Relembre a antiga entrevista de Ary Borges, uma das estrelas da Copa do Mundo Feminina
Resgatamos uma entrevista da braba quando ela era adolescente; veja o que ela falou
Resgatamos uma entrevista da braba quando ela era adolescente; veja o que ela falou
Hoje, a seleção brasileira feminina derrotou o Panamá por 4×0 na estreia da Copa do Mundo. Com isso, a seleção brasileira está liderando o Grupo F, com 3 pontos, enquanto França e Jamaica estão empatadas com 1 ponto. O destaque do jogo foi a jovem meia-atacante Ary Borges, que tem 23 anos e também pode jogar na ponta. Nascida em São Luis-MA, a habilidosa jogadora iniciou sua carreira em 2015, no clube Centro Olímpico, do estado de São Paulo.
Trajetória de Ary Borges
Ariadina Alves Borges nasceu em 28 de dezembro de 1999, em São Luis-MA. Como foi dito anteriormente, ela iniciou sua carreira em 2015, nas categorias de base do Centro Olímpico. Já como jogadora profissional, passou pelo Sport Recife (2017-18), São Paulo FC (2019), Palmeiras (2020-22) e Racing Louisville-EUA, clube que defende atualmente.
Aliás, Ary Borges teve uma excelente passagem pelo Palmeiras, onde jogou 84 jogos e marcou 36 gols. Nesse meio tempo, ela conquistou a Libertadores de 2022, o que gerou sua transferência para os Estados Unidos.
Entrevista concedida na adolescência
Nas próximas linhas, você verá uma das primeiras entrevistas concedidas por Ary Borges, no ano de 2015. Na época, ela tinha acabado de iniciar sua trajetória no Centro Olímpico, clube que a lançou profissionalmente. Durante a conversa, a então adolescente de 15 anos falou sobre questões como estrutura e salários do futebol feminino, sonho de ganhar títulos com a seleção e até mesmo sobre religião e sexualidade. Confira!
Torcedores.com: Ary, como você chegou ao Centro Olímpico? Você fez o teste sozinha ou teve algum empresário para te ajudar?
Ary Borges: Eu descobri este clube através do meu pai (Sr. Dino Claudio Almeida Borges, que cuida da carreira de Ariadina). Ele trabalhava na Vila Mariana, perto do Centro Olímpico, observou algumas meninas com uniformes de futebol, ficou interessado e resolveu me trazer para fazer o teste. Quando viemos aqui (no Centro Olímpico), não era dia de peneira, mas nós vimos o campo, conversamos com aquele que viria a ser o meu treinador e ele me informou sobre como era o procedimento para jogar aqui.
T: Quais as dificuldades que você enfrenta, sabendo que o futebol feminino não é bem tratado no Brasil?
AB: A primeira dificuldade é na parte financeira, já que o futebol feminino não recebe nem 10% da estrutura que o futebol masculino tem. Por exemplo, a gente treina em campo sintético e os meninos da nossa idade treinam na grama natural (Obs.: Aos deslizar na grama sintética para dar um “carrinho”, por exemplo, a jogadora fica cheia de hematomas e com a pele muito ralada, já na grama natural isso não acontece),eles tem um alojamento e uma boa alimentação, coisa que as mulheres não têm nem aqui no Centro Olímpico, que é um dos melhores clubes do estado de São Paulo.
T: Você ainda está na categoria de base. O seu sonho é mesmo ser uma jogadora profissional? Se for, está sentindo muitas dificuldades para transformar isso em realidade?
AB: Sim, este é o meu sonho e tenho certeza que eu vou conseguir. Sobre as dificuldades, graças a Deus, não estou tendo nenhuma. Acho que estou no caminho e no lugar certo, fazendo tudo da maneira correta para me tornar jogadora de futebol profissional.
T: Você já disputou alguma partida com o time profissional?
AB: Ainda não estou nessa fase, no Centro Olímpico eles pensam muito em não colocar a carruagem na frente do cavalo (sic), entendeu? Se eu estou no sub 17 é porque ainda tenho muita coisa para aprender e isso é melhor do que subir (para o profissional) precocemente. Estou bem aqui (no sub-17) e no momento certo eu vou chegar lá.
T: Você já recebeu alguma sondagem de um time estrangeiro ou mesmo de algum time de outros estados do Brasil?
AB: A única que chegou foi de uma faculdade nos EUA para eu jogar e estudar lá, mas eles apenas conversaram com os meus pais, não foi nada demais.
T: Você pretende jogar fora do Brasil algum dia?
AB: Pretendo. No Brasil o futebol feminino não é tão valorizado e lá fora o investimento e o respeito que eles têm pela modalidade é bem maior. Os melhores times estão no EUA, mas se eu for para a Europa, um bom time onde eu gostaria de jogar é o PSG (Paris Saint Germain), ou talvez em algum clube da Suíça.
T: Como jogadora da base, é complicado lidar com as lesões?
AB: Quando você é muito nova, seu psicológico é o que mais pesa, mas eu não sou muito de me abalar com isso. A primeira coisa que eu penso é em me recuperar logo e poder voltar aos campos o mais rápido possível. O que você precisa muito é do apoio do seu técnico e de seus familiares, todas as vezes que eu me machuquei tive essa ajuda e consegui me recuperar.
T: Qual foi a lesão mais grave que você já teve?
AB: A lesão mais difícil que eu tive foi quando eu quebrei o braço (esse fato aconteceu em maio de 2013 durante um treino no Centro Olímpico) e fui cortada da minha primeira convocação para a seleção brasileira (primeira convocação sub 15 da história do futebol feminino), foram dias difíceis e isso afetou bastante o meu psicológico, mas com o apoio da minha família eu consegui voltar aos treinamentos e lutar pelo meu sonho.
T: Qual a importância da sua família em sua vida, como eles te orientam nessa questão do deslumbramento?
AB: Eu posso agradecer a Deus pela minha família me apoiar, já começa pelo fato do meu pai ter me trazido aqui. Um dia ele me viu brincando na rua uma vez e percebeu que eu sabia jogar, desde então sempre me auxiliou em tudo e quase todos os fins de semana vem assistir aos jogos do meu time e minha mãe também sempre me incentivou, nunca teve aquela coisa de “ah, queria que a minha filha fizesse balé”, sempre me disseram que se esse era o meu sonho, então estariam comigo.
T: Ariadina, você é evangélica. Como que essa questão da fé te ajuda ao entrar no gramado, você acha que pedir a proteção de Deus é importante?
AB: Sobre essa questão de religião, cada um tem a sua crença. Para mim, Deus é a base de tudo, então todo dia eu agradeço a ele pelo que tenho. Antes dos jogos sempre peço que o Senhor proteja todas as jogadoras, para que nenhuma se machuque, depois peço para ganhar a partida (risos).
Torcedores.com: As mulheres sofrem muito com o preconceito no futebol, já que muitas jogadoras são taxadas como lésbicas devido a profissão que escolheram. Você já sofreu algum tipo de preconceito? Como você lida com isso?
Ariadina Borges: Não, nunca passei por nenhuma situação constrangedora nesse sentido. Essas coisas são extracampo e mancham demais o futebol feminino. Muitas pessoas julgam a modalidade por isso e não percebem que nem todas as meninas são lésbicas, cada um tem sua preferência sexual. As pessoas deveriam conhecer melhor o futebol feminino antes de julgar e mesmo que todas as jogadoras fossem homossexuais, é apenas uma opção escolhida por elas.
T: Bem, agora vamos falar sobre o racismo. Você, que é uma jogadora negra, já sofreu com isso, já aconteceu de alguém te ofender como aconteceu com o goleiro Aranha [jogo válido pelas oitavas da Copa do Brasil de 2014, quando dentro da Arena do Grêmio, o então jogador do Santos foi chamado de macaco por vários torcedores que estavam nas arquibancadas do estádio gaúcho e resolveu avisar o árbitro e pedir para a imprensa filmar tudo o que estava acontecendo], por exemplo?
AB: Não, nunca passei por isso. As minhas colegas de time me chamam de pretinha, mas é com carinho, dá para ver que não tem nada a ver com nenhuma questão racista. Mesmo se acontecer, eu faço que nem o Daniel Alves, quando jogaram uma banana nele, ele simplesmente comeu e continuou jogando [jogo Villareal x Barcelona, válido pela Liga da Espanha de 2014, quando uma banana voou da arquibancada do Villareal em direção a Dani Alves no momento que ele foi cobrar um escanteio, sendo considerado o oitavo caso de racismo nos gramados espanhóis naquela temporada]. Isso tem muito a ver com o psicológico do jogador, ele tem que saber lidar com essas dificuldades, ou seja, “bola pra frente”.
T: Então você não agiria como o Aranha (pedir para o árbitro tomar alguma providência), nem abandonaria o campo como o (ex-lateral esquerdo) Roberto Carlos? [jogo Anzhi Makhachkala x Krylia Sovetov, válido pelo Campeonato Russo de 2011, quando o então lateral-esquerdo do Anzhi foi vítima de uma banana atirada no gramado, indignado, decidiu abandonar o campo].
AB: Do jeito que eles foram ofendidos, talvez eu tomasse a mesma decisão que o Roberto Carlos, de não querer jogar mais e abandonar o campo. Racismo é uma coisa que primeiramente não deveria acontecer, e quando você é xingado por uma coisa tão fútil, você realmente perde a paciência e acaba fazendo coisas que não queria fazer.
T: Mudando de assunto, falaremos sobre disciplina e comprometimento. Você uma atleta comprometida com seus treinamentos ou você é daquelas que não se esforçam e nem se preocupam tanto com isso?
AB: Já passei dessa época. Quando eu era mais nova, devido às dificuldades, eu não sabia se era isso (jogar futebol) o que eu queria, pois independente da situação, estamos sempre aqui correndo e treinando, faça sol, faça chuva. Agora que estou mais velha, percebo que não é apenas uma questão de ser uma jogadora de futebol, isso qualquer uma pode ser, mas ser uma boa atleta e viver a sua profissão é totalmente diferente.
T: A zagueira/meia Érika [campeã Pan americana em julho com a seleção brasileira em Toronto, atualmente jogadora do PSG] jogou no Centro Olímpico e você a conheceu pessoalmente. Como é essa convivência com as jogadoras profissionais, elas costumam orientar ou aconselhar vocês?
AB: Têm algumas com quem a gente tem mais afinidade, mas é muito difícil encontrá-las, pois treinamos em dias diferentes. Mas sempre que nos vemos elas falam para persistirmos nessa caminhada, pois um dia alcançaremos os nossos objetivos.
T: Você soube do caso da jogadora de futsal Monique, que tomou um chute no pescoço após executar vários dribles na quadra [jogo Montenegro 8×1 Veneza, válido pela semifinal do campeonato acreano de futsal de 2015, quando a atleta Monique, do Montenegro, foi derrubada e depois chutada no pescoço pela ala adversária Leandra, após lhe dar um “chapéu” e sorrir caída no chão]. Você já foi agredida após demonstrar sua habilidade em campo?
AB: Eu vi o vídeo, o time dela estava ganhando o jogo. Como eu jogo no ataque, já aconteceu várias vezes de eu apanhar. Levei uma pisada na minha mão enquanto estava caída, já puxaram meu cabelo dentro da área, por isso que eu sempre o deixo preso quando estou jogando. Outras coisas que costumam acontecer em campo são socos e beliscões, mas tudo isso que ser deixado de lado para que se possa seguir no jogo.
T: Agora falaremos sobre a questão financeira. Muitas jogadoras não têm emprego e quando têm, não recebem um salário tão alto. Como funciona para vocês do sub 17, há uma situação financeira estável para as jogadoras do Centro Olímpico?
AB: A gente não recebe nada, jogamos por amor e porque temos a esperança de realizarmos um sonho. Recebem salário apenas as jogadoras do time profissional e do sub 20. Essa é uma das dificuldades do futebol feminino, todo mundo sabe que os clubes não têm dinheiro para nos pagar, a situação financeira é o que mais pesa nesse meio. O que a gente recebe é o bilhete único e a alimentação.
T: Você tem o sonho de disputar uma olimpíada em sua carreira, é muito improvável que dispute a de 2016, pois é muito jovem. Acha que tem possibilidade de disputar a de 2020 ou ainda é muito difícil?
AB: No futebol masculino, a Copa do Mundo é o torneio mais importante, já no feminino eles não dão tanto valor, pois não tem nenhum título, ou seja, na nossa modalidade as olimpíadas são o sonho de qualquer atleta. Ano que vem não tem possibilidades porque eu sou muito nova, mas eu sonho em disputar as olimpíadas, são coisas que você vai conquistando em sua carreira. Mas eu não quero só jogar, até porque muitas já jogaram, o meu sonho é carregar uma medalha no peito, de preferência a dourada.
T: A temporada do futebol feminino brasileiro é muito curta, o campeonato estadual e o brasileiro somados duram um pouco mais de quatro meses. Ariadina, qual a sua visão sobre isso?
AB: O primeiro fator que causa isso é a falta de times, há pouquíssimos clubes que investem no futebol feminino. Por exemplo, o (feminino) do São Paulo vai acabar [no dia 19 de agosto, o time feminino do São Paulo Futebol Clube declarou ao UOL e ao jornal Diário de São Paulo que encerraria suas atividades após a final do Paulistão 2015, alegando falta de verbas]. Os clubes que se destacam são apenas o Centro Olímpico, o São José (SP), o Foz (Cataratas/PR) e o Kindermann (SC). As pessoas que organizam o futebol feminino não têm o interesse de fazer com que ele cresça como fazem com o masculino. Não há interesse em criar competições e a gente acaba tendo que se virar, pois temos que jogar e ganhar as partidas do mesmo jeito.
T: Você tem esperança que um dia o futebol feminino vai ser forte?
AB: Eu tenho. Acredito que um dia tudo vai se resolver e as coisas vão melhorar para a gente, só o que nos resta é acreditar e fazer o que puder para que o futebol feminino cresça em geral, não apenas o clube em que eu jogo. Tenho certeza que este esporte ainda vai dar bons frutos para o Brasil.