Conquista da Copa do Brasil pelo São Paulo é marcada pela incrível redenção de Dorival Júnior; confira a análise
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira explica como o Tricolor Paulista conseguiu segurar o ímpeto do Flamengo de Jorge Sampaoli
Dorival Silvestre Júnior. Talvez não exista melhor maneira de explicar o significado da conquista a Copa do Brasil pelo São Paulo sem mencionar toda a redenção do treinador agora tricampeão da Copa do Brasil. De “descartável” num Flamengo tomado pela empáfia e arrogância dos seus dirigentes, o treinador de 61 anos foi talvez o grande nome do título inédito do Tricolor Paulista com uma aula de estratégia e de conceitos táticos. A forma como fez sua equipe jogar diante de um adversário muito mais qualificado individualmente (mais inferior coletivamente) é a grande imagem que fica dessa Copa do Brasil, talvez uma das mais emocionantes dos últimos anos por conta de todo o contexto.
Este colunista não afirma isso “apenas” pelo resultado final. É lógico que ele conta muito (e talvez seja o mais importante no final das contas). Mas a questão aqui é entender como e por que determinada equipe venceu ou perdeu. E essa é a grande lição que fica para a diretoria do Flamengo. Ninguém lá dentro parece ter compreendido como as conquistas de 2019 a 2022 chegaram e porque o time não rendeu o esperado mesmo tendo um elenco superior a quase todas as outras equipes da América do Sul. Futebol é feito através de processos e não na base da arrogância.
Essa parece ter sido a grande lição deixada pelo São Paulo e (principalmente) Dorival Júnior. Por mais que o treinador estivesse abalado por conta da forma como saiu do Flamengo, ele não se deixou contaminar por um desejo de vingança. Apenas trabalhou e fez aquilo que sabe fazer de melhor: montou uma equipe altamente competitiva e que entendia suas limitações. Se o jogo no Maracanã foi marcado por um Tricolor Paulista muito mais intenso nas transições, o que se viu neste domingo (24) foi uma postura mais cautelosa e mais ponderada. Fácil de compreender.
Dorival Júnior manteve a mesma equipe que entrou em campo no jogo de ida da final da Copa do Brasil. Um 4-2-3-1 que trazia Alisson como volante, Rafinha mais preso para que Caio Paulista pudesse avançar pela esquerda, Lucas Moura jogando com liberdade por dentro e Wellington Rato e Rodrigo Nestor pelos lados do campo. Do outro lado da decisão, Jorge Sampaoli apostou num 4-4-2 mais nítido, com Gerson e Bruno Henrique abertos, Thiago Maia e Pulgar por dentro e Arrascaeta próximo de Pedro. Não era raro ver Wesley avançando bastante e buscando as combinações com Gerson às costas de Beraldo e Caio Paulista. De qualquer maneira, era um Fla muito mais equilibrado do que no jogo de ida.
Já era de se esperar que o Flamengo fosse tomar a iniciativa da partida. E um ponto que funcionou bastante nesse primeiro tempo foram as chegadas de Gerson saindo da direita e abrindo o corredor para as descidas de Wesley. Com isso, Caio Paulista e Rodrigo Nestor não tiveram o mesmo espaço que tiveram para jogar. Além disso, o São Paulo sofreu para sair do seu campo nos primeiros vinte minutos. Após a parada técnica, no entanto, o time comandado por Dorival Júnior parece ter encontrado saídas para chegar no ataque, mas se mostrava bem desconfortável quando o Flamengo acelerava e aproximava seu quarteto ofensivo. Era nesse momento que as fragilidades do São Paulo apareciam.
Notem que o Fla caiu de produção depois dos vinte minutos e quando o São Paulo passou a explorar mais os lados do campo com as descidas de Caio Paulista e Wellington Rato pra cima de Wesley e Ayrton Lucas. O gol de Bruno Henrique, no entanto, saiu quando o Tricolor Paulista estava melhor e numa das poucas jogadas acertadas pelo lado direito de ataque. Aliás, é difícil até agora entender como o Fla explorou tão pouco um dos pontos fracos do seu adversário no Morumbi. Faltou leitura de jogo e talvez um pouco mais de ousadia de quem estava no banco de reservas.
É verdade que o São Paulo se abateu um pouco com o gol. Isso até Rodrigo Nestor acertar um belo chute de fora da área no canto esquerdo de Rossi e igualar o marcador. O gol foi importante não somente pelo resultado que daria o título inédito, mas pelo alívio que trouxe para os jogadores tricolores antes do intervalo e pelo enorme balde d’água fria no Flamengo. Dessa forma, Dorival Júnior teve tempo para acertar o time e expor ainda mais os problemas táticos do time comandado por Jorge Sampaoli num segundo tempo mais protocolar do que qualquer outra coisa.
O que se viu nos quarenta e cinco minutos finais foi um jogo onde o Flamengo tentou de todas as formas chegar ao segundo gol, mas sem sucesso. Faltava capricho nas finalizações e calma para escolher a melhor decisão. Além disso, Gerson e Arrascaeta sentiram e precisaram ser substituídos e o escrete rubro-negro caiu demais de produção com a saída dos dois. Do outro lado, Dorival Júnior ia apenas descansando seus jogadores sem mexer na formação inicial explorando a péssima recomposição defensiva do seu adversário. Numa delas, Lucas Moura fez grande jogada por dentro e deixou Luciano frente à frente com Rossi, mas Luiz Araújo atrapalhou o camisa 10. Resultado justo no Morumbi.
A redenção de Dorival Júnior ficou completa quando Bráulio da Silva Machado assinalou o final da partida no Morumbi. Era o título que faltava ao São Paulo e o “tapa com luva de pelica” que a diretoria do Flamengo tanto procurou em 2023. Não é exagero nenhum afirmar que o Tricolor Paulista conquistou a Copa do Brasil superando um adversário mais qualificado individualmente na base do jogo coletivo e da estratégia. Ao invés de grife, muito trabalho e muita seriedade. Ao invés de bravatas, o silêncio de quem precisava encontrar soluções. E ao invés de mordidas na virilha (entendedores entenderão), a mordida na medalha de campeão. Mais uma história que será contada por muito tempo pelo torcedor.
O futebol é mágico e todos nós sabemos bem disso. E a Copa do Brasil de 2023 deixa aquelas lições batidas e que todo mundo conhece, mas que ninguém ainda teve a paciência e a humildade de aprender. Dorival Júnior pode não ser o melhor treiandor do planeta, não ter a “grife” de um Vítor Pereira ou de um Jorge Sampaoli. Mas é altamente qualificado e monta equipes altamente competitivas. Aliás, ninguém monta dois times campeões em tão pouco tempo assim. Mais do que qualquer um ali, Dorival Júnior merece os nossos aplausos.