Seleção feminina tem ótima atuação coletiva contra a Inglaterra e sepulta a falácia da “terra arrasada”
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a estratégia adotada pela técnica Pia Sundhage na Finalíssima
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a estratégia adotada pela técnica Pia Sundhage na Finalíssima
É interessante parar um pouco de vez em quando e notar como o discurso em torno de uma determinada equipe é construída. Vários colegas de imprensa assumiram o papel de “profetas do Apocalipse” nesses últimos dias e adotaram o discurso de que a Seleção Feminina não tinha padrão de jogo e que o trabalho de Pia Sundhage não tinha futuro. O que se viu nesta quinta-feira (6) foi exatamente o contrário. O Brasil teve problemas, mas mostrou alternativas táticas e competiu no mais alto nível contra a Inglaterra na disputa da Finalíssima. Apesar das Lionesses terem sido mais felizes nas penalidades, o jogo em Wembley nos mostrou que o papo de “terra arrasada” não tem mais espaço na Seleção Feminina.
Este que escreve não tem medo de soar repetitivo ao bater na tecla de que o contexto precisa ser levado em consideração em toda e qualquer análise tática. É preciso lembrar que Pia Sundhage tinha que lidar com quase um time inteiro de desfalques por lesão e encontrar a estratégia perfeita para enfrentar uma das grandes favoritas ao título da Copa do Mundo Feminina. E isso tudo com várias jogadoras jovens no elenco. Ao contrário do que muita gente pensa, o Brasil não está no mesmo patamar de Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha por uma série de motivos. O principal deles é um dos assuntos mais debatidos por Pia Sundhage: a diferença nos embates físicos.
Todos esses fatores ajudam a explicar a escolha pelo 5-3-2 no primeiro tempo. Lauren, Kathellen e Rafaelle formaram o trio de zagueiras, Antônia e Tamires fechavam a linha de cinco pelos lados e Luana entrou no meio-campo junto de Ary Borges e Kerolin. Mais à frente, Bia Zaneratto e Geyse tentavam explorar as costas da última linha de defesa adversária. Como era de se esperar, a Seleção Feminina encontrou muita dificuldade para ficar com a bola e encaixar os contra-ataques. O gol marcado por Ella Toone aos 22 minutos do primeiro tempo mostrou que a Seleção Feminina precisava de ajustes. Principalmente na cobertura defensiva da linha de cinco defensoras.
A impressão que ficava era a de que o Brasil estava guardando fôlego ou tentando fazer uma “redução de dano” contra um adversário claramente mais qualificado. Não foi por acaso que a goleira Lelê foi uma das melhores da equipe canarinho na primeira etapa com pelo menos três grandes defesas. Na volta do intervalo, no entanto, Pia Sundhage abandonou o 5-3-2 e voltou ao 4-4-2 com as entradas de Andressa Alves e Adriana nos lugares de Lauren e Bia Zaneratto respectivamente. A Seleção Feminina ganhou mais fôlego e passou a ocupar o campo de ataque com mais frequência. Além disso, o escrete comandado por Sarina Wiegman começou a encontrar muitas dificuldades para sair da forte pressão do Brasil na saída de bola.
Andressa Alves, Ary Borges, Kerolin e Geyse desperdiçaram grandes chances de empatar e até mesmo virar a partida no tempo normal. E para a “surpresa” de quem falou em “falta de padrão” e em “terra arrasada”, a Seleção Feminina mostrava intensidade, boas trocas de passe e muita desenvoltura e ousadia para bater de frente com a Inglaterra (lembrem-se: umas favoritas na Copa do Mundo). É verdade que os erros nas tomadas de decisão ainda são os maiores problemas da equipe comandada por Pia Sundhage. Mas a atuação da equipe na segunda etapa da Finalíssima superou DE LONGE a boa apresentação do Brasil no primeiro tempo da derrota para os Estados Unidos na She Believes Cup.
Falta ainda ao Brasil o poder de decisão que as principais seleções do planeta possuem. E isso ficou bem claro na partida desta quinta-feira (6). Sempre um toque a mais, sempre uma hesitação em tentar uma finalização a gol ainda que de média distância. No entanto, a diferença do desempenho dos dois tempos em Wembley não foi causada apenas pelas mudanças no desenho tático e nas substituições. Estava claro que Pia Sundhage havia guardado o melhor para o final. Com a “redução de dano” feita na segunda etapa, a treinador sueca deu tranquilidade e confiança para o time se soltar mais. E a boa atuação coletiva da Seleção Feminina se reflete nos números da Finalíssima.
Duda Francelino, Fê Palermo e Gabi Nunes também entraram no jogo e o Brasil seguiu pressionando a Inglaterra em busca do gol que levaria o título para a decisão por penalidades. Aos 47 minutos da segunda etapa, Geyse (importantíssima na pressão alta em cima da defesa adversária) briga pela bola e lança Adriana pela direita. A camisa 11 se livra da marcação e cruza na direção do gol. A goleira Mary Earps não segura e Andressa Alves (que já se deslocava no espaço vazio) apenas completa para as redes. Notem como o gol de empate da Seleção Feminina surgiu da troca de passes e da aproximação do quarteto ofensivo. Era o prêmio pela ótima atuação coletiva no segundo tempo em Wembley. Sem exagero nenhum.
Na disputa por pênaltis, Lelê comprovou a ótima fase e defendeu a cobrança de Ella Toone. No entanto, Mary Earps defendeu o chute de Tamires e Rafaelle acertou o travessão. Independente do que aconteceu na marca de cal, o resultado conquistado pela Seleção Feminina é gigante. A equipe comandada por Pia Sundhage teve a sua melhor atuação coletiva e produziu o suficiente para virar o jogo ainda no tempo normal. É lógico que o escrete canarinho ainda precisa de ajustes. Os inúmeros erros nas tomadas de decisão ainda comprometem demais o desempenho da equipe. Pia sabe muito bem disso. Mas ver o Brasil jogando e competindo contra uma das melhores seleções do planeta dá a certeza de que o trabalho está dando frutos.
É por isso que o discurso de “terra arrasada” defendido por uns e outros foi sepultado nesta quinta-feira (6). Há uma linha de pensamento clara sendo seguida na Seleção Feminina e o campo literalmente “gritou” isso para quem ainda duvidava. Este que escreve ainda não acredita numa campanha histórica na Copa do Mundo por conta de todas as dificuldades já levantadas por Pia Sundhage e sua comissão técnica. Mas a atuação diante da Inglaterra deixou uma ponta de esperança. Dá pra sonhar com voos mais altos sim.