O discurso raso e sem critério que defendia a falta de repertório ofensivo da Seleção Brasileira já deveria ter caído por terra há muito tempo. No entanto, a boa vitória sobre Gana está fazendo com que muita gente passasse a rever seus conceitos e alguns jogos mais antigos da equipe comandada por Tite. Não somente pela escalação do “quinteto mágico” (Raphinha, Lucas Paquetá, Richarlison, Neymar e Vinícius Júnior), mas pela maneira como o escrete canarinho construiu o resultado em Le Havre, nesta sexta-feira (23). O time se comportou bem, não se deixou ameaçar pelas Estrelas Negras e ainda deixou muita gente empolgada com o resultado final.
Mais do que vencer, a Seleção Brasileira apresentou variações táticas e soluções para todas as situações que o jogo apresentava. E não é exagero nenhum afirmar que o time poderia ter vencido Gana com uma vantagem até maior de gols diante de todas as chances desperdiçadas. E muito dessa boa atuação se deve à dedicação dos jogadores e da assimilação dos conceitos trabalhados por Tite nos treinamentos. É sim possível afirmar que o Brasil tem um time forte, consistente e muito, mas muito ofensivo. Doa a quem doer.
Éder Militão jogou como uma espécie de “lateral-base” mais alinhado a Thiago Silva e Marquinhos num 4-3-3 inicial que se transformava num 3-2-5 com a posse da bola. Alex Telles deixava um pouco o lado do campo e se juntava a Casemiro mais por dentro, Neymar e Lucas Paquetá ocupavam o espaço entrelinhas, Richarlison arrastava a marcação para trás e os pontas Raphinha e Vinícius Júnior abriam o campo e se infiltravam em diagonal. Tudo isso com marcação sufocante na saída de bola e alta velocidade nas transições.
Muito dessa fluência ofensiva do escrete canarinho se deve ao trabalho exercido por Neymar no meio-campo brasileiro. Cada vez mais jogando como “camisa 10 de fato e de direito”, ele era o principal responsável pela criação das jogadas e pela distribuição de passes a partir da retomada da posse. O lance do segundo gol desta sexta-feira (23) resume bem isso. Com Gana baixando as linhas de marcação, Thiago Silva vê Neymar atacando o espaço e arrastando parte da marcação com ele. O jogador do PSG recebe e vê Richarlison aparecendo entre os zagueiros Amartey e Djiku e faz o passe. O “Pombo” chuta de primeira sem chance de defesa para o goleiro Joseph Wollacott.
Aliás, precisamos reconhecer que o que não faltou na Seleção Brasileira foram variações táticas, trocas de posição e muita intensidade com e sem a bola. E quem dizia que Vinícius Júnior e Raphinha ficavam “inibidos” no escrete comandado por Tite também precisa rever seus conceitos. Ainda que os dois pontas joguem de maneira diferente nos seus clubes, estava nítido que ambos tinham liberdade para tentar o drible, ir para a linha de fundo e atacar a área de Gana. Acabou que o jogo foi resolvido sem que um deles desequilibrasse pelos lados do campo, mas tanto Raphinha como Vinícius Júnior se mostraram estar bem à vontade com a amarelinha. E isso é um fato.
É de se compreender que a Seleção Brasileira tenha tirado um pouco o pé do acelerador no segundo tempo. Primeiro por conta dos 3 a 0 no placar e depois por conta do receio de lesões nesse período que antecede a convocação final para a Copa do Mundo. Mas o time não parou com as variações táticas. O escrete canarinho chegou a arriscar uma saída de bola num 2-3-5 com Éder Militão mais adiantado, Bremer alinhado a Marquinhos na defesa, Fabinho organizando a construção das jogadas, Neymar e Everton Ribeiro por dentro e muita velocidade nas transições. Não é exagero afirmar que só faltou Matheus Cunha, Antony e companhia colocarem a bola “dentro da casinha”.
A atuação na vitória sobre Gana reacendeu as esperanças de muita gente que criticava a Seleção Brasileira e alguns dos conceitos trabalhados por Tite. Mas estes que elogiam hoje são os mesmos que fechavam os olhos para a ótima campanha nas Eliminatórias da Copa do Mundo e para as atuações seguras do escrete canarinho contra adversários tidos como “mais fracos”. Basta rever algumas partidas antigas para concluir que o jogo ofensivo de trocas de passe em velocidade a partir do campo adversário sempre esteve por lá. As vitórias sobre Uruguai (na Arena da Amazônia) e Chile (no Maracanã) são bons exemplos dessa postura mais agressiva com e sem a bola.
É bem possível que Tite faça mais algumas modificações na equipe que enfrenta a Tunísia, equipe que possui o sistema defensivo mais sólido do continente africano. Pode ser um bom teste para Pedro, Antony e Bruno Guimarães, jogadores com características únicas e que podem ser úteis nesse contexto. Seja como for, a Seleção Brasileira está sim muito bem servida.