Sir Robert “Bobby” Charlton é simplesmente uma lenda do futebol europeu e mundial. Daqueles meio-campistas que transbordava classe. Os mais novos podem não conhecer o melhor jogador da Copa do Mundo de 1966 e um dos maiores ídolos da história do Manchester United, mas ele é sempre lembrado como um dos grandes da sua posição e um dos que ajudaram a revolucionar o esporte há mais de meio século. Ele nos deixou neste sábado (21) e seu nome, suas conquistas e seu legado foram lembrados antes das partidas da Premier League e de alguns dos principais campeonatos europeus. Aqui, no TORCEDORES, vamos entender como Bobby Charlton escreveu seu nome na história do velho e rude esporte bretão.
Para começo de conversa, é preciso lembrar que estamos falando de um sobrevivente. Bobby Charlton foi um dos sobreviventes da tragédia de Munique, quando oito jogadores e três membros da comissão técnica do Manchester United morreram num acidente aéreo em Munique, na Alemanha. Fez parte da reconstrução dos Red Devils e foi um dos grandes nomes do clube nos anos 1960 com o norte-irlandês George Best e escocês Dennis Law. Disputou as Copas do Mundo de 1958 (onde não jogou) e 1962, chegando a enfrentar o Brasil de Garrincha, Zito e Didi nas quartas de final.
Mas foi em 1966, durante o Mundial disputado na Inglaterra, que Bobby Charlton faria parte de uma verdadeira revolução. O mundo do futebol, já acostumado com o 4-2-4 e já realizando a transição para o 4-3-3 apresentado pela Seleção Brasileira na Suécia (em 1958), veria o nascimento do 4-4-2. Durante os amistosos de preparação para a Copa do Mundo, Sir Alf Ramsey (histórico treinador do English Team) entendeu que o 4-2-4 vigente daqueles tempos já não era tão adequado defensivamente e resolveu apostar na entrada de Martin Peters no time.
A formação, de acordo com o volante Nobby Stiles (companheiro de Manchester United e de seleção inglesa), lembrava mais um 4-1-3-2, já que ele se posicionava um pouco mais atrás com relação a Bobby Charlton. Mesmo assim, a principal mudança estava no posicionamento dos pontas Martin Peters e Alan Ball. Sem a bola, os dois recuavam para ajudar na marcação e deixavam os dois centroavantes (Geoff Hust e Roger Hunt) mais avançados. Os livros e publicações da época escalavam a Inglaterra no antigo 4-2-4, mas a final contra a antiga Alemanha Ocidental já mostrava o comportamento do time de Alf Ramsey. Com a bola, um 4-1-3-2. Sem ela, o conhecido e usual 4-4-2 com duas linhas na frente da área.
É nesse ponto que a classe e categoria de Bobby Charlton entram no processo. Já bastante experiente, o camisa nove do English Team se transformou talvez num dos primeiros “box to box” da história do velho e rude esporte bretão. O termo se refere ao volante que recebe a bola na sua área e vai armando o jogo até a área adversária, função que foi bastante comum no futebol inglês. Sir Alf Ramsey não usou o 4-4-2/4-1-3-2 durante toda a Copa do Mundo. Contra Uruguai, México e França, por exemplo, usou Jimmy Greaves, John Conelly e Terry Paine num 4-3-3.
Foi só a partir das quartas de final (contra a Argentina) que a Inglaterra jogou com a formação escolhida pelo treinador ainda nos amistosos. É possível que Alf Ramsey quisesse “esconder o jogo” dos adversários ao não usar o 4-4-2 desde o início. Assim que optou pelo 4-4-2 (ou 4-1-3-2), o English Team ganhou consistência defensiva com o retorno de Peters e Alan Ball para o meio-campo. Essa movimentação permitia que Bobby Charlton pudesse aparecer mais à frente em vários momentos, quase como um ponta de lança e também organizar o jogo no meio-campo.
Bobby Charlton marcou 49 gols em 106 jogos pela seleção inglesa. Foi o maior artilheiro da história do Englies Team até ser superado por Wayne Rooney apenas em 2015. Pelo Manchester United, disputou 758 e marcou 249 vezes, tendo conquistado edições do campeonato inglês (1955/56, 1956/57, 1964/65 e 1966/67), quatro Supercopas da Inglaterra (1956, 1957, 1965 e 1967), uma FA Cup (1962/63) e a Liga dos Campeões da UEFA de 1967/68 com uma goleada por quatro a um sobre o Benfica de Eusébio, Coluna e Simões na decisão em Wembley. Já mais velho, Bobby Charlton foi mais ponta de lança do que “box to box” no 4-3-3 organizado pela lenda Sir Matt Busby. Destaque para Stiles jogando como zagueiro para vigiar Eusébio.
Vale lembrar também que Bobby Charlton recebeu a Bola de Ouro em 1966 e faz parte do seleto grupo de jogadores que conquistaram o prêmio de melhor do mundo, a Champions League e a Copa do Mundo. Além dele, Franz Beckenbauer, Gerd Müller, Paolo Rossi, Zinedine Zidane, Rivaldo, Ronaldinho, Kaká e Lionel Messi atingiram a marca histórica. Não por acaso recebeu o título de “Sir” e era sempre lembrado nas eleições de melhores do mundo feitas pela FIFA e pela UEFA. Revolucionou o futebol com a classe e a inteligência de um dos primeiros “box to box” da história do velho e rude esporte bretão e encantava pelo cavalheirismo e educação. Não por acaso, era um dos grandes amigos de Pelé. Vai fazer falta.
De maneira justíssima, Premier League, UEFA e FIFA lamentaram o falecimento de Sir Bobby Charlton. Seja dentro ou fora de campo, foi um gentleman, um amante do futebol bem jogado e sempre esteve presente nos grandes momentos do Manchester United. Pode não ser muito conhecido dos mais jovens, mas relembrar seu legado é importante para que a história e a formação do esporte que eu e você amamos seja melhor compreendida. Muito do que vemos hoje foi feito no passado. E é por isso que se faz necessário exaltar a figura de Sir Bobby Charlton.
FONTES DE PESQUISA:
RSSSF Archive
A Pirâmide Invertida, de Jonathan Wilson (Editora Grande Área)
Os 55 maiores jogos das Copas do Mundo, de Paulo Vinícius Coelho (Panda Books)
Escola Brasileira de Futebol, de Paulo Vinícius Coelho (Editora Objetiva)
As melhores seleções estrangeiras de todos os tempos, de Mauro Beting (Editora Contexto)