Temporada da seleção feminina reafirma necessidade de trabalho de reconstrução e renovação no time
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa as principais conquistas (e problemas) da equipe de Pia Sundhage no ano de 2022
O trabalho de Pia Sundhage à frente da Seleção Feminina divide opiniões não é de hoje. Há quem veja na treinadora sueca a chave para que a modalidade finalmente atinja o patamar que ela merece. E há aqueles que não consigam ver nada além de uma estrangeira que não ignora completamente a “essência do futebol brasileiro”. Deixando de lado os extremismos, os números da equipe no ano de 2022 comprovam que o trabalho de reconstrução e renovação no elenco brasileiro está sim dando frutos generosos. Não é por acaso que tem muita gente apostando alto numa boa participação do Brasil na Copa do Mundo Feminina de 2023 apesar de todas as dificuldades.
É óbvio que ainda existe muita coisa que precisa ser corrigida dentro e fora de campo. Nossos clubes (com raríssimas e meritórias exceções) ainda não oferecem projetos consistentes para suas equipes e muita gente ainda torce o nariz (em pleno ano de 2022) quando vê mulheres jogando futebol. Ao mesmo tempo, querer que Pia Sundhage estale os dedos e resolva todos os problemas que a modalidade enfrenta todos os dias aqui no Brasil chega a soar leviano, ingênuo e até mesmo desonesto. O trabalho da técnica sueca à frente da Seleção Feminina está longe da perfeição e merece críticas em alguns pontos sim. Mas o legado que está sendo deixado é altamente relevante.
O ano de 2022 não começou da melhor maneira para Pia Sundhage, visto que sua equipe só conquistou sua primeira vitória no quinto jogo da temporada (em amistoso realizado no mês de abril). Apesar dos resultados ruins, já era possível notar na Seleção Feminina a base da equipe que disputaria a Copa América da Colômbia no mês de julho. Principalmente no empate contra a Espanha de Alexia Putellas. Com Angelina e Ary Borges na proteção da zaga e um quarteto ofensivo bem móvel, a treinadora sueca parecia ter encontrado as jogadoras ideais para que seu 4-4-2/4-2-4 funcionasse da melhor maneira. O encaixe de Geyse no ataque também se mostrou promissor.
A base da Seleção Feminina estava pronta para a disputa da Copa América na Colômbia, principal competição da temporada. Ainda que a campanha da equipe de Pia Sundhage tenha sido perfeita quando se observa apenas os números, o time oscilou demais em determinadas partidas. Sempre que colocou a bola no chão e procurou as jogadas de ultrapassagem com Antônia e Tamires, o jogo do Brasil fluiu com certa facilidade. Aliás, um dos pontos mais batidos pela treinadora sueca durante as partidas era a calma nas tomadas de decisão. Mesmo com o título (e a conquista das vagas na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos), a Seleção Feminina fez uma Copa América abaixo do esperado.
Pia Sundhage já havia perdido Marta antes da Copa América e viu Angelina sofrer séria lesão no joelho na grande final contra a Colômbia. Sem duas das suas principais jogadoras, a treinadora sueca se viu obrigada a sair um pouco do seu seu 4-4-2/4-2-4 costumeiro e buscar outras formações. Antônia foi zagueira pela direita nas duas vitórias sobre a África do Sul (quando o Brasil jogou num 3-4-2-1 com Debinha, Adriana e Bia Zaneratto formando o quarteto ofensivo). Mas foi a chegada de Duda Sampaio que fez o time deslanchar e reencontrar o equilíbrio perdido. A sequência sem derrotas depois da Copa América tem muita influência dessa nova formação.
Com o destaque do Internacional no Brasileirão Feminino jogando na frente da zaga, Pia Sundhage conseguiu fazer com que a Seleção Feminina recuperasse a força na marcação sem perder a qualidade no passe. Na goleada sobre a Noruega (a melhor atuação coletiva do Brasil em 2022 na opinião deste que escreve), o escrete canarinho se organizou num 4-1-3-2 com Adriana e Geyse pelos lados, Ludmila e Bia Zaneratto mais à frente e Ary Borges pisando na área com mais frequência. Ainda que Antônia não tenha aparecido tanto no ataque, foi bom ver a Seleção Feminina criando jogadas, se movimentando e explorando os espaços da equipe adversária.
Notem que cada vez que a Seleção Feminina começa a engatar uma sequência de boas atuações, alguma coisa acontece com esta ou aquela jogadora. Primeiro foi com Luana, depois com Marta, depois com Angelina e agora com Duda Sampaio. Ainda que a lesão da jovem revelação não tenha sido tão grave, ela obrigou Pia Sundhage a mexer novamente na equipe. Desta vez, a treinadora sueca apostou no posicionamento de Kerolin ao lado de Ary Borges na “volância” e viu a jogadora do North Carolina Courage se sair muito bem na função. O posicionamento da equipe se manteve o mesmo (um 4-4-2 mais ortodoxo) que ganhou muita qualidade no passe com as duas jogadoras na frente da zaga.
Os críticos de Pia Sundhage afirmam que ela “não respeita a essência do futebol brasileiro” sem ao menos afirmar que essência é essa. Este que escreve tem suas críticas com relação a uma série de aspectos técnicos e táticos da Seleção Feminina. Mas é impossível afirmar que o trabalho é ruim. Muito pelo contrário! A renovação da equipe em determinadas posições tem dado ótimos resultados e o time demonstra capacidade de jogar em alto nível apesar da clara diferença no aspecto físico (um dos pontos mais discutidos e alertados por Pia Sundhage). Vale lembrar que o Brasil foi superado por Dinamarca e Suécia antes da Copa América por conta dessa “pequena” diferença.
Conforme mencionado anteriormente, o trabalho de Pia Sundhage está longe de ser perfeito. Por outro lado, o legado que está sendo deixado para os próximos ciclos da Seleção Feminina é imenso. Desde o intercâmbio com as equipes de base (principalmente a Sub-20) até a revelação de novas atletas, tudo que foi feito reafirma a necessidade de se continuar com a reconstrução e a renovação da equipe. Mesmo que algumas pessoas ainda insistam em analisar as coisas com o fígado ao invés da cabeça.