Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira relembra as primeiras Academias e aponta os pontos comuns com o time de Abel Ferreira
Você já deve ter ouvido falar pelo menos alguma vez no termo “Academia” sempre que alguém fazia alguma referência aos times do Palmeiras nos anos 1960 e 1970. Essa alcunha ganhou espaço na imprensa esportiva brasileira daquele tempo por conta do futebol bem jogado e de extrema classe praticado pelo escrete alviverde naqueles tempos mais românticos do velho e rude esporte bretão. Equipes que contavam com nomes como Ademir da Guia, Dudu, Leão, Servílio, Djalma Santos, Leivinha, César Maluco, Julinho Botelho, Valdermar Carabina e outras grandes lendas. Passados mais de 50 anos, o torcedor alviverde ganhou mais uma “Academia” para chamar de sua e carregar no coração.
Após a conquista do Campeonato Brasileiro no início do mês de novembro, Ademir da Guia (simplesmente um dos maiores jogadores da história do Palmeiras) batizou o time comandado por Abel Ferreira de “Terceira Academia”. E o “Divino” é a pessoa mais certa para falar sobre o assunto, visto que ele esteve presente nas duas primeiras. A primeira surgiu em meados dos anos 1960 (quando foi a referência técnica do time comandado pelo argentino Filpo Núñez) e a segunda no início da década de 1970 (já sob o comando do lendário Oswaldo Brandão). Equipes que até hoje fazem parte do imaginário do torcedor palmeirense e do amante do velho e rude esporte bretão.
É interessante notar que é o próprio Ademir da Guia quem aponta semelhanças as três equipes históricas do Palmeiras. A primeira “Academia” começou a ser formada no início dos anos 1960, com a conquista da Taça Brasil (em 1960) e o vice da Libertadores (em 1961). O time ganhou força quando Filpo Núñez manteve Dudu como volante, recuou Servílio e liberou Ademir da Guia para encostar no trio ofensivo. A equipe era escalada no 4-2-4 comum da época, mas jogava num 4-3-3 envolvente e bastante móvel. A qualidade era tamanha que esse mesmo Palmeiras chegou a representar a Seleção Brasileira na vitória sobre o Uruguai por 3 a 0 em 1965, em amistoso disputado no Maracanã.
Além do posicionamento do trio de meio-campistas, o Palmeiras da “Primeira Academia” ainda contava com os experientes Djalma Santos (bicampeão mundial com a Seleção Brasileira) e Julinho Botelho (um dos maiores pontas da história e comparado a Mané Garrincha). A movimentação da equipe permitia, por exemplo, que Ademir da Guia recuasse para liberar Dudu para encostar no ataque e liberar Servílio para jogar como ponta de lança clássico. Na defesa, muita compactação e muita valorização da posse, características bastante modernas para a época.
Depois das passagens de Alfredo González, Mário Travaglini e Rubens Minelli, Oswaldo Brandão assumiu o Palmeiras no final de 1971. A “Segunda Academia” tinha início com o bicampeonato brasileiro (em 1972 e 1973) e um 4-2-4/4-3-3 de forte marcação e de muita velocidade nos contra-ataques. Nei e Edu buscavam a linha de fundo com cruzamentos para César Maluco e Leivinha definirem as jogadas. Mais atrás, Luís Pereira subia ao ataque e contava com a cobertura precisa de Dudu e Alfredo Mostarda. E no meio-campo, Ademir da Guia organizava tudo com a categoria de sempre.
Cinco décadas se passaram desde o final da “Segunda Academia”. Abel Ferreira assumiu o Palmeiras em 2020 e iniciou uma nova era no clube com um estilo que não agradou muito de início, mas que se mostrou altamente eficiente e que (como o próprio Ademir da Guia afirma) colocou o talento à serviço da equipe e da coletividade. É possível sim apontar destaques individuais. Weverton, Gustavo Gómez, Raphael Veiga, Marcos Rocha, Dudu, Gustavo Scarpa e outros mais experientes deram a chancela para que jovens como Danilo, Gabriel Verón, Gabriel Menino e Wesley pudessem ganhar protagonismo. E a conquista do Brasileirão de 2022 acabaria por consolidar a “Terceira Academia” do Palmeiras.
É óbvio que o time não foi o mesmo desde a chegada de Abel Ferreira em 2020. O treinador português sempre adaptou seus conceitos às características e às necessidades do time quando o campo pediu e é exatamente por isso que não é possível apontar uma formação preferida. O time que ganhou espaço na memória do torcedor palmeirense foi, sem sombra de dúvidas, o que venceu o Flamengo na final da Libertadores em 2021 e goleou o São Paulo na decisão do estadual em 2022. Nem mesmo a lesão do ótimo Raphael Veiga impediu que o Palmeiras continuasse soberano no Brasileirão.
Alias, foi nesse momento que Gustavo Scarpa assumiu o protagonismo e se transformou num dos melhores jogadores da temporada. Se Marcos Rocha sentiu o cansaço ou se Rony esteve fora por conta de lesões, Mayke entrava e tomava conta do lado direito como ponta ou lateral. E ainda temos a regularidade de um Piquerez pela esquerda e toda a dinâmica de Zé Rafael no meio-campo alviverde. Os títulos falam por si só. Mas este que escreve não deve ser o único que concorda em gênero, número e grau com Ademir da Guia. Esse time pode e deve ser chamado de “Terceira Academia”.
É evidente que a expectativa pela próxima temporada está na estratosfera. Até onde o Palmeiras pode chegar em 2023? O time vai ganhar novos reforços? E Abel Ferreira vai surpreender mais uma vez seus adversários com a estratégia da “cabeça fria e coração quente”? Seja como for, a tendência é que o Verdão permaneça brigando pelo topo e por ainda mais títulos no ano que vem. E a simples permanência do português no comando da equipe já é por si só um ganho enorme para a consolidação “Terceira Academia”. E talvez da quarta, da quinta, da sexta…