Há quem afirme em alto e bom som que os dois amistosos da Seleção Feminina contra a África do Sul realizados nos dias 2 e 5 de setembro não tiveram utilidade por conta da fragilidade do adversário. Este que escreve, no entanto, vai contra a maré nas redes sociais e de alguns programas esportivos, mesmo diante de duas atuações mais abaixo do esperado por todos nós. Isso porque ficou nítido que Pia Sundhage conseguiu encontrar respostas para uma série de problemas da sua equipe nesses dois jogos contra a atual campeã africana. Vimos mudanças na formação básica utilizada pela treinadora sueca (um 3-4-2-1 que tinha Antônia como zagueira pela direita), mais velocidade nas transições e a afirmação de jogadoras como Duda Sampaio, Ary Borges e Kathellen.
No entanto, é preciso deixar bem claro que a Seleção Feminina ainda pode entregar mais em campo. E isso tudo passa por Pia Sundhage (que ainda insiste em nomes que não conseguem entregar aquilo que é necessário) e pela falta de entendimento tático de determinadas jogadoras. É claro que os desfalques de Luana e (principalmente) Angelina obrigaram a treinadora sueca a mudar o jeito de jogar da sua equipe diante da ausência de duas jogadoras especialistas na marcação e na saída de bola. E isso ajuda muito a explicar a mudança do costumeiro 4-4-2/4-2-4 para uma saída de três na defesa e a utilização de alas.
Conforme falado aqui mesmo neste espaço em outra ocasião, o debate sobre o desempenho da Seleção Feminina precisa ser mais profundo e sair do campo das falácias. Falar em “DNA do futebol brasileiro” diante do que vemos nas nossas competições e tantos anos de descaso por estas bandas chega a soar desonesto. É óbvio que a comissão técnica encabeçada por Pia Sundhage precisa corrigir problemas e encontrar soluções. Por outro lado, o trabalho que estamos vendo nesses últimos três anos está muito longe de ser uma “terra arrasada” como alguns comentaristas tanto falam. Há uma linha clara de pensamento, uma tentativa de criar um padrão.
Falando especificamente sobre os 6 a 0 da Seleção Feminina sobre a África do Sul, Pia Sundhage repetiu o 3-4-2-1/3-4-3 utilizado na última sexta-feira (2), mas com algumas mudanças. Ao invés de ser a ala pela direita (função que foi exercida por Jaqueline), Adriana jogou um pouco mais adiantada junto à Debinha e Bia Zaneratto, enquanto Tamires se transformou numa autêntica ponta pela esquerda. Mais atrás, Duda Francelino formou dupla com Ary Borges na proteção do trio de zagueiras formado por Antônia, Kathellen e Rafaelle. Apesar do primeiro tempo muito ruim, o Brasil conseguiu abrir dois gols de diferença e deslanchou no segundo tempo com as trocas de posição entre atacantes e volantes. Foi assim que Duda Francelino conseguiu balançar as redes no início do segundo tempo.
A falta de entrosamento entre algumas das jogadoras que estavam em campo e até mesmo a falta de familiaridade com o novo desenho tático (um 4-4-2 que se transformava numa espécie de 3-2-5 quando a Seleção Feminina tinha a posse da bola) dificultaram um pouco as coisas nos dois amistosos. É por isso que o time de Pia Sundhage errou demais nos passes e nas finalizações a gol. Mesmo assim, a saída de bola ganhou muita qualidade com Antônia fazendo as vezes de zagueira construtora e de lateral pela direita. E nessa formação, a escolha por Duda Sampaio, Ary Borges e Duda Francelino se justificava pela necessidade de se ter jogadoras que sabem jogar de costas para a marcação e se livrar da pressão das adversárias na “volância” da Seleção Feminina.
Também precisamos exaltar a atuação de Debinha nos dois amistosos. Não somente pelos gols, mas pela movimentação constante atrás na intermediária ofensiva e pelo papel de liderança que exerceu nas partidas ao lado de Rafaelle. As duas, aliás, seriam importantíssimas no segundo tempo do jogo desta segunda-feira (5), quando Pia Sundhage realizou uma série de substituições no time que começou a partida. Sem suas volantes titulares, a treinadora sueca voltou ao seu tradicional e costumeiro 4-4-2/4-2-4 com Rafaelle jogando um pouco mais adiantada no meio-campo. Geyse e Kerolin jogaram mais abertas, Ludmila arrastava a marcação para trás e Debinha (que jogou muito mais como “10” do que como atacante) aparecia no espaço aberto por toda essa movimentação.
É verdade sim que o desempenho da Seleção Feminina ainda está abaixo daquilo que eu e você desejamos. Mas compreender o contexto e enxergar pontos positivos são atitudes salutares diante do festival de falácias que vemos nas redes sociais e em algumas mesas de debates. Os dois amistosos contra a África do Sul nos mostraram uma Pia Sundhage que está sim buscando soluções mais concretas para os problemas da sua equipe mesmo que o cenário não seja lá muito favorável. A mudança na formação com e sem a bola e essa série de adaptações que a treinadora do escrete canarinho nos apresentou nos últimos dias tem justamente o objetivo de deixar o time mais competitivo e mais encorpado apesar dos desfalques importantes de Luana e Angelina. E não é fácil substituir essas duas.
É bem possível que alguns nomes que fizeram parte da campanha da Seleção Feminina Sub-20 na Copa do Mundo da Costa Rica nas próximas convocações de Pia Sundhage. Yaya, Lauren, Tarciane, Bruninha e outras jovens já mostraram seu valor nas e podem ajudar a treinadora sueca a resolver outros problemas e até a dar mais consistência para o escrete canarinho. Repetimos: há uma ideia clara de trabalho. Isso é o mais importante.