Ainda não é possível afirmar que esta é a Copa do Mundo das “zebras” mesmo com as viradas surpreendentes da Arábia Saudita sobre a Argentina e a do Japão sobre a sempre poderosa e favorita Alemanha. Mas podemos falar em surpresas e (principalmente) em equipes que sabem se reinventar dentro de um mesmo jogo. Foi mais ou menos o que a equipe comandada por Hajime Moriyasu na vitória histórica desta quarta-feira (23), no estádio Khalifa. As substituições promovidas pelo treinador nipônico no segundo tempo foram determinantes para que o Japão construísse a virada e escancarasse alguns dos problemas defensivos da Alemanha de Hans-Dieter Flick.
É preciso dizer que o primeiro tempo da equipe germânica foi uma das melhores atuações coletivas da Copa do Mundo até o momento. A Alemanha soube muito bem como manipular os espaços no campo adversário através do 4-2-3-1 inicial de Hans-Dieter Flick. Musiala abria o corredor esquerdo para David Raum avançar como autêntico ponta nos momentos de posse. Do outro lado, Gnabry abria o campo e recebia a companhia de Thomas Müller e Kimmich. Com Havertz flutuando na intermediária, o time ganhava superioridade numérica no setor onde estava a bola.
No entanto, a ótima produção ofensiva da Alemanha contrastava com a fragilidade do seu sistema defensivo. E mesmo antes de abrir o placar com Gündogan (que converteu penalidade do goleiro Gonda em David Raum), o Japão teve um gol de Maeda anulado por impedimento em lance que escancarou o fato de que a defesa germânica ia sofrer com os contra-ataques. Com Süle na lateral e mais alinhado a Rüdiger e Schlotterbeck na última linha e muito espaço para Junya Ito, Kubo e Kamada atacarem, parecia questão de tempo para que a cerveja entornasse no lado alemão.
Todos aqueles que apreciam um futebol bem jogado, de bola no chão e com ótima troca de passes estava sim se deleitando com o futebol apresentado pela Alemanha de Hans-Dieter Flick. Do outro lado, o Japão tentava competir com as armas que tinha e só não foi para o intervalo perdendo por uma margem maior de gols porque Musiala, Havertz, Gündogan e companhia pecavam pelo preciosismo no último passe e nas conclusões a gol. A inversão do 4-2-3-1 para o 3-2-5 no escrete germânico amassava completamente 4-2-3-1/4-4-2 de Hajime Moriyasu num primeiro tempo de amplo domínio por parte da Alemanha. Os espaços entrelinhas do Japão eram generosos e fartos.
Num primeiro momento, a impressão que o técnico Hajime Moriyasu deixou com a entrada de Tomiyasu no lugar de Kubo era fazer simplesmente fazer a “redução de dano” e povoar mais a entrada da área nipônica. No entanto, as melhores chances ainda eram da Alemanha. Musiala perdeu grande chance quase na marca do pênalti e Gnabry e Gündogan acertaram a trave. Tudo isso antes dos 15 minutos do segundo tempo. E isso sem mencionar a sequência incrível de defesas do goleiro Gonda. O escrete germânico seguia implacável no ataque, mas empilhava chances perdidas e começava a dar espaços às costas da última linha. Era lá que estava o “mapa da mina” para o Japão.
Mitoma e Asano foram para o jogo nos lugares de Nagatomo e Maeda e aumentaram consideravelmente o poder do contra-ataque japonês. Ritsu Doan e Minamino entraram e construíram a joagda do gol de empate explorando a clara dificuldade da defesa alemã em controlar a profundidade (o popular “correr para trás”) aos 30 minutos do segundo tempo. Pouco tempo depois, com o Japão já organizado num 5-4-1/5-2-3, Itakura fez belo lançamento para Asano se livrar de Schlotterbeck na corrida e chutar no alto, sem defesas para Neuer. E o início do lance mostra todas as difuldades da Alemanha na transição defensiva. Essa bola já tinha sido cantada no primeiro tempo.
Difícil não perceber o abalo psicológico da Alemanha com a virada do Japão. O fantasma da eliminação na fase de grupos da Copa do Mundo de 2018 retornava com todas as forças e minava as forças do escrete de Hans-Dieter Flick. O que se viu até o apito final foi um festival de bolas levantadas na área e tentativas de se cavar penalidades. O fato do técnico Hajime Moriyasu ter “recalculado a rota” no intervalo e assumir todos os riscos da estratégia da etapa final foi recompensado com um virada inimaginável até mesmo para o mais otimista dos torcedores nipônicos. Ainda mais diante do intenso bombardeio germânico durante quase todo o primeiro tempo.
É possível sim dizer que os presentes no Estádio Khalifa presenciaram mais uma “zebra” nessa Copa do Mundo. Mas até mesmo as maiores “zebras” da história dos Mundiais trazem lições importantes. Hans-Dieter Flick e sua Alemanha sabem muito bem disso. Não dá pra se manter um poderio ofensivo tão grande com tantas fragilidades defensivas. E olha que o Japão nem é o adversário mais forte do grupo E…