a Rádio Eldorado, na última terça-feira (21), Natalie Gedra recordou do amor pelo futebol na infância e relatou o machismo que as repórteres femininas sofrem no ramo esportivo.
“Quando não tinha credencial, ficava na porta dos vestiários”, diz Natalie ao relembrar o seu início de profissão
Natalie contou sobre o começo de sua carreira na imprensa. Desde cedo, ela despontava como talentosa. Contando que não foi nada fácil e para isso subiu de degrau em degrau até chegar no auge do jornalismo esportivo.
“Nunca olho atentamente, olho o que as pessoas apontam, por exemplo. Quando saí da ESPN e fui para a Sky Sports, muita gente falou: ‘Olha que trajetória’. Eu fico muito feliz , porque eu acho que cumpri todos os degrauzinhos, sabe? Não foi, ‘nossa eu dei um salto do nada porque aconteceu alguma eventualidade da minha vida que me levou até aqui’. Não. Rádio Universitária, apresentando, aí pedi credencial para cobrir os jogos nos fins de semanas de um programa de futebol que a gente tinha no vestiários. Aí eu ia lá com o gravadorzinho e quando não tinha credencial ficava na porta dos vestiários do Pacaembu, esperando algum jogador passar pra pegar alguma palavrinha, enfim”.
“Rádio Globo, CBN, depois fui pra Band , Globo e depois fui pra cá na Inglaterra. Então sim mudou, a gente amadurece, desenvolve mais confiança, a gente passa a ser menos ansiosa. No começo, eu era muito ansiosa, preocupada com tudo. Uma coisa que aprendi ao logo dos anos foi de desfrutar de todas as coisas legais que aconteceram comigo. Tudo isso foi vivido muito intensamente, mas eu aprendi a desfrutar e aproveitar bastante. No começo, a preocupação era sempre maior. Então, essa foi a principal mudança”, relatou.
Jornalista relata que na infância se escondia para torcer no Pacaembu
A repórter puxou da memória fatos que fizeram se apaixonar pelo futebol. De acordo com ela, desde a adolescência sempre teve um amor pelo esporte e contou que fazia de tudo para ir ao estádio.
“É um pouco, mas nem tanto. Acho que é um pouco como as famílias brasileiras são. O futebol é muito parte da nossa cultura e eu vejo muito isso até aqui na Inglaterra. O futebol é muito parte da cultura deles e eles têm uma cultura diferente com o futebol. Então, meu pai, por exemplo, ele não tem um time de futebol. Ele torce pro bom futebol. Ele fala que depois da Copa de 82, não torce pra mais ninguém, mas eu lembro (espero que o meu pai não esteja ouvindo), eu ia no estádio escondida. Minha mãe me encobria pra ir no estádio pra ver o jogo de futebol, porque ele achava muito perigoso e foi assim que comecei. Quando não tinha credencial até falava pra ele: ‘Não, não, estou no setor de imprensa’. Quando na verdade, estava na arquibancada com o Leandro (radialista e amigo)”, disse aos risos.
“Acho que sou a pessoa mais interessada em futebol da minha família, mas todo mundo é interessado. Mas comigo sempre foi uma coisa muito forte a questão do futebol. Desde quando era menina, apostava com os meninos da sala. Quando tinha clássico, vestia camisa, (interesse no futebol) sempre foi muito forte. Eu não jogo futebol, não sei chutar uma bola. Não pratiquei esporte na faculdade. Mas o futebol sempre foi muito forte pra mim”, recordou.
“Eu não me sinto referência”, diz a jornalista
Gedra não se vê ainda como inspiração para os novos jornalistas, até porque só esta fazendo o seu trabalho. Segundo ela, Regiani Ritter (jornalista) é a referência dela, já que foi a pioneira no jornalismo feminino e a ensinou tudo na época de faculdade.
“É muito estranho quando me vejo (como pioneira). Quando saí da ESPN , por exemplo, as pessoas falavam: ‘Você é uma referência pra mim’. Não gente, referência é o Tino Marcos, não eu. Só levanto e faço meu trabalho . Eu não me sinto referência de forma alguma, pois eu trabalhei com uma grande referência. Referência é a Regiani Ritter, ela sim quebrou muitas barreiras em momentos muito difíceis. Eu não sei se eu teria casca. Entrar no vestiários sozinha, ser a única mulher, vê os caras pelados, se impondo o tempo inteiro e conquistando espaços. Eu tive graças a Deus de ter tido oportunidade de tê-la como chefe e aprendi muito com ela. Falo que a Regiani é a minha mãe no jornalismo. Daí cada época tem a sua referência. Talvez possa olhar pra trás e ver algumas coisas diferentes que fiz. Mas daí ser referência, não, imagina. Eu me vejo ainda na Rádio Universitária (risos)”, declarou.
“A gente convive com complexo de impostora”, diz sobre os insultos machistas
Por fim, Natalie comentou sobre o que as mulheres sofrem no mundo masculino do jornalismo. Ela relatou que se não enfrentar essa sensação de machismo, ficará difícil para as repórteres femininas serem reconhecidas, mesmo que o insulto não seja tão evidente.
“Você não necessariamente transpõe, sempre vai estar ali. Você lida com o machismo todos os dias em todos os momentos. Você aprende a criar casca e você aprende a criar alguns comportamentos que já vem mais naturalmente. Me lembro que quando estava começando, eu era estagiária, acho que da Globo e estava com um dúvida. Perguntei a uma produtora e ela me respondeu: ‘Não pergunta isso para os meninos no treino, se você tiver alguma dúvida, sempre pesquisa’, porque quando uma mulher demonstra falta de conhecimento, sempre vai ser um motivo para eles irem lá, tá vendo, ela não sabe'”, recordando um episódio de quando era repórter da Rádio Globo.
“Então, são vários comportamentos que você vai incorporando no seu dia a dia, que não deveria ser assim, mas você vai incorporando. Continua acontecendo, só que com o tempo vai se tornando mais cascuda. Um comentário não é mais explícito. Um comentário deu a entender que só conseguiu aquela entrevista ou resposta boa por ser mulher. Ou na época que era setorista: ‘Só conseguiu a informação porque fulano te adora’. Quantas vezes não ouvia isso?”
“Por isso você tem que criar essa confiança. É difícil ser mulher, normalmente, em qualquer ambiente, porque a gente tem que conviver com complexo de impostora o tempo inteiro. É assim, alimentado e quando a gente acha que se livrou dele, ele vem e joga na sua cara. Precisa ficar lidando com esse complexo. Será que consegui aquela entrevista só porque sou mulher ou bonita? Não poxa! Aí vem a questão da trajetória. Sempre trabalhei, sempre fui empenhada, me ofereci pra fazer as coisas. Sempre gostei de estudar. Estudava para os jogos , fico horas estudando pra jogos porque eu gosto. Se você é mulher, isso tudo fica em segundo plano muitas vezes e está nas sutilezas. É isso que é mais difícil. Nas sutilezas, você acaba incorporando mais fácil e nem percebe. Quando vem em confronto, se sente agredida e daí se defende. Quando alguém fica jogando nas entrelinhas, vai se incorporando e você começa a se contestar. Tem que lidar com essas duas frentes do machismo”, completou Natalie Gedra.