A vitória da Bélgica sobre o Canadá não deixa de ser uma surpresa quando se observa a diferença técnica entre duas seleções que se enfrentaram nesta quarta-feira (23), no estádio Ahmad Bin Ali. Surpresa mesmo (pelo menos para alguns mais distraídos) foi o futebol vibrante e intenso apresentado pela equipe de John Herdman (treinador de 47 anos que conquistou duas medalhas de bronze olímpicas com a equipe feminina em 2012 e 2016) e a má atuação dos comandados de Roberto Martínez. Não é difícil concluir que os “Diabos Vermelhos” tiveram mais sorte do que juízo e só se salvaram de um resultado pior por conta de mais uma grande apresentação do goleiro Courtois.
Quem esperava um Canadá mais fechado no seu campo e explorando os contra-ataques viu uma equipe que marcava alto e que tentava propor o jogo com toques rápidos e envolventes buscando o trio ofensivo formado por Buchanan, Jonathan David e Hoilett. Grande estrela dos “Vermelhos”, Alphonso Davies (jogador do Bayern de Munique) jogava como ala no 3-4-3/4-3-3 de John Herdman. A ideia era clara: tirar a sobra da linha de cinco defensores da Bélgica e explorar o espaço às costas do trio formado por Dendoncker, Alderweireld e Vertonghen.
Do outro lado, armados no 5-4-1/3-4-2-1 de Roberto Martínez (com Batshuayi substituindo o lesionado Lukaku e Hazard e De Bruyne mais soltos à frente dos volantes), os “Diabos Vermelhos” encontravam muitos problemas para conter o ímpeto de um Canadá empolgado e bem organizado nas suas investidas. Faltou ao escrete de John Herdman aproveitar melhor as chances criadas e transformá-las em gols. Coisa que Alphonso Davies não conseguiu fazer nem depois penalidade assinalada pela arbitragem após toque de mão de Carrasco dentro da área.
Notem que John Herdman apostou num 3-4-3/4-3-3 com algumas variações. No ataque, os jogadores se aproximavam uns dos outros de modo a criar superioridade numérica no setor onde está a bola. Isso fazia com que o Canadá jogasse com uma espécie de losango no meio com os três atacantes mais espetados em alguns momentos (exatamente como no frame acima). Esse posicionamento confundia a marcação de Witsel e Tielemans na proteção da zaga e abria buracos imensos na frente da área. Não foi por acaso que o grande nome da partida desta quarta-feira (23) foi o goleiro Courtois com pelo menos quatro boas defesas (incluindo a penalidade de Alphonso Davies).
No entanto, como diz aquele velho ditado do futebol (repetido à exaustão nas principais mesas de debate esportivo do planeta), a bola pune. E com vontade. Não demorou muito para que a Bélgica entendesse que o Canadá marcava com a linha mais alta e apresentava alguns problemas no controle da profundidade. Não era por acaso que De Bruyne e Hazard recuavam pelos lados para oferecer opção de passe e que os alas Castagne e Carrasco se lançavam como pontas. Alderweireld percebeu a movimentação de Batshuayi às costas do 4-3-3 que havia se formado na frente da área adversária e fez o lançamento. A zaga falhou e o camisa 23 abriu o placar aos 43 minutos.
Difícil não observar nesses pequenos detalhes e também na falta de efetividade do escrete canadense as principais razões para a vantagem belga no marcador. E o segundo tempo seguiu a mesma tônica dos 45 minutos. O Canadá tentava se impor na base da troca de passes rápida e dos cruzamentos para a área e a Bélgica explorava os contra-ataques em alta velocidade (e já melhor protegida com Meunier, Onana e Trossard em campo. Mesmo assim, o escrete comandado por John Herdman fez bom jogo e mostrou que não é tão fraco como muita gente pensava. A postura agressiva com a manutenção do 3-4-3 com um losango no meio e as trocas de passe foram mantidas. Faltou o gol.
Mesmo com os três pontos e o bom início na Copa do Mundo, ficou claro que a Bélgica terá que jogar muito mais se quiser ao menos repetir a campanha de 2018, quando ficou com o terceiro lugar. Está claro para este que escreve que todo o sistema tático de Roberto Martínez está voltado para os passes precisos de De Bruyne e as arrancadas de Lukaku e Eden Hazard. No entanto, para que isso funcione, todo o time precisa de mais mobilidade e mais intensidade nas trocas de passe. Principalmente quando o Canadá baixou um pouco o bloco e deixou a bola com os “Diabos Vermelhos”. Além disso, falta um pouco mais de consistência na marcação no meio-campo. E isso só pra começar.
Essa Copa do Mundo vem se transformando no retrato perfeito do que é o futebol hoje em dia. Muita briga pelo espaço e muita pressão em quem está com a bola. Seleções tidas como mais limitadas como o próprio Canadá surpreendendo com sistema de jogo sólidos e bem organizados e algumas equipes mais tradicionais encontrando dificuldades demais. Como a Bélgica de Roberto Martínez. Sem dúvida, o desafio será imenso para quem quiser assumir o protagonismo.