Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira destaca as escolhas de Abel Ferreira e Rogério Ceni na partida deste domingo (4) no Allianz Parque
Alguns colegas de imprensa usaram expressões como “time reativo” e “time sem repertório” para falar do Palmeiras de Abel Ferreira. Quem viu o jogo deste domingo (4) pôde perceber que todas essas linhas de pensamento estavam erradas. Aliás, esse é o grande erro de se colocar o gosto pessoal como critério quando se analisa futebol. A vantagem obtida pelo São Paulo de Rogério Ceni no jogo de ida (vitória por 3 a 1 no Morumbi) foi pulverizada completamente por uma equipe ligada, intensa e muito concentrada em cada disputa de bola. A histórica goleada no Allianz Parque calou os críticos de Abel Ferreira e provou mais uma vez que esse Palmeiras é sim uma das equipes mais letais do continente. E negar isso é fechar os olhos para uma das melhores atuações coletivas dessa temporada até o momento.
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— SE Palmeiras (@Palmeiras) April 3, 2022
É bem possível que todos nós só reconheçamos o verdadeiro valor desse Palmeiras daqui a alguns anos. E lá, todo o discurso de “time reativo e sem repertório” defendido por boa parte da imprensa será motivo de gostosas risadas. Isso porque Abel Ferreira está deixando um legado inestimável no futebol brasileiro e nos lembrando que o esporte que mais amamos é jogado na base da concentração, da disciplina e da intensidade. “Cabeça fria e coração quente”, como diz o lema do treinador português. São duas Libertadores da América em sequência, uma Copa do Brasil, uma Recopa Sul-Americana e agora um Campeonato Paulista. Este último foi a primeira conquista de Abel Ferreira depois da sua renovação de contrato junto ao Palmeiras.
Do mesmo modo, a maneira como alguns jogadores foram potencializados pelo treinador português é surpreendente. Marcos Rocha voltou a ser o lateral ofensivo dos tempos de Atlético-MG, Gustavo Gómez se transformou num dos melhores zagueiros do continente, Danilo (o melhor em campo na opinião deste que escreve) já atingiu um nível altíssimo com e sem a bola, Raphael Veiga assumiu de vez o papel de “maestro” do Palmeiras e Dudu (talvez a grande estrela desse Palmeiras histórico) entendeu a proposta de Abel Ferreira e colocou seu talento à serviço da equipe. E isso sem mencionar Weverton, Gustavo Scarpa, Zé Rafael, Rony (o RÚSTICO) e vários outros que se destacaram nessas duas últimas temporadas.
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Mas a missão do Palmeiras neste domingo (4) não era nada fácil. A equipe alviverde tinha que correr atrás da vantagem obtida pelo São Paulo no jogo de ida realizado na quarta-feira (30), num Morumbi lotado. Com Danilo no lugar de Jailson, Abel Ferreira manteve toda a estrutura do seu 4-2-3-1 fluido e extremamente móvel com Rony puxando os contra-ataques da esquerda para dentro, Gustavo Scarpa armando o jogo a partir do lado esquerdo e Dudu bastante avançado pelo lado direito. Já Rogério Ceni repetia o seu 4-4-2 tradicional com Rodrigo Nestor aparecendo mais no ataque e contando com a cobertura de Igor Gomes. Mais atrás o ótimo Pablo Maia organizava a saída de bola e Alisson exercia papel importante pelo lado esquerdo para dar o equilíbrio necessário ao escrete tricolor. Um verdadeiro duelo tático.
Por mais que o São Paulo tenha entrado em campo tentando impor seu ritmo, o Palmeiras foi aos poucos tomando conta da partida com muito volume de jogo, ótimas trocas de passe e muita movimentação para abrir as linhas do seu adversário. O grande diferencial do escrete de Abel Ferreira estava nos volantes. Danilo e Zé Rafael sempre buscavam descomplicar as jogadas com ótimo posicionamento (sempre buscando o espaço vazio para organizar o time) e pisando na área com frequência. Tanto que os dois gols do Palmeiras no primeiro tempo (aos 21 e aos 27 minutos) foram marcados pelos dois. Seja na forte jogada de bola parada ou na troca de passes que tem um deles aparecendo no espaço aberto pela movimentação ofensiva. Enquanto isso, o São Paulo encontrava muitas dificuldades para se organizar em campo.
Se o Palmeiras impressionava pelo volume ofensivo e pelo vasto repertório de jogadas, o São Paulo sentiu demais a pressão na casa do adversário e não soube como conter todo esse ímpeto. Este que escreve se surpreendeu com a substituição de Rogério Ceni logo depois do intervalo num momento em que o Tricolor Paulista mais precisava de força e proteção no meio-campo. A entrada de Arboleda no lugar de Wellington e o deslocamento de Léo para a lateral-esquerda não surtiu o efeito desejado. Isso porque Dudu destruiu a estratégia de Ceni logo aos três minutos do segundo tempo em belíssimo contra-ataque. O camisa 7 se livrou de Diego Costa, levou a bola até a linha de fundo e cruzou rasteiro para Raphael Veiga fazer o terceiro de carrinho sem marcação alguma. A vantagem agora era palmeirense.
Também era difícil compreender os motivos que levaram Rogério Ceni a sacar Rodrigo Nestor (para a entrada de Nikão) e manter um apagado Igor Gomes em campo. Se Dudu desequilibrava pela direita, Gabriel Verón e Gustavo Scarpa tinham bastante espaço pelo lado direito. Mas a maior prova de que esse elenco comprou realmente os conceitos de Abel Ferreira está na jogada do quarto gol palmeirense. Com a marcação encaixada (Gustavo Scarpa fechando em cima de Rafinha e Zé Rafael forçando o erro do já citado Igor Gomes), o escrete alviverde roubou a bola e passa para Gabriel Verón. Este encontra Raphael Veiga aparecendo nas costas de Pablo Maia e só tem o trabalho de deslocar Jandrei antes de balançar as redes. Era o gol que coroava uma das melhores atuações coletivas do Palmeiras nos últimos meses.
Ainda haveria tempo para Rafinha ser expulso de maneira infantil e causasse uma pequena confusão no final da partida. Nada, no entanto, que tenha diminuído a festa do Palmeiras na sua casa. Por outro lado, os 4 a 0 em cima do São Paulo têm muita coisa de Abel Ferreira. O erro humano no futebol é algo imprevisível. Mas pensar e trabalhar a organização da sua equipe para provocar esses erros no seu adversário é coisa que poucos treinadores sabem fazer. E isso tudo usando a pressão psicológica causada pela derrota num jogo de ida de uma decisão e precisando tirar uma vantagem de dois gols. Repetimos: o discurso de que o Palmeiras é um “time reativo e sem repertório” dará lugar a gostosas risadas quando formos rever os feitos desse time comandado por Abel Ferreira daqui a alguns anos. Sem exagero.
Isso porque a análise do futebol não pode ser pautada por gosto pessoal ou preferência por este ou aquele estilo. A goleada sobre um São Paulo que jogou demais na quarta-feira (30) está aí para quem quiser ver e rever uma das melhores atuações coletivas dessa temporada. O Palmeiras jogou de acordo com a cartilha de Abel Ferreira e conquistou mais um título de maneira incontestável. Será mesmo que alguém ainda vai manter o discurso do “time sem repertório” depois disso tudo?