É óbvio que a eliminação para a Croácia ainda dói muito no coração do torcedor brasileiro. Não é por acaso que muita gente ainda procura entender o que aconteceu no fatídico dia 9 de dezembro com aquela que era considerada uma das principais favoritas na Copa do Mundo. Na prática, essa questão envolve fatores internos e externos. E nos atendo ao grande assunto do espaço aqui no TORCEDORES, há um ponto que tem sido pouco citado nas mesas de debate quando o assunto é tática. A Seleção Brasileira sente muito a falta de uma peça fundamental em campo e não é de hoje. Vários técnicos buscaram esse jogador nos últimos quatro ciclos, mas não o encontraram.
Estamos falando daquele volante que joga de área a área, o “camisa 8” que dá ritmo ao jogo. Alguém que faça aquilo que Dunga fez em 1994 com muita maestria. Marcação forte, visão de jogo e bom passe no meio-campo. No entanto, até mesmo o capitão do tetra não conseguiu encontrar “seu substituto” quando assumiu a Seleção Brasileira. Luiz Felipe Scaolari sentiu a falta desse atleta (de alguém que jogasse como Kleberson jogou em 2022). E os melhores momentos de Tite no escrete canarinho foram quando este jogador esteve em campo. Mais precisamente no início do ciclo para a Copa do Mundo de 2018, quando Renato Augusto exerceu esse papel no meio-campo brasileiro com muita qualidade.
Há quem fale que Tite abandonou seu jogo de aproximação e toques rápidos que vimos em 2016 e 2017 para adotar o jogo posicional em 2018 por receio das linhas de cinco defensores. Não deixa de ser uma verdade, mas o então técnico da Seleção Brasileira adaptou seu estilo de jogo e fez sua equipe engatar boas atuações antes da Copa do Mundo da Rússia contra a Croácia e a Alemanha. A lesão de Renato Augusto atrapalhou demais os planos de Tite. E não foi por acaso que o escrete canarinho fez uma das suas melhores atuações no segundo tempo contra a Bélgica. Justamente quando o camisa 8 teve novamente condições de jogo e se somou a Philippe Coutinho, Neymar, Firmino e companhia.
Notem que mesmo com um jogo mais “posicional”, o Brasil conseguia fazer triangulações. E muito se deve à presença de Renato Augusto no time. Não se quer aqui fazer um protesto contra a ausência do volante do Corinthians na Copa do Catar, mas apontar a falta que um jogador com as suas características fez nesses últimos dois ciclos na Seleção Brasileira. Alguém que consiga cadenciar e/ou acelerar quando necessário, que tenha qualidade no passe (seja ele curto ou longo), muita visão de jogo e que consiga segurar a onda na marcação dependendo da situação dentro de campo. É desse jogador que estamos falando.
Não é por acaso que Tite buscou em diversos jogadores esse “ritmista” do meio-campo brasileiro. O termo usado por ele é o mais apropriado possível. Alguém que dite o ritmo do time com e sem a bola e que identifique os momentos de acelerar ou diminuir a velocidade. Durante a Copa América de 2019, Tite apostou em Arthur (volante que explodiu no Grêmio e que havia sido negociado com o Barcelona). Ele até engatou atuações razoáveis, ajudou nas triangulações e no jogo de aproximação tão pedido por nós, mas não conseguiu ser aquele “ritmista” que o treinador procurava por uma série de fatores externos. Faltou cabeça e foco.
Vale destacar aqui que os melhores jogos da Seleção Brasileira nesse último ciclo têm relação direta com esse jogo de aproximação, de alguém que se desgarre da última linha para se somar ao ataque, dar opção de passe e fazer a chamada “dinâmica de terceiro homem”. Houve um momento em que Tite atendeu aos apelos de boa parte da imprensa (e que agora se cala sobre o assunto) e escalou Lucas Paquetá como volante. O jogador revelado pelo Flamengo se destacou no Lyon jogando desse jeito, mas num 4-3-3 e não num 4-2-3-1. A alternativa foi aproveitar Neymar como o camisa 10 de fato e de direito que Thomas Tuchel descobriu na sua passagem pelo Paris Saint-Germain.
A utilização do 3-2-5 com Danilo aparecendo ao lado de Casemiro e as infiltrações de Lucas Paquetá acabaram deixando o jogo mais concentrado em cima de Neymar. E novamente nosso camisa 10 ficou sobrecarregado na armação das jogadas. Por mais que houvessem as triangulações e que o jogo fluísse de um jeito ou de outro, estava claro que faltava o tal “camisa 8” que Fred e Lucas Paquetá não conseguiram ser por conta das circunstâncias. Bruno Guimarães deu a impressão de que poderia ser esse jogador, mas ainda não parecia pronto e nem ganhou tantas oportunidades assim com a amarelinha. E olha que ele merecia mais chances.
A formação usada nas Eliminatórias e nos amistosos antes da Copa do Mundo foi mantida nem tanto por falta desse jogador, mas porque ele era o que melhor funcionava diante das circunstâncias. Notem que o Brasil só rendia quando havia aproximação entre os jogadores no terço final e quando Lucas Paquetá ou Neymar se projetavam para ocupar as entrelinhas. Ambos se revezavam no papel de “ritmista” no meio-campo da Seleção Brasileira. E era assim que as principais jogadas do time surgiam, sempre com as infiltrações procurando os pontas Vinícius Júnior e Raphinha (ou Antony) e um jogo de mais velocidade por dentro.
É difícil afirmar se a presença desse jogador que dite o ritmo do meio-campo (como Modric faz na Croácia ou Enzo Fernández faz na Argentina) poderia ter evitado a eliminação do Brasil nessa Copa do Mundo. Fato é que Tite buscou esse jogador o tempo todo e teve que fazer suas adaptações. Felipão buscou um Kleberson e foi para o Mundial de 2014 com Luiz Gustavo e Paulinho. E Dunga buscou sempre por um jogador que jogasse como ele jogou em 1994. Há uma série de jovens que podem ocupar essa posição, mas todos eles precisam de rodagem na Seleção Brasileira. Essa será a principal missão do treinador que irá assumir o lugar de Tite a partir do ano que vem. Seja ele quem for.
E fica a reflexão. Se não temos esse e outros jogadores de qualidade para outras posições, será que ainda somos os melhores do mundo? Eu tendo a crer que não.