O dia em que Messi despertou a Argentina e iniciou a caminhada rumo ao tricampeonato mundial
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira volta até a Copa América de 2019 e destaca a caminhada até o título da Copa do Mundo do Catar
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira volta até a Copa América de 2019 e destaca a caminhada até o título da Copa do Mundo do Catar
Sempre ouço de amigos e colegas de cobertura esportiva que o Brasil “ressuscitou” a Argentina de Lionel Messi com a derrota na final da Copa América de 2021 com o gol solitário marcado por Ángel Di María ainda na primeira etapa. No entanto, depois de ouvir, ler e rever muita coisa nesses últimos dias, este que escreve afirma que esse jogo apenas consolidou o processo de recuperação do escrete portenho no cenário mundial. O momento definitivo da virada aconteceu em outra partida contra a mesma Seleção Brasileira em outra edição da tradicionalíssima Copa América (também disputada aqui por estas bandas) dois anos antes da decisão disputada no Maracanã.
No dia 2 de julho de 2019, a Argentina entrava em campo contra o Brasil em jogo válido pelas semifinais do torneio continental. O time já era comandado (ainda que interinamente) por Lionel Scaloni e entrou em campo com vários jogadores que estariam na conquista da Copa do Mundo no Catar três anos depois. Messi, Di María, Paredes, De Paul, Lautaro Martínez, Otamendi, Acuña, Tagliafico e companhia jogaram numa espécie de 4-3-1-2 bem característico do futebol portenho, mas acabaram derrotados pela Seleção Brasileira por dois a zero (com gols de Gabriel Jesus e Roberto Firmino) num jogo que acabou marcado pela arbitragem confusa (e polêmica) do equatoriano Roddy Zambrano.
Você deve se lembrar que a Albiceleste vivia uma crise sem precedentes depois da campanha ruim no Mundial da Rússia. Contrariando muita gente, Claudio “Chiqui” Tapia (presidente da AFA, a Associação Argentina de Futebol) apostou todas as suas fichas no selecionado nacional com a compra de um centro de treinamento na Espanha para que todos os jogadores pudessem se reunir sob o comando de Lionel Scaloni. Apesar da derrota nas semifinais da Copa América de 2019, o trabalho do treinador foi defendido pelos principais jogadores e pelos dirigentes portenhos. Mas foram as críticas de Messi à organização do torneio sul-americano que ganharam as manchetes do jornais.
É interessante notar que todos aqueles que enxergavam Messi como um “estrangeiro” por nunca ter jogado no futebol argentino, passaram a vê-lo como o líder que a Albiceleste tanto precisava numa das maiores crises de sua história. Lionel Scaloni, por sua vez, foi efetivado no comando da equipe e encontrou a paz para seguir com o trabalho. Dois anos depois, no 10 de julho de 2021, a Argentina decidia o título da Copa América no Maracanã. Lembrem-se também de que o torneio quase não foi realizado por conta da pandemia do novo coronavírus e que foi o então presidente Jair Bolsonaro quem ofereceu o Brasil como sede da 47ª edição do tradicional torneio sul-americano.
Lionel Scaloni manteve suas ideias de jogo e apostou num 4-4-2 mais reativo para conter o volume de jogo da Seleção Brasileira. Com a bola, o mesmo 4-3-1-2 de dois anos antes que trazia Messi como “enganche”, Lautaro Martízez explorando o espaço entre Marquinhos e Thiago Silva e Di María voando pela direita às costas de Renan Lodi. Além do conhecido toque de bola argentino, os jogadores estavam autorizados a fazer ligações diretas quando necessário. Exatamente como o lançamento que De Paul fez para o camisa 11 no lance do único gol da partida. Notem como Lionel Scaloni já montava a sua Argentina de acordo com o adversário. Exatamente como fez no Catar.
Notem que o estilo de jogo baseado no adversário e as mudanças que eu e você vimos na Copa do Mundo do Catar já estava presente na Argentina desde o início de “La Scaloneta”. O time sempre teve uma maneira bem clara de jogo e sabia se adaptar ao adversário que tinha pela frente. Contra o Brasil de Tite, a Albiceleste apostou num 4-4-2 que isolava Neymar e Lucas Paquetá (os responsáveis pela criação) dos demais jogadores e mantinha Di María sempre pronto para receber o passe longo. Mais à frente, era Lautaro Martínez quem dava o combate no portador da bola (seja ele um zagueiro ou um volante) e Messi permanecia mais à frente para iniciar os contra-ataques.
Não foi somente a Copa América (e a quebra no jejum de 23 anos sem títulos) que “ressuscitou” a Argentina. Foi a crença no trabalho de Lionel Scaloni e a recuperação de uma unidade em torno da Albiceleste. Este que escreve não quer dizer que o mesmo deve ser feito aqui no Brasil (até porque o nosso futebol e a nossa seleção possuem necessidades diferentes das vividas pelo futebol portenho). Mas é preciso destacar que um treinador chegou à Copa do Mundo pela primeira vez desde 2002 na Argentina. A confiança no trabalho não se dava por achismos ou por mera exibição de números. A Albiceleste finalmente colhia os frutos do processo iniciado naquele dia 2 de julho de 2019.
Em junho de 2022, a Argentina levaria o título da “Finalíssima” ao amassar a Itália (atual campeã da Eurocopa) com categóricos e implacáveis três a zero no lendário Estádio de Wembley. Lionel Scaloni manteve a mesma formação e os mesmos princípios. Forte marcação (seja com linhas altas ou baixas), adaptação ao adversário e jogo concentrado em Messi. Na partida contra a Squadra Azzurra, a ideia foi pressionar a saída de bola por conta da lentidão de Chiellini e Bonucci com encaixes e perseguições mais curtas. O primeiro gol (marcado por Lautaro Martínez) foi resultado dessa pressão em cima de Jorginho, o principal organizador de jogadas da equipe de Roberto Mancini.
Tudo o que vimos nessa Copa do Mundo começou com aquela derrota para a Seleção Brasileira no dia 2 de julho de 2019. A aposta no projeto bem organizado (e ousado) de Claudio “Chiqui” Tapia e a explosão de Messi depois daquela Copa América foram determinantes para que a Argentina reconquistasse o mundo no final do ano passado. Ainda que muitos enxerguem a “ressurreição” da Albiceleste após a Copa América de 2021, todo o processo passou pelo seu momento mais determinante naquela partida no Mineirão. Não se trata de exaltar a receita de bolo, mas de entender que o trabalho de Lionel Scaloni vinha sim dando resultados dentro de campo. Aprender com a derrota é para poucos.