Dos memes à “Glória Eterna”: Fluminense conquista a Libertadores e premia o trabalho inovador de Fernando Diniz
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa todos os capítulos da vitória histórica do Fluzão sobre o Boca Juniors
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa todos os capítulos da vitória histórica do Fluzão sobre o Boca Juniors
Poucos treinadores foram tão estudados como Fernando Diniz foi nesses últimos anos. Nunca com equilíbrio, diga-se de passagem. Para alguns, ele representa uma verdadeira revolução no futebol mundial. E para outros, ele não passa de mais um “Professor Pardal” que vai morrer abraçado com suas convicções. O tal “Dinizismo” chegou a virar meme e significado de “futebol kamikaze”. Não é um e nem outro. Mas a sua vontade de buscar algo diferente, de pensar “fora da caixinha” foi premiada neste sábado (4) com o título da Libertadores comandando um Fluminense que já entrou para a história por conta do futebol vibrante e ofensivo que jogou na competição. Exatamente como o povo gosta.
A vitória justíssima sobre o Boca Juniors num Maracanã lotado de tricolores e xeneizes e a conquista da “Glória Eterna” não transformaram Fernando Diniz no melhor técnico do planeta. Ele mesmo refuta esse título. Mesmo assim, é muito difícil imaginar um Fluminense jogando desse jeito com outro treinador à beira do gramado. Desde o início do ano, Diniz buscou corrigir alguns problemas da sua equipe pensando num momento como o visto por todos nós nesse histórico dia 4 de novembro. E jogando bola. Talvez essa seja a grande manchete dessa decisão de Libertadores.
Enquanto colegas de imprensa se prendem a chavões batidos e sem sentido, o Fluminense se manteve fiel ao seu estilo e buscou colocá-lo em prática com e sem a bola. Não foi a melhor partida do Tricolor das Laranjeiras na competição sul-americana, mas foi a que mais exigiu física e mentalmente dos jogadores com toda a certeza. E Fernando Diniz parecia preparado para o que viria pela frente. Foi a Libertadores de Germán Cano, Jhon Arias, Felipe Melo, André (um dos melhores em campo na opinião deste que escreve), Nino, Martinelli e John Kennedy (o predestinado).
Como era de se esperar, o jogo começou bem nervoso. Jorge Almirón mandou o Boca Juniors a campo armado no usual 4-4-2 com Cavani e Merentiel na frente, Barco e Medina pelos lados e Valentini no lugar do suspenso Rojo. Já Fernando Diniz preferiu povoar o meio-campo com Martinelli jogando próximo de Ganso e “dando um pé” na marcação pelo lado esquerdo. Esse posicionamento permitia que Marcelo tivesse mais liberdade de circulação por dentro e se somasse a Arias, Keno, Ganso e companhia na “paralela cheia” tão conhecida e característica do “Dinizismo”. Tudo isso para balançar a defesa xeneize e encontrar Cano se movimentando por dentro e nos espaços que iam aparecendo.
O primeiro gol da partida surgiu justamente de uma dessas jogadas. Keno e Arias tabelaram e o camisa 14 fez o movimento certo para se livrar de Advíncula e abrir o placar. O Fluminense tinha o controle da partida e concedia pouco para um Boca Juniors que visivelmente apostava nas transições rápidas e ligações diretas para Cavani, Merentiel e Medina brigarem lá na frente. Muito pouco para quem precisava de mais presença ofensiva e de um pouco mais do que a velha catimba para superar a concentração e intensidade do seu forte adversário no Maracanã.
Nesse ponto, o intervalo fez muito bem ao escrete comandado por Jorge Almirón. Com a equipe mais organizada e mais presente no campo de ataque, o Boca Juniors se aproveitou do nervosismo do Fluminense para ficar mais com a bola e empurrar a defesa tricolor para trás. Advíncula e Fabra se transformaram em pontas (quase alinhados a Merentiel e Cavani), Medina e Barco permaneciam mais recuados junto a Pol e Equi Fernández. Uma espécie de 2-4-4 de muita imposição física e que fez o time de Fernando Diniz sentir a saída de Felipe Melo no começo do segundo tempo.
É bom que se diga que o gol de empate (marcado por Advíncula em chute de fora da área que Marcelo e Keno não conseguiram bloquear) saiu quando Samuel Xavier estava na beira do gramado pedindo para voltar ao jogo. Difícil entender essa e várias outras decisões de Wilmar Roldán na partida. Este que escreve não gosta desse tipo de pensamento, mas a impressão que fica é a de que o árbitro colombiano parecia ter sido orientado a travar o jogo e “passar pano” em algumas entradas mais duras dos jogadores xeneizes. Nesse ponto, o grande mérito do Fluminense foi não cair na pilha do seu adversário e nem se deixar irritar pelas marcações confusas do trio de arbitragem. E isso não é pouco.
Aos 35 minutos do segundo tempo, Fernando Diniz fez a mudança tripla que mudaria completamente a história do jogo. Marcelo, Martinelli e Paulo Henrique Ganso saíram para as entradas de Diogo Barbosa, Lima e John Kennedy. Com o Flu jogando num 4-2-4 de mais imposição física (e com o fôlego renovado), a equipe conseguiu se impor ainda mais no ataque e pôde retomar o plano e o estilo estabelecidos pelo seu treinador. Trocas de passe com muita velocidade para aproveitar a superioridade numérica do quarteto ofensivo em cima da última linha de defesa xeneize.
A chance incrível desperdiçada por Diogo Barbosa no final no segundo tempo mostrou que o plano de Fernando Diniz poderia dar certo. O golaço de John Kennedy saiu novamente da “paralela cheia” pela esquerda, mas com algumas pequenas diferenças. O 4-2-4 implementado pelo treinador ganhou amplitude e cara de jogo posicional com Guga e Cano abrindo a defesa do Boca pelo lado direito. Com o camisa nove arrastando Figal e abrindo espaço para Keno escorar o passe de Diogo Barbosa, o Fluminense encontrou o espaço que precisava. Gol que é resultado de muito treino.
A final da Libertadores ganhou contornos ainda mais dramáticos com a expulsão de John Kennedy depois de ir comemorar o gol com a torcida (ponto que precisa ser revisto PRA ONTEM pela FIFA e seus dirigentes). Do outro lado, o Boca já dava mostras de desequilíbrio emocional quando Fabra foi bem expulso depois de acertar um tapa em Nino. Com a pressão do adversário, Fernando Diniz mandou David Braz para o jogo e literalmente “estacionou um ônibus” na frente da área do goleiro Fábio. Praticamente um 7-2-0 “a la Mourinho” num dos traços mais pragmágticos do “Dinizismo”. O time de Jorge Almirón só conseguiu levar algum perigo nas bolas levantadas na área e nas finalizações de longa distância.
Difícil não exaltar a conquista da Libertadores pelo Fluminense. O futebol apresentado em campo e a proposta ousada e ofensiva de jogo encantaram não apenas pelo título, mas pela maneira como os jogadores assimilaram essa filosofia tão defendida por Fernando Diniz. Em pouco tempo, o comandante tricolor colocava seu nome no seleto grupo de campeões continentais. Assim como Telê Santana, Carlos Bianchi, Lula, Luis Cubilla, Luiz Felipe Scolari e várias outras lendas do velho e rude esporte bretão. E isso tudo com seu estilo quase autoral e sofrendo com piadas e críticas de todos aqueles coleguinhas de imprensa que não conseguiam encontrar um mínimo de equilíbrio nas análises e comentários.
O “Dinizismo” saiu do meme para a “Glória Eterna” em questão de meses. Hoje, o Fluminense é o melhor time da América do Sul e Fernando Diniz responde todas as bravatas dirigidas a ele com o título da Libertadores. O trabalho inovador, a “paralela cheia” e a forma como motiva seus jogadores ainda vão se tornar objeto de estudo em todos os cantos do planeta. Este que escreve não fala em “revolução”, mas em merecimento. Só por ousar “pensar fora da caixinha” e entender que o futebol também é humano, Diniz merece e muito essa conquista histórica.