Home Esportes Olímpicos Campeão mundial, Alison dos Santos tinha vergonha de correr na adolescência

Campeão mundial, Alison dos Santos tinha vergonha de correr na adolescência

Atleta começou no interior paulista há menos de dez anos e já tem título mundial e medalha olímpica

Fernando Cesarotti
Jornalista.

A trajetória no atletismo de Alison dos Santos, o Piu, campeão mundial dos 400 m com barreiras, começa com muita persistência. Mas não exatamente do atleta: ele foi descoberto por um projeto social que leva o nome de outro medalhista olímpico, o ex-velocista Edson Luciano Ribeiro, membro do time prata no revezamento 4×10 em Sydney-2000. Mas Alison recusou os primeiros convites para treinar e demorou para aparecer na pista.

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O motivo? Timidez. E olha que passar despercebido não era fácil para um rapaz que já tinha mais de 1,85 m aos 14 anos, magro e que gostava de treinar judô e jogar bola com os colegas em São João da Barra, cidade do interior paulista próxima a Ribeirão Preto.

Mas, se todo adolescente tem lá seus períodos de vergonha e timidez, o caso de Alison era mais compreensível: ele foi vítima de um acidente doméstico em casa com uma panela de óleo fervente que caiu em sua cabeça, quando tinha 10 meses de idade. Sobreviveu, mas com sequelas estéticas no couro cabeludo que lhe deixaram praticamente calvo. O que restou, então, foi andar de boné para cima e para baixo.

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Mesmo depois de começar a treinar no instituto Edson Luciano, aos cuidados da técnica Ana Fidelis, Alison continuou usando boné – eventualmente, uma touca, como aconteceu em sua primeira competição em São Paulo, no Centro Olímpico do Ibirapuera. E seu corpo longo, retilíneo e com pernas longas, o levou para uma das provas mais técnicas do atletismo: os 400 m com barreiras.

Uma prova de poucas e grandes estrelas

Na prova de 400 m com barreiras, que está no programa olímpico desde Paris-1900, o atleta tem que dar uma volta completa na pista e saltar 10 barreiras, que ficam espaçadas a cada 35 m, mais ou menos. Cada uma delas tem 91,4 cm de altura e é permitido tocá-las, ainda que isso signifique perder tempo.

Os 400 m com barreiras foram a prova de um dos ícones do atletismo, o norte-americano Edwin Moses, bicampeão olímpico em Montreal-1976 e Los Angeles-1984 (só não foi tri porque os Estados Unidos boicotaram os Jogos de Moscou-1980) e que chegou a ficar mais de 120 provas invicto no período. Hoje, ele é o presidente do Instituto Laureus, que apoia atividades sociais relacionadas ao esporte mundo afora e entrega o prêmio de mesmo nome que é conhecido como “Oscar do esporte”.

Mas, depois de aposentadoria de Moses e de seu sucessor, Kevin Young, que bateu seu recorde mundial em Barcelona-1992, com 46s78, a prova viveu décadas de estagnação, com quase 30 anos de espera até que a marca fosse batida. Nesse período, quem chegou mais perto foi o qatari Abderrahman Samba, que marcou 46s98 numa etapa da Diamond League em Paris, em 2018.

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Alison: sem boné e correndo como gente grande

Alison dos Santos foi crescendo, desistindo do boné e assumindo o visual natural. Se a calvície forçada o deixava com ar de mais velho, ele foi mostrando aos poucos que podia correr como adulto. Em 2018, correu abaixo dos 50s pela primeira vez no Mundial Sub-20, em Tampere, na Finlêndia: com 49s78, ficou com a medalha de bronze.

No ano seguinte, foi ouro na Universíade, a olimpíada para estudantes universitários, disputada em Nápoles, na Itália, e também nos Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru. Em setembro, chegou à sua primeira final de Mundial, em Doha, no Catar, e ficou com a sétima posição.

Aquela prova, no entanto, mostrou que os ventos dos 400 m com barreiras já eram outros. O norueguês Karsten Warholm levou o ouro, com 47s42, seguido pelo norte-americano Rai Benjamin, com 47s66. Abderrahman Samba levou o bronze, com 48s03. Alison marcou 48s28 e viu que não estava longe de uma medalha: a questão era aprimorar a forma e especialmente a técnica.

Da pandemia ao topo do mundo

A pandemia de Covid-19 provocou o adiamento das Olimpíadas de Tóquio-2020 e, em 2021, quando o esporte foi retomando sua rotina normal, Alison foi mostrando seu talento: baixou de 48s e chegou ao Japão como candidato real a medalha. Não seria fácil porque, no caminho, Warholm conseguiu o milagre: derrubou o recorde mundial de Kevin Young, com 46s70.

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Em Tóquio, Alison chegou com a expectativa de buscar o bronze e cumpriu a meta numa das provas mais fortes da história: Karsten Warholm marcou inacreditáveis 45s94 e tornou-se o único homem, até agora, a baixar de 46s. Rai Benjamin chegou em segundo, com 46s17 – ou seja, teria vencido qualquer outra prova dos 400 m com barreiras na história, exceto aquela. Alison fez 46s72, então o quarto melhor tempo da história.

De lá para cá, Alison treinou, melhorou seu fim de prova, se aperfeiçoou. Warholm sofreu com lesões e Benjamin teve covid-19. Sorte ou mérito, o fato é que Alison enfim terminou na frente dos dois medalhões. Hoje, é o campeão mundial. E sonha com mais, muito mais.

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