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Perda da invencibilidade da Seleção Feminina não pode nunca ser encarada como um desastre

Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira destaca as escolhas de Pia Sundhage na derrota para o Canadá na Vila Belmiro

Por Luiz Ferreira em 13/11/2022 15:52 - Atualizado há 11 meses

Thaís Magalhães / CBF

A Seleção Feminina defendia uma invencibilidade de dez jogos sem derrotas somando a campanha na Copa América, os dois amistosos contra a África do Sul e as partidas contra Noruega e Itália. Foram 34 gols marcados, apenas um sofrido e atuações que provam que a equipe de Pia Sundhage está ganhando corpo e muita consistência. Na última sexta-feira (11), no entanto, o discurso de “terra arrasada” e outras bobagens impublicáveis aqui neste espaço reapareceram com a derrota por 2 a 1 para o Canadá na Vila Belmiro. Longe de classificar a apresentação do Brasil como boa apesar do revés, é preciso observar algumas questões mais profundas e que merecem nossa atenção.

É lógico que ninguém gosta de perder e que todo mundo quer ver a Seleção Feminina ocupando o lugar que merece no cenário mundial. Só que é preciso observar que alguns processos precisam ser respeitados. Não existe nenhum “sequestro do futebol feminino” ou “desrespeito à essência da modalidade” como alguns defendem nas redes sociais e em alguns programas de TV. Este que escreve já criticou mais de uma vez algumas das escolhas de Pia Sundhage. Mas é preciso entender que há um trabalho importantíssimo sendo feito. E o resultado já pode ser visto em campo.

Falando do jogo em si, a treinadora sueca apostou no seu costumeiro 4-4-2/4-2-4 com uma formação altamente ofensiva. Bia Zaneratto e Adriana jogavam mais pelos lados, Debinha e Ludmila formavam a dupla de ataque e Kerolin se juntou à Ary Borges na “volância”. Quem esperava uma equipe descoordenada nos movimentos, viu uma Seleção Feminina que tentou se impor apesar dos seríssimos problemas de cobertura no lado direito de defesa. Não foram poucas as vezes em que Fê Palermo esteve sobrecarregada na marcação e viu Adriana observar o jogo de longe.

A Seleção Feminina sofreu com as investidas de Prince pela esquerda. Adriana pouco participou da marcação. Foto: Reprodução / SPORTV

Mas talvez a grande sacada tenha sido a entrada de Kerolin como volante. A camisa 10 foi importantíssima na saída de bola e mostrou desenvoltura interessante na construção das jogadas ao lado de Ary Borges. Até mesmo Bia Zaneratto (uma das jogadoras mais criticadas por este que escreve por conta da falta de jogo sem a bola) teve boa atuação jogando como uma espécie de “ponta-armadora” pelo lado esquerdo de ataque. E sempre que as jogadoras procuravam se aproximar umas das outras, o jogo de triagulação tão pedido por Pia Sundhage aparecia com certa facilidade. O problema, como de costume, estava nas tomadas de decisão erradas nos momentos chave da partida.

Kerolin e Ary Borges organizavam o jogo e a Seleção Feminina conseguia envolver a defesa canadense. Foto: Reprodução / SPORTV

Mas o ponto central aqui é entender que todo o trabalho de Pia Sundhage vem sim potencializando o talento de várias das nossas jogadoras. Lorena, Kerolin, Ary Borges, Debinha, Antônia, Tainara e várias outras entram nesse grupo. Por mais que o Canadá tenha feito dois gols em jogadas de bola parada e exposto a falta de cobertura defensiva da Seleção Feminina em determinados momentos, a atuação esteve longe de ser ruim. É obvio que a equipe precisa de ajustes, mas não se via nenhum “desastre” ou “desrespeito ao jogo” como se falou no dia.

Vale destacar também que Pia Sundhage poucas vezes teve todas as jogadoras de sua preferência à sua disposição. Angelina se lesionou seriamente na final da Copa América e Luana sofre para recuperar a forma. Duda Sampaio não está com a Seleção Feminina por razões médicas e as experientes Rafaelle e Marta seguem afastadas pelo mesmo motivo. Por mais que o entrosamento entre Kerolin e Debinha (companheiras de equipe no North Carolina Courage) tenha aparecido, vamos combinar que fica bem complicado montar e remontar o time desse jeito. É muito problema.

A exigência física da partida fez com que Pia Sundhage mexesse na Seleção Feminina no segundo tempo. O que se viu, no entanto, foi a queda de rendimento da equipe com a entrada de Duda Francelino no lugar de uma exausta Kerolin. Por mais que Geyse e Jaqueline tenham dado mais consistência ao jogo brasileiro pelos lados do campo, faltou a dinâmica que a camisa 10 deu na saída de bola no período em que esteve em campo. O Canadá (muito bem comandado por Bev Priestman) percebeu essa diminuição no ritmo e fechou ainda mais as linhas de passe quando o Brasil tinha a posse. Não foi por acaso que Antônia e as demais zagueiras tinham que apelar para os lançamentos longos.

O Canadá aproveitou a saída de Kerolin e fechou as linhas de passe para segurar a vitória na Vila Belmiro. Foto: Reprodução / SPORTV

Perder é chato. Mas é do jogo. E entender as lições que cada jogo traz consigo sem apelar para sentimentalismos ou discursos sem sentido é o primeiro passo para se compreender o que está sendo feito na Seleção Feminina. Há um trabalho em curso e um legado importantíssimo sendo deixado para o futuro. Este que escreve gostaria de ver na terça-feira (15) a entrada de Ana Vitória na frente da zaga com Kerolin e Ary Borges jogando logo atrás de Bia Zaneratto num 4-3-1-2 ou até mesmo num 4-3-3 que traga Debinha e Geyse entrando em diagonal. Pode ser uma solução para fechar mais o meio e não expor tanto a última linha como vimos na sexta-feira (11).

Certo é que não há nenhum desastre, sequestro ou desrespeito. O campo nos mostra que várias das atletas que passaram por Pia Sundhage estão crescendo de produção nos seus clubes e compreendendo melhor o que o futebol de hoje exige de cada uma delas. A Seleção Feminina pode não conquistar seu espaço agora. Mas está mais do que claro para este que escreve que o trabalho precisa continuar. Mesmo que algumas pessoas insistam em usar o fígado para analisar os jogos do Brasil.

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