Galvão Bueno sempre reverencia Pelé quando menciona o Rei do Futebol nas narrações das partidas, nas redes sociais ou nos programas de debates esportivos. Porém, o que muitos não sabem ou não lembram é que ambos chegaram a trocar farpas numa cobertura de Copa do Mundo. E o atrito ocorreu durante a memorável campanha do tetracampeonato da seleção brasileira, em 1994.
Era a segunda Copa do Mundo em que a dupla trabalhava na Globo (antes, Pelé e Galvão estiveram juntos em 1990). Então, os dois, mais Arnaldo Cezar Coelho, faziam as partidas da seleção brasileira nos Estados Unidos, compondo o trio titular da Globo nas partidas in loco no Mundial. Assim, durante o intervalo da segunda partida do Brasil contra Camarões, o locutor chama Pelé para fazer seu comentário na cabine de transmissão.
Antes do eterno camisa 10 começar a avaliar o jogo, Galvão se esquece de ligar o microfone. “Vou apertar aqui senão você não fala”, orienta, acionando o botão do dispositivo. Dessa forma, Pelé capta o jeito e, na próxima intervenção, o próprio ex-santista abre o microfone para comentar. Nesse sentido, o Rei de Futebol pegou rapidamente a manha, e até demais. O Brasil ganharia por 3 a 0 de Camarões em Stanford, na Califórnia, se classificando com antecedência para as oitavas-de-final da Copa do Mundo.
“Só se eu der com a marreta na cabeça dele”, falou Galvão sobre Pelé na Copa do Mundo 1994
No jogo seguinte da seleção brasileira na Copa do Mundo, em Detroit, a Suécia era a última adversária da fase de grupos. Logo após o término da partida terminada em 1 a 1, um sinal das antenas parabólicas vaza a gravação do comentário de Pelé para o Jornal Nacional, ainda na cabine do estádio Silverdome. Assim, o atleta do século se estende demais na primeira tentativa e Galvão, que já começava a demonstrar impaciência, o orienta a ser mais curto. Depois que Pelé finaliza a fala, Galvão Bueno põe os fones de ouvido e começa a ouvir uma espécie de bronca de alguém chamado Fernandinho. Não é possível ouvir no vídeo o que este fala, apenas as respostas do locutor.
“Você passou o jogo inteiro no meu ouvido. Eu sei o que estão dizendo: ‘Fala pro Pelé não falar. Fala para o Pelé diminuir.’ Dá não!”, resmungou Galvão. Nisso, Pelé deixa o local. “Saiu daqui… Só se eu matar ele, cara! Ele vem aqui e mete a mão no microfone assim, tum, e abre e fala. Quem contratou, conversa. (…) Eu vou dar com a marreta na cabeça dele, pô”, reclamou o locutor, que seguiu mencionando as seguidas intervenções de Pelé na transmissão do jogo do Mundial. “Eu, no ar, eu não posso falar. O que está acontecendo? Eu estou fechando o microfone dele. É a única forma que eu tenho de evitar, é fechar o microfone. Eu fecho, ele abre de novo, pô! Como é que eu faço?”, perguntou Galvão.
Por fim, Galvão relatou que Pelé foi se queixar que o narrador não o deixava falar, durante a partida da Copa do Mundo. “É, e eu fico louco. Dá vontade de eu meter o microfone na sua cabeça. Vocês ficam dizendo: ‘Galvão, corta o Pelé. Galvão, o Pelé tem que ser mais curto. Galvão…’. E eu vou fazer como?”, questionou. Então, o locutor ouve calado as orientações por alguns segundos e devolve. “P…, mas eu cutuco. Eu fecho o microfone dele, ele abre de novo, p… E ele já foi reclamar”, concluiu.
“Pelé dava risada de tudo”, justificou Galvão
Conforme a Folha, em matéria veiculada na época da Copa do Mundo 1994, as imagens vazaram nas parabólicas e 17 telespectadores presenciaram as reclamações de Galvão Bueno ao vivo. “Um deles, de Jundiaí, que preferiu não se identificar, gravou toda a cena. As imagens ficaram no ar por 12 minutos”, informa o texto assinado pelo jornalista Armando Antenore.
Mais de 20 anos depois, Galvão Bueno recordou a cena em sua autobiografia Fala, Galvão!, escrita em parceria com Ingo Ostrovsky. “Pelé estava ao meu lado, ouvindo tudo, escutando os dois lados da conversa. Já cheio daquela lenga-lenga eu perdi a paciência com quem estava reclamando de Pelé. Repito, ele estava do meu lado e dava risada de tudo. A revista Veja publicou só o que eu disse, e ficou parecendo que tínhamos brigado, o que jamais aconteceu”, esclareceu o narrador, talvez trocando a Folha pela Veja na publicação. Posteriormente, Galvão ainda cobriria com Pelé a Copa do Mundo de 1998.