Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a “seca de gols” dos atacantes brasileiros e aponta possíveis soluções
A chamada “crise de centroavantes” na Seleção Brasileira não é assunto novo na imprensa esportiva (e muito menos nas discussões entre os torcedores). É algo que vem e volta à tona dependendo de como as coisas andam dentro de campo. De fato, já faz algum tempo em que um camisa nove não balança as redes com a histórica camisa amarelinha. A última vez foi no ano passado, na goleada sobre a Coreia do Sul nas oitavas de final da Copa do Mundo do Catar. Apenas em 2023, sete jogadores entraram em campo pelo Brasil e nenhum deles conseguiu fazer ou participar de um gol pela Seleção Brasileira. Geração ruim de jogadores? Falta de material humano? É o que vamos descobrir.
A função de todo centroavante é balançar as redes adversárias. Ponto final. Seja com apenas um toque, com arrancadas, dribles ou na base da sorte mesmo. O negócio é colocar a bola na casinha. É o que diz a sabedoria popular e todo o folclore futebolístico. Só que o futebol é dinâmico e exige muito mais de cada um deles. Não somente nos nossos dias, com toda a intensidade que o jogo pede, mas ao longo da história do velho e rude esporte bretão. Não se trata “apenas” de fazer gols, mas participar do processo que envolve levar a bola até o ataque.
Sobre a Seleção Brasileira, este que escreve não vê falta de material humano. Gabriel Jesus, Vitor Roque, Yuri Alberto, Pedro, Rony, Matheus Cunha e até mesmo o criticado Richarlison já mostraram qualidade defendendo seus clubes e até mesmo o escrete canarinho em algum momento. Além deles, temos Marcos Leonardo, Endrick, Tiquinho Soares, Arthur Cabral e mais uma série de nomes que podem ser muito úteis nas mais diferentes funções dentro da equipe. A questão, pelo menos nesse primeiro momento, é um pouco mais complexa e pede uma observação mais séria.
O próprio Richarlison, depois de defender que a camisa nove tinha que ser sua, confessou a pressão de vestir o número que Ronaldo vestiu e imortalizou no final entre as décadas de 1990 e 2000. Protagonista de uma das histórias de redenção mais conhecidas da história do futebol mundial, o Fenômeno se transformou em modelo e ídolo de todo e qualquer outro atacante que viria depois dele. Sabia segurar os zagueiros, controlar a profundidade e usar a habilidade em arrancadas incríveis. Foi artilheiro da Copa do Mundo de 2002 com incríveis oito gols marcados em sete partidas e foi um dos grandes nomes do 3-4-2-1 montado por Luiz Felipe Scolari naquela histórica Seleção Brasileira.
É verdade que carregar a camisa nove da Seleção Brasileira traz consigo uma boa dose de pressão, mas isso não explica a chamada “crise de centroavantes”. Na opinião deste que escreve, muito dessa polêmica passa pela forma como encaramos os processos e (principalmente) os resultados finais. E a França campeã mundial em 2018 é um bom exemplo disso. Olivier Giroud passou a Copa do Mundo inteira sem balançar as redes adversárias, mas exerceu função tática importantíssima. Foram 14 gols marcados em sete partidas com Mbappé e Griezmann marcando quatro vezes cada um.
O fato de Giroud ser muito mais um preparador de jogadas do que propriamente um goleador na Copa do Mundo da Rússia foi encarado como heresia passível de punição com cem chibatadas pela imprensa esportiva daqui. Mas tudo fazia sentido e tudo se encaixava quando a bola rolava. Não por acaso, essa França ficou conhecida como uma das equipes mais sólidas e mais competitivas daquele Mundial. Entender o que se passa com nossos centroavantes também passa pela compreensão do que se quer de cada um deles em campo. Lembrem-se de que a exigência é muito maior hoje.
Está claro para este que escreve que não temos falta de material humano. Ao mesmo tempo, não temos uma geração ruim. Muito pelo contrário! Se temos experiência de sobra com Tiquinho Soares e Hulk, temos juventude com Endrick, Marcos Leonardo e Vitor Roque. A impressão que fica é a de que falta o encaixe perfeito, uma maior adaptação à proposta tática trazida por Fernando Diniz na Seleção Brasileira. Até mesmo Richarlison e Gabriel Jesus, ambos muito criticados nesses últimos anos, podem ser úteis nesse processo. Por outro lado, vale a pena sim procurar alternativas. Mesmo num contexto menos competitivo em relação às ligas europeias e apostar em Tiquinho, Marcos Leonardo e outros.
Mas a história recente do nosso futebol também traz mais um detalhe importante. Paulo Vinícius Coelho cita no livro “Escola Brasileira de Futebol” o elogio de Zagallo às atuações da dupla de ataque formada por Bebeto e Romário em entrevista concedida ao jornalista Mário Magalhães, da Folha de São Paulo, publicada na manhã do dia da grande final da Copa de 1994: “Não gosto de falar em nomes, mas os dois PONTAS DE LANÇA, Bebeto e Romário, foram fundamentais“. Zagallo tratava a maior dupla de ataque que este já viu como pontas de lança. E isso diz muita coisa.
A expressão usada pelo Velho Lobo era usada para falar daquele jogador que atuava mais próximo do centroavante. E pelo que se viu na campanha do tetracampeonato mundial, Romário e Bebeto se movimentavam constantemente e abriam espaços um para o outro. Quem era o centroavante? Nenhum dele? Os dois? Fato é que temos sim uma cultura de duplas de ataque no nosso futebol, de jogadores que se completam e que buscam o espaço vazio. Foi assim com Ronaldo, com Romário, com Bebeto, com Careca e com Roberto Dinamite. Camisas nove que se comportam como camisas dez.
Curiosamente, temos vários jogadores da atual geração que se comportam dessa maneira. Uns mais de força, outros mais de habilidade. Uns que rendem jogando da diagonal para dentro e outros até mesmo como pontas. Falta mesmo é a paciência para encontrar a formação ideal ou assumir que os nossos camisas nove serão mais preparadores de jogadas do que goleadores. O futebol é dinâmico e mudanças como essas são perfeitamente normais. Ainda mais quando estamos no meio de um processo de implementação de um novo estilo de jogo. E lembrem-se de que Fernando Diniz já implementou a dupla de ataque no Fluminense com John Kenedy jogando ao lado de Germán Cano. Pode ser uma saída interessante.
Fato é que temos sim farto material humano. O que nos falta paciência e uma boa dose de humildade para ver que nossos adversários também melhoraram seu jogo. A chamada “crise dos centroavantes” só será solucionada compreendendo que tempo ainda é o ingrediente fundamental para se fazer uma seleção vencedora, competitiva e goleadora.