Luiz Ferreira analisa as ideias de Walid Regragui e Luís Enrique e a partida desta terça-feira (6) na coluna PAPO TÁTICO
A trajetória de Marrocos nessa Copa do Mundo de 2022 nos faz lembrar de outras seleções africanas que foram longe em Mundiais passados. O histórico Camarões em 1990, o alegre Senegal em 2002 e a valente Gana em 2010 também chegaram onde os “Leões do Atlas” chegaram com a vitória sobre a sempre forte Espanha nesta terça-feira (6), no Estádio Cidade da Educação. A vaga nas quartas de final foi conquistada com a já conhecida força do sistema defensivo do time comandado por Walid Regragui. Muita compactação para negar espaços para “La Furia” e velocidade para sair para os contra-ataques em altíssima velocidade. Saber se defender é um arte ainda pouquíssimo valorizada no futebol.
A filosofia de jogo bem conhecida dos espanhóis (o infame e bem difundido “tiki-taka”) esbarrou na boa marcação de Marrocos e também na falta de efetividade dos atacantes. Por mais que a defesa dos “Leões do Atlas” cumprisse bem sua função de anular Jordi Alba, Busquets e companhia, a Espanha falhou demais quando conseguia fazer a bola chegar perto da área adversária. Esse foi um dos grandes problemas da equipe de Luís Enrique, que manteve seu 4-3-3 usual com Llorente na lateral-direita, Dani Olmo e Ferran Torres pelas pontas e Asensio no comando de ataque.
Do outro lado, embora menosprezado por boa parte da imprensa que cobre a Copa do Mundo, Marrocos entrou em campo disposto a mostrar sua força. Já dissemos aqui neste espaço que o escrete comandado por Walid Regragui não ficou na primeira posição do seu grupo por mera obra do acaso. Com Amallah de volta ao time, o treinador dos “Leões do Atlas” montou o time no costumeiro 4-1-4-1 com Ambarat (talvez um dos grandes nomes do Mundial até o momento) entre as linhas e muita velocidade pelos lados com os habilidosos Ziyech e Boufal puxando os contra-ataques.
Por mais que tivessem a posse da bola, a Espanha só teve uma chance real de perigo no primeiro tempo. Jordi Alba achou Asensio nas costas da zaga marroquina, mas o camisa 10 acertou a rede pelo lado de fora. Era Marrocos quem levava vantagem nos duelos físicos e quem criava mais oportunidades sempre que conseguia vencer a pressão espanhola e levar a bola ao campo ofensivo. Os “Leões do Atlas” também incomodavam nas ligações diretas buscando a velocidade En-Nesyri, Ziyech e Boufal. Mas o grande trunfo da equipe de Walid Regragui era defesa. Tudo organizado e sincronizado para não permitir que a Espanha tivesse um mínimo de espaço na frente da área do ótimo goleiro Bono.
Busquets, Pedri e Gavi tentavam ocupar os poucos espaços que apareciam entre as linhas de Marrocos, mas um personagem fez toda a diferença na nossa história: o volante Amrabat. A atuação do camisa 4 dos “Leões do Atlas” deveria servir de modelo para todo jogador que quisesse entender como se protege uma linha defensiva. Botes certos, muita intensidade na cobertura dos volantes e uma ótima leitura do movimentos adversários para antecipar os ataques. Ounahi e Amallah também cumpriam bem seu papel e não davam espaço para Gavi e Pedri distribuírem passes.
Diante do cenário que a partida no Estádio Cidade da Educação apresentava, Luís Enrique fez alterações na sua equipe. Pedri e Gavi mudaram de lado e Jordi Alba ficou mais contido no apoio para qualificar o passe na saída de bola. A Espanha até conseguia levar a bola para o campo de ataque e explorar o cansaço do meio-campo marroquino nas perseguições, mas pecou demais nas tomadas de decisão e nas conclusões das jogadas. Dani Olmo, Morata (substituto de Asensio), Ferran Torres não tinham a agressividade no drible que a Espanha tanto precisava.
Soler e Nico Williams deram mais agressividade à Espanha, mas sem a efetividade necessária para abrir o placar. Do outro lado, Marrocos seguiu firme na marcação e levava muito perigo quando acelerava nos contra-ataques. Cheddira poderia ter fechado o confronto em duas oportunidades. Na primeira, parou em Unai Simón. E na segunda na própria hesitação. Já extenuados fisicamente, os “Leões do Atlas” conseguiram segurar o forte ataque adversário seguindo a mesma cartilha do técnico Walid Regragui. Muita compactação entrelinhas, concentração para fechar espaços e muita atenção nas investidas pelos lados do campo. Sarabia desperdiçou a grande chance do confronto no último minuto da prorrogação.
Acabou que o goleiro Bono brilhou e se transformou no grande herói da classificação inédita de Marrocos para as quartas de final da Copa do Mundo. O camisa 1 defendeu as cobranças de Soler e de Busquets e ainda viu Sarabia acertar a trave logo na primeira cobrança. Hakimi sacramentou a eliminação da Espanha com requintes de crueldade numa cavadinha que lembrou os grandes momentos de Loco Abreu (lembram de 2010?) e do tcheco Panenka. “La Furia” se deparava com a falta de efetividade tão criticada na imprensa e a ausência de jogadores com capacidade de chamar a responsabilidade no meio de tanos jovens. A equipe chegou no ataque, mas parou na ótima marcação de Marrocos e nas próprias limitações.
Marrocos faz história no Catar e chega nas quartas de final de uma Copa do Mundo pela primeira vez na história. Mas o grande mérito da equipe de Walid Regragui estava no sistema defensivo. Reconhecer que o adversário tem mais qualidade e apostar num estilo de jogo que pode comprometer sua atuação é para poucos. Os “Leões do Atlas” assumiram o risco e foram recompensados ao nos lembrar que se defender bem é um das artes mais menosprezadas do velho e rude esporte bretão.