Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a atuação das Gurias Coloradas e as escolhas do técnico Lucas Piccinato
Todo grande torneio de futebol possui aquela equipe que ganha a singela acunha de “sensação”. Pode não ser a favorita ao título, mas é aquela que mais agrada aos olhos e a que mais surpreende no contexto da competição. E o Internacional se encaixa perfeitamente nesse perfil. Estreante na Libertadores Feminina, as Gurias Coloradas passaram em primeiro lugar no Grupo D (o chamado “grupo da morte”) vencendo Boca Juniors e América de Cali e se garantiram nas semifinais da competição com vitória incontestável sobre o Colo-Colo de Tatiele Silveira. Vitória por quatro a dois com atuações mágicas de Belén Aquino e Priscila e ótima execução da estratégia do técnico Lucas Piccinato.
É interessante notar que o futebol apresentado pelo Internacional nessa Libertadores Feminina não possui nada de extraordinário. É uma proposta de jogo até simples, com bloco médio de marcação e transições em altíssima velocidade para o ataque buscando Analuyza, Letícia Moreno, Belén Aquino e Priscila e um forte suporte defensivo realizado por Capelinha (uma gigante na frente da zaga) e uma linha com quatro defensoras bem encaixada. Mas lembrem-se de que o “simples” não indica facilidade no futebol. Estamos falando de uma equipe muito bem organizada.
Aqueles que viram a partida no Estádio Pascual Guerrero percebeu que o Colo-Colo ficou mais com a bola e trocou mais passes durante todos os noventa e poucos minutos. Não que o Internacional tivesse aberto mão da posse da bola. A equipe de Lucas Piccinato simplesmente foi objetiva e sabia exatamente o que fazer e quando fazer. É lógico que o time ainda comete algumas falhas na defesa. No entanto, a postura das Gurias Coloradas sem a bola dificultou demais a vida do escrete comandado por Tatiele Silveira. E isso precisa ser valorizado por quem aprecia o jogo.
Os dois primeiros gols das Gurias Coloradas saíram de dois contra-ataques bem encaixados e da movimentação constante do trio ofensivo. Priscila, Belén Aquilo e Analuyza trocavam de posição a todo instante e dificultavam bastante a vida da defesa adversária. Além disso, Tâmara Bolt e Esquerdinha também subiam e Letícia Moreno e Djeni encostavam para dar opção de passe (quando não pisavam na área como autênticas pontas de lança). Por mais que empilhasse jogadoras na frente da área da goleira Torrero, o Colo-Colo encontrava muitas dificuldades para controlar a profundidade e facilitavam bastante a vida do Internacional e do 4-3-3/4-4-2 montado por Lucas Piccinato. Boa atuação coletiva.
O golaço de Bogarín ainda no primeiro tempo e a atuação mais desligada das Gurias Coloradas no começo da segunda etapa deram a impressão de que o jogo se tornaria mais complicado do que realmente foi. Com Fabíola Sandoval no lugar de Analuyza, o Internacional ganhou fôlego nas subidas ao ataque e viu Isa Haas fazer o terceiro em falha coletiva da defesa do Colo-Colo e Djeni acertar a trave duas vezes antes de Belén Aquino fazer jogada de cinema pela esquerda e deixar Priscila em plenas condições de fazer o quarto gol colorado. Apesar da vantagem, o Internacional não perdeu a pegada no meio-campo e ganhou força com Zóio entre as linhas de um 4-1-4-1 mais compactado.
O gol de Ysaura Viso já nos acréscimos foi mais resultado do relaxamento natural de quem já estava com a vaga nas semifinais garantida do que alguma falha mais gritante no sistema defensivo colorado. Com a goleada sobre o Colo-Colo, as Gurias Coloradas mantiveram os cem por cento de aproveitamento na Libertadores Feminina com quatro vitórias, dezesseis gols marcados e quatro sofridos, números inferiores apenas aos de Palmeiras e Corinthians, os outros clubes brasileiros classificados. Difícil não elogiar o trabalho realizado por Lucas Piccinato e as boas atuações coletivas de um time que se propôs a fazer o simples bem feito. Não receberam o título de “sensação” da Libertadores por acaso.
Mesmo assim, a partida contra o Corinthians não deixa de ser um divisor de águas para o projeto de futebol feminino do Internacional. É possível sim sonhar com voos mais altos no cenário sul-americano se a equipe mantiver a mesma pegada e a mesma intensidade vista nas partidas contra Caracas, Boca Juniors, América de Cali e Colo-Colo. E passar para uma final de Libertadores Feminina vencendo uma das melhores equipes do continente não deixa de ser a subida de patamar que faltava para as Gurias Coloradas. É possível ir mais longe sim.