O estilo único, genial e incomparável de Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira explica como Edson Arantes do Nascimento se transformou no "Rei do Futebol"
“Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e, mesmo, insolente, que precisamos. Sim, amigos: – aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os adversários uns pernas de pau. Por que perdemos, na Suíça, para a Hungria? Examinem a fotografia de um e outro time entrando em campo. Enquanto os húngaros erguem o rosto, olham duro, empinam o peito, nós baixamos a cabeça e quase babamos de humildade. Esse flagrante, por si só, antecipa e elucida a derrota. Com Pelé no time, e outros como ele, ninguém irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós.“
No dia 8 de março de 1958, poucos dias depois da vitória do Santos por 5 a 3 sobre o América-RJ em jogo válido pelo antigo Torneio Rio-São Paulo, o grande Nelson Rodrigues fez de Pelé o seu “Personagem da Semana” em crônica publicada na revista “Manchete Esportiva”. A exibição de gala daquele jovem de 17 anos (autor de quatro gols na partida) fez com que um dos maiores cronistas esportivos que esse país já viu desse a alcunha de “Rei” e o classificasse como imprescindível na Seleção Brasileira que disputaria (e venceria) a Copa do Mundo dali a poucos meses na Suécia. E só mesmo um gênio para reconhecer o poder quase divino daquele garoto chamado Edson Arantes do Nascimento.
Nelson Rodrigues, assim como todos os outros que viram Pelé em campo, sempre demonstraram um brilho nos olhos, algo que transcende toda e qualquer análise. Pelé já era diferente aos 17 anos e provou isso na Copa do Mundo daquele ano. Vestiu a camisa 10 como poucos e imortalizou a posição que ficaria conhecida como “ponta de lança”. Mas ele não se resumiu a isso. Não jogou contra a Áustria e a Inglaterra, mas virou titular contra a União Soviética e não saiu mais do time de Vicente Feola. Ao invés de se posicionar atrás do centroavante, Pelé não se mantinha preso a uma posição. Ele se transformou no sinônimo de futebol. Cada palmo de grama se transformava num latifúndio quando ele estava em campo.
Seu primeiro gol em Copas do Mundo, marcado contra País de Gales nas quartas de final da competição, já era uma boa amostra da sua genialidade incomparável. Estava mais do que claro que não estávamos falando de um ponta de lança comum, alguém que se limitava a permanecer atrás do centroavante. Taticamente falando, foi o primeiro a mostrar o que era jogar com intensidade (palavra ainda muito mal empregada hoje em dia) e buscar a ocupação dos espaços na defesa adversária. Tecnicamente, foi o protótipo do jogador de futebol ideal. Fundamentos perfeitos e uma força mental de dar inveja em muita gente. E isso sem falar na capacidade quase cósmica de fazer gols e criar lances de rara beleza.
Depois de País de Gales, Pelé fez três gols em cima da França nas semifinais e mais dois na Suécia, jogo que valeu o título da Copa do Mundo. Jogando ao lado de Garrincha, Vavá, Didi, Djalma Santos, Zito, Nilton Santos e outras feras, se transformou no “Rei” que reverenciamos hoje ao dar a movimentação que faltava ao 4-3-3 de Vicente Feola, formação inovadora que nascia naquele glorioso ano de 1958. Se Zagallo recuava pela esquerda, Pelé se adiantava ainda mais quase como um centroavante. O lance do gol de empate do Brasil na decisão contra a Suécia mostra bem como o camisa 10 chamava a atenção dos adversários e abria os espaços para a chegada dos seus companheiros de equipe.
Pelé fez apenas dois jogos na Copa do Mundo de 1962 (onde o 4-3-3 implementado por Vicente Feola ganhou ainda mais força com Aymoré Moreira) e teve participação mais discreta no Mundial da Inglaterra, quatro anos depois. Depois de um pequeno hiato, retonrou ao escrete canarinho em 1968 e jogou com boa parte do elenco que brilharia no México. Fez parte das “feras” de João Saldanha e completou o histórico time de 1970 como um maestro rege uma orquestra sinfônica. Após a goleada sobre a Tchecoslováquia na estreia, o mundo viu Pelé descomplicar um jogo duríssimo contra os ingleses atuando como o homem mais avançado do time de Zagallo numa formação até hoje moderna pra muita gente.
É possível afirmar que a Seleção Brasileira de 1970 se transformou na essência do que se convencionou chamar de “futebol-arte”. A movimentação era fluida e todos os jogadores pareciam estar em todos os lugares do campo. Se Jairzinho avançava por dentro, Pelé temporizava e esperava a bola no espaço vazio. Se Tostão partia pela esquerda como um ponta, o camisa 10 avançava para ocupar o espaço deixado mais à frente. Se a jogada ainda estava com Clodoaldo ou Gerson, Pelé recuava para ajudar na criação e na distribuição dos passes no meio-campo. Se o adversário estava com a posse, ele recuava junto com todo o time para organizar os contra-ataques (uma das marcas registradas do time comandado por Zagallo).
A grande final contra a Itália foi a comprovação definitiva da genialidade daquele time e da realeza de Pelé (tal como Nelson Rodrigues havia escrito). Todas as jogadas dos quatro gols da Seleção Brasileira são copiadas e analisadas até hoje. Principalmente a movimentação do nosso camisa 10. Como ele conseguia prever que onde os espaços apareceriam? Como ele sabia que o zagueiro adversário hesitaria no combate? Como ele calculava as passadas para chegar inteiro numa bola? O lance do gol de Carlos Alberto resume bem isso. De Clodoaldo para Rivellino e de Rivellino para Jairzinho. Tostão arrasta a zaga italiana e Pelé tem tempo suficiente para rolar a bola para o “Capita” estufar as redes de Dino Zoff.
Pelé nos deixou nesta quinta-feira (29), mas seu legado permanecerá intocável. Tudo que seu ídolo faz hoje, ele fez em algum momento cinquenta, sessenta anos atrás. E ele o fez em condições muito mais precárias do que vemos hoje em dia. Você pode até achar que o jogo era mais lento pela qualidade das imagens que temos disponíveis, mas esteja certo de que ninguém, ABSOLUTAMENTE NINGUÉM jogou mais bola nesse planeta do que Edson Arantes do Nascimento. Não é possível imaginar o que seria o velho e rude esporte bretão hoje se Pelé não tivesse nascido. Tudo vem dele. Pelé é a PERSONIFICAÇÃO DO FUTEBOL na sua essência. É a bola. O gol. O drible. A corrida. A pausa. É tudo isso e mais um pouco. Era o “Rei”.
Não importa o que acontecer no futuro. Não importa o que as pessoas (sejam elas jornalistas, técnicos, jogadores ou torcedores como eu e você) disseram daqui a alguns anos. Independente de tudo isso, Pelé é o maior jogador de futebol de todos os tempos. Para sempre e todo sempre, o “Rei”. E isso não está aberto para discussões.
FONTES DE PESQUISA:
RSSSF Brasil / Arquivo da Seleção Brasileira
Site oficial da FIFA
Site oficial da CBF
A Pirâmide Invertida, de Jonathan Wilson (Editora Grande Área)
Os 55 maiores jogos das Copas do Mundo, de Paulo Vinícius Coelho (Panda Books)
Escola Brasileira de Futebol, de Paulo Vinícius Coelho (Editora Objetiva)
As melhores Seleções Brasileiras de todos os tempos, de Milton Leite (Editora Contexto)