Este que escreve já classificou a atual geração de jogadores de Portugal como uma das melhores da história do país. Possivelmente superior ao timaço comandado por Otto Glória, Eusébio e Coluna durante a conquista do terceiro lugar na Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra. No entanto, as campanhas ruins na Eurocopa e na edição de 2022/23 da Liga das Nações da UEFA ligaram o alerta na “seleção das Quinas” e o trabalho de Fernando Santos passou a ser bastante criticado por imprensa e torcedores. E para completar, a crise envolvendo Cristiano Ronaldo e o Manchester United tomou conta do noticiário esportivo às vésperas do Mundial do Catar.
A boa notícia é que, mesmo diante de tantos problemas, Portugal dá sinais de que pode passar por cima disso tudo. A goleada sobre a Nigéria na última quinta-feira (17) deixou boas impressões sobre o time e sobre uma possível dependência do futebol de CR7. Por mais que o único jogo amistoso do escrete das Quinas seja um recorte pequeno demais para se fazer análises mais profundas sobre possíveis mudanças no estilo de jogo, foi possível notar que o elenco não parece muito preocupado com o que os jornais estão noticiando. Fora isso, o time apresentou um futebol bastante envolvente.
Sem Cristiano Ronaldo (que não foi relacionado por conta de uma gastrite), Fernando Santos mandou Portugal a campo numa espécie de 4-3-3 com pequenas variações para um 4-3-2-1. André Silva assumiu o comando de ataque com Bernardo Silva e João Félix se movimentando bastante no espaço entrelinhas que a Nigéria deixava. Embora o sistema defensivo ficasse um pouco sobrecarregado com a falta de cobertura, o time se comportou bem dentro do contexto que a partida desta quinta-feira (17) apresentava. Bruno Fernandes jogou mais alinhado a William Carvalho e Otávio, mas não deixou de aparecer no ataque. Não foi por acaso que balançou as redes duas vezes.
Difícil não perceber nessa formação uma tentativa de adaptar o futebol de Cristiano Ronaldo num time repleto de talentos sem prejudicar tanto o coletivo. Mas a grande sacada de Fernando Santos foi dar liberdade para João Félix, talvez o mais talentoso dessa geração junto de Bernardo Silva. O camisa 11 se transformou no grande articulador de jogadas de Portugal e provou mais uma vez que o contexto no Atlético de Madrid vem prejudicando demais seu futebol. Difícil não perceber no jovem de 23 anos a chave para a fluidez tão procurada na equipe das Quinas.
A formação escolhida por Fernando Santos também permite que os jogadores troquem de posição com mais facilidade. Não foram poucas as vezes em que João Félix recuou até o meio-campo para iniciar as jogadas e explorou as jogadas de ultrapassagem com Diogo Dalot, Nuno Mendes, Bernardo Silva e Bruno Fernandes. Nesse aspecto, a mobilidade de André Silva também ajudou nesse processo ao arrastar a zaga adversária para abrir os espaços que seus companheiros de equipe precisavam para pisar na área. E mesmo diante da fragilidade da defesa da Nigéria, o que se via em campo era um time repleto de alternativas.
Fernando Santos promoveu uma série de mudanças na equipe no segundo tempo, mas não modificou a estrutura básica da sua equipe. A única diferença é que Portugal passou a jogar numa formação mais próxima de um 4-3-1-2 com João Félix ganhando ainda mais liberdade para circular por todo o campo por conta da cobertura de Vitinha e João Mário. A jogada do quarto e último gol da partida de quinta-feira (17) é uma boa amostra do que o camisa 11 pode fazer. O passe de Raphaël Guerreiro em profundidade às costas da defesa nigeriana e o passe para o meio da área foram qualquer coisa de cinema. Sem exageros de nenhuma parte.
É impossível pensar em Cristiano Ronaldo fora do time titular de Portugal mesmo na atual conjuntura. A não ser em caso de lesão. Com CR7 em campo, a tendência é que João Félix e Bernardo Silva tenham que compensar a perda na mobilidade ofensiva, já que as últimas partidas do craque português nos mostram que as arrancadas já não são mais as mesmas. No entanto, como abrir mão de um dos melhores da história e dono de uma das mentalidades mais fortes do futebol mundial? A boa notícia para a torcida lusitana é que sua seleção não depende tanto de Cristiano Ronaldo e possui jogadores talentosíssimos e com plenas condições de dividir o protagonismo.
Até a estreia na Copa do Mundo, a grande tarefa de Fernando Santos é blindar seu elenco das críticas e das polêmicas que chegam da imprensa. Ter Cristiano Ronaldo focado e disposto a fazer a diferença como sempre fez é um alento e tanto num Mundial que promete ser um dos mais equilibrados dos últimos tempos. E Portugal pode chegar longe se seu treinador mantiver a proposta de jogo que deu muito certo na quinta-feira (17).