A demissão de Paulo Sousa, o retorno de Dorival Júnior e os reais problemas do Flamengo
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a troca de comando na equipe rubro-negra e a incessante busca pelo futebol de 2019
É possível dizer muitas coisas sobre a demissão de Paulo Sousa e o cenário que se formou desde a sua chegada ao Flamengo no início do ano até a derrota para o Red Bull Bragantino na última quarta-feira (8). Sem entrar no mérito da qualidade do seu trabalho à frente do time (pelo menos por enquanto), precisamos reconhecer que a forma como demissão do treinador português foi conduzida pela diretoria rubro-negra foi absolutamente lamentável e prova que o “Romântico” era o menor dos problemas do clube. Esse é mais um caso onde fatores externos acabam influenciando diretamente no futebol jogando dentro das quatro linhas. E como se sabe, o Flamengo vinha mal das pernas e devendo boas atuações em 2022. O retorno de Dorival Júnior tem o claro objetivo de tentar arrumar a casa o mais rápido possível.
Este que escreve ainda se pergunta se Paulo Sousa é tão ruim como muitos colegas de imprensa esportiva e muitos torcedores fazem questão de afirmar nas redes sociais. É verdade que ele deixou muito a desejar em várias escolhas táticas, na gestão do elenco rubro-negro e se mostrou completamente perdido no final de sua passagem pelo Flamengo. Por outro lado, as atuações contra Atlético-MG (na louca decisão da Supercopa do Brasil), Universidad Católica, Talleres (ambos pela Copa Libertadores da América), Botafogo (no Campeonato Carioca), São Paulo e Goiás (ambos no Campeonato Brasileiro) deixam a clara sensação de que alguns dos seus conceitos foram assimilados pelos jogadores rubro-negros.
No entanto, ainda é muito pouco para quem prometeu mundos e fundos ao romper o compromisso com a seleção da Polônia para a assinar com o Flamengo. Este colunista até hoje se pergunta o que Paulo Sousa pensou nesse momento e qual foi sua reação ao ver o escrete de Lewandowski, Szczesny e Krychowiak carimbando a vaga na próxima Copa do Mundo depois de vencer a Suécia. Seja como for, apesar de toda a empolgação em torno da sua chegada ao clube no começo do ano vinha acompanhada por uma certa desconfiança dos menos empolgados. Isso porque o estilo de jogo defendido por Paulo Sousa não “encaixava” muito bem com as características dos jogadores que teria à sua disposição. O discurso, no entanto, era de “renovação”.
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E é aí que vemos o primeiro grande problema. Renovações de elencos precisam ser feitas de tempos em tempos, mesmo nos mais vitoriosos. Com o passar do tempo, a tendência passa a ser a de uma certa acomodação por conta das glórias conquistadas no passado. Exatamente como acontece com o Flamengo e o “ano mágico” de 2019. As tentativas de se repetir uma das temporadas mais vitoriosas do clube e a eterna “sombra” de Jorge Jesus somadas ao paternalismo dos dirigentes rubro-negros e aos acontecimentos recentes nos bastidores teve como resultado o cenário que vemos hoje. Um elenco que “sentou” em cima das conquistas de 2019 e que se mostra completamente hostil com cada tentativa de retirar os jogadores da zona de conforto. Foi assim com Domènec Torrent, com Rogério Ceni, com Renato Gaúcho e agora com Paulo Sousa.
É por isso que a chegada de Dorival Júnior tem o objetivo claro de se encontrar um treinador que se adapte às características dos jogadores e que seja mais maleável do que o “Romântico” foi. Não se trata apenas de escolher alguém para ocupar a vaga deixada por Paulo Sousa, mas de encontrar um nome que seja de consenso do grupo. São acontecimentos se repetem num ciclo sem fim tal como no cinema. Quem viu o filme “Feitiço do Tempo” vai se lembrar de Phil Connors (personagem interpretado por Bill Murray), o repórter que vai até a cidade de Punxsutawney para cobrir o “Dia da Marmota”. Ele acaba preso numa armadilha temporal e revive o mesmo dia repetidamente até que resolve mudar de atitude e se tornar uma pessoa melhor.
O Flamengo vive seu “Dia da Marmota” desde a saída de Jorge Jesus. E nesse ponto, é possível até prever o futuro. Os jogadores se mostram impressionados com o método de trabalho de Dorival Júnior e afirmam que os treinos são tão intensos quanto os do “Mister”. Os resultados em campo refletem o trabalho nos treinamentos. Chega um dia em que surge a informação de que a aceitação não é unânime e os resultados ruins aparecem (na oscilação normal que cada trabalho passa). As cobranças aumentam, a torcida se incendeia nas redes sociais e a imprensa começa a especular sobre a permanência (ou não) de Dorival Júnior. Ele acaba demitido e se inicia a busca por um novo “bombeiro” para o Flamengo.
A analogia com o filme “Feitiço do Tempo” só não é completamente perfeita porque os dirigentes rubro-negros continuam com a mesma atitude mesquinha e leviana de outros tempos. Cuida-se do Flamengo com a mesma energia e discernimento com que se cuida de um “clubinho”. E a bola da vez é Dorival Júnior. Capacidade de fazer esse elenco jogar ele possui de sobra e já provou isso na sua segunda passagem pelo clube em 2018 (ver os números no tweet acima). Substituiu Maurício Barbieri e recolocou o time na briga pelo título brasileiro daquele ano com seu 4-2-3-1/4-1-4-1 móvel e de aproximação em todos os setores do campo. Lucas Paquetá, Vitinho e Everton Ribeiro jogavam logo atrás do colombiano Uribe e davam o toque de qualidade num time que só não foi mais longe porque já era tarde demais para uma reação.
Dorival Júnior tem a clara missão de acalmar os ânimos num dos momentos mais conturbados do Flamengo nos últimos anos. É bem possível que o time responda rapidamente à sua chegada com atuações mais consistentes e o ânimo renovado. Mas o grande X da questão está no que vai acontecer depois desse primeiro efeito da mudança no comando técnico. A torcida rubro-negra ainda espera pelo sucessor de Jorge Jesus (ou pelo próprio) e pelo resgate do futebol de 2019. O que ninguém conta é que o contexto é completamente diferente. O elenco está três anos mais velho e mais desgastado e todas as outras equipes do país estudaram as características do Flamengo à exaustão. Para sair do tal “Dia da Marmota”, vai ser preciso sair da zona de conforto. Será que a diretoria estaria disposta a abrir mão de certos privilégios? Difícil.
Abel Braga, Jorge Jesus, Domènec Torrent, Rogério Ceni, Renato Gaúcho, Paulo Sousa e agora Dorival Júnior. A gestão de Rodolfo Landim vai para o seu sétimo treinador em três anos. Bastante complicado afirmar que os problemas é culpa apenas de quem escala o time diante de tudo que foi explanado aqui neste espaço. Certo é que o Flamengo vai precisar de muita força e muita dedicação para se livrar desse “Dia da Marmota”. Precisa que dirigentes e jogadores mudem de atitude. E é aí que mora o grande problema.
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