Home Futebol Sonhar não custa nada: como jogaria uma Seleção Brasileira comandada por Pep Guardiola?

Sonhar não custa nada: como jogaria uma Seleção Brasileira comandada por Pep Guardiola?

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.

Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira explica quais seriam as mudanças implementadas pelo técnico do Manchester City no escrete canarinho

Pep Guardiola já descartou a possibilidade de assumir o comando técnico da Seleção Brasileira após a saída de Tite após a Copa do Mundo do Catar. Essa bola foi levantada pelo jornal espanhol Marca na última quinta-feira (7) em matéria que trazia detalhes do negócio entre a CBF e o treinador espalho. Mas isso não impede que este colunista faça um exercício de imaginação interessante sobre o assunto. Pensar naquele que é o maior treinador do século XX (e um dos maiores da história) assumindo o escrete canarinho e podendo trabalhar seus conceitos num ciclo completo é realmente algo que faz os olhos dos amantes do velho e rude esporte bretão brilharem. Mas essa possibilidade também nos leva a refletir bastante sobre a maneira como encaramos, enxergamos e pensamos o futebol aqui por estas bandas.

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Pode não parecer importante agora, visto que o próprio Guardiola já fez questão de reafirmar seu compromisso com o Manchester City mais de uma vez. Mas é interessante notar como parte da imprensa se comportou quando o jornal Marca noticiou o suposto interesse da CBF no treinador espanhol. Parte dela se mostrou empolgada com a possibilidade e falou em “resgate do futebol genuinamente brasileiro”. Já outros torceram o nariz e colocaram uma série de obstáculos que apontam para um certo desconhecimento do esporte praticado em alto nível nas principais ligas do planeta. Sim, amigos, ainda há quem acredite que basta juntar onze jogadores e dar-lhes a bola para que “a magia aconteça”. Pensamento saudosista que esconde uma série de preconceitos e que ignora o que acontece de fato dentro de campo.

Ao mesmo tempo, também é preciso ter em mente que Pep Guardiola é um obcecado por controle. Tal fato chega até a ser contraditório. Afinal, o esporte mais amado do planeta também é o mais caótico e o mais imprevisível de todos. Ao mesmo tempo, pensar que basta a sua presença na beira do gramado para que “o futebol tipicamente brasileiro seja resgatado” é desconhecer todo o processo que transformou o técnico num dos melhores da história. O Barcelona de Messi, Iniesta e Xavi (um dos maiores times que este que escreve já viu), o Bayern de Munique avassalador de Lewandowski, Lahm e Neuer e o Manchester City de Sterling, De Bruyne, Fernandinho e Bernardo Silva são exemplos daquilo que Pep Guardiola faz de melhor: o “jogo de posição”, filosofia que nasceu justo com o “passing game” dos escoceses no Século XIX.

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A ideia aqui não é simplesmente explicar como funciona o “jogo de posição”. Há pessoas muito mais gabaritadas do que este que escreve para isso. O que se quer é fazer um exercício de imaginação no melhor estilo “sonhar não custa nada” (samba-enredo sensacional da Mocidade Independente de Padre Miguel de 1992). Como Guardiola poderia se valer do talento de Neymar, Lucas Paquetá, Marquinhos e tantos outros grandes jogadores da atual geração (e de outros que estão surgindo) para montar uma Seleção Brasileira forte dentro de seus conceitos? Como ele encaixaria as peças dentro da sua equipe? Veríamos um time mais propositivo ou mais adaptável? Como seria sua relação com o nosso calendário insano e a maratona de jogos?

Não se trata apenas de buscar os jogadores ideias. Estamos falando de uma filosofia de jogo que leva tempo para ser compreendida e que já é alvo de críticas por vários colegas de imprensa (seja por desconhecimento ou preconceito mesmo). Certo é que o espanhol apenas nos entregou o melhor Barcelona da história quando teve tempo e carta branca para agir. O 4-3-3 costumeiro poderia se transformar num 2-3-5 (na famosa “inversão da pirâmide”) ou até num 3-4-3 com meio-campo em diamante dependendo da movimentação de Messi, Daniel Alves, Xavi, Iniesta, Busquets e mais uma porção de jogadores que conquistaram tudo que disputaram. Esse Barcelona talvez seja a sua grande obra e o seu melhor trabalho em 15 anos de carreira.

Pep Guardiola transformou o Barcelona numa potência em pouco mais de cinco anos. Messi, Xavi e Iniesta faziam de tudo naquele 4-3-3 e eram fundamentais no andamento daquele que se tornou um dos maiores times de todos os tempos. Foto: Reprodução / YouTube / FC Barcelona

A transferência para o Bayern de Munique (depois de conquistar todos os títulos possíveis com o Barcelona) nos apresentou um Pep Guardiola que precisou adaptar seus conceitos às características do futebol alemão. Vimos, por exemplo, um jogo mais direto e mais vertical em determinados momentos. A popular “inversão da pirâmide” também estava lá, com jogadores exercendo funções diferentes das que estavam acostumados. Vimos Lahm jogar como meio-campista, Alaba e Xabi Alonso na zaga e mais uma porção de adaptações que visavam a melhor utilização dos conceitos de Pep Guardiola num time que sempre esteve acostumado com as vitórias (elásticas) e títulos. A Liga dos Campeões não veio, mas o legado permaneceu por lá.

Do futebol alemão para o inglês. Pep Guardiola assumiu o Manchester City em 2016 e trouxe do Bayern de Munique algumas mudanças no seu estilo de jogo. Suas equipes passaram a ser mais faltosas e começaram a fazer mais gols em bola parada (um dos pontos fracos do seu Barcelona). No comando dos Citzens, conseguiu formar um time altamente competitivo (baseado no seu 4-3-3 costumeiro) com Kevin de Bruyne assumindo o papel de principal articulador. Além do “jogo de posição”, no entanto, também é possível perceber que Guardiola adaptou alguns conceitos do futebol inglês no seu jogo. É o caso das ligações diretas. E nesse ponto, o goleiro Ederson exerce um papel fundamental na saída de bola por baixo ou pelo alto.

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Pep Guardiola foi adaptando conceitos do futebol alemão e do inglês nas suas equipes e mudando um pouco seu estilo. O Manchester City usa bastante as ligações diretas quando necessário através do goleiro Ederson. Foto: Reprodução / YouTube / TNT Sports Brasil

Diante disso tudo, não é difícil imaginar a Seleção Brasileira jogando como no campinho abaixo. Partindo do 4-3-3 já mencionado anteriormente, Neymar poderia ser o “Messi” de Guardiola, o “enganche” que tem liberdade para circular por todo o campo ofensivo e abrir espaços. Danilo (pela força na marcação) e Guilherme Arana (pelas características ofensivas) seriam os laterais e Lucas Paquetá se juntaria a Fabinho e Bruno Guimarães num meio-campo forte, consistente e altamente talentoso. E para completar o time, Raphinha e Richarlison seriam os pontas e Marquinhos formaria dupla de zaga com Gabriel Magalhães. Além, é claro, da presença de Ederson no gol. Esse 4-3-3 poderia se transformar num 2-3-5/3-2-5 facilmente com as subidas de Arana pela esquerda ou até mesmo num 3-4-3 com meio-campo em diamante.

Possível formação da Seleção Brasileira com Pep Guardiola no comando. Pontas com os “pés invertidos”, meio-campo qualificado no passe, Neymar como “enganche”, defesa boa por baixo e pelo alto e facilidade para modificar a formação sem mudar peças.

É óbvio que tudo isso está no terreno da imaginação. Caso realmente assuma a Seleção Brasileira no futuro, Pep Guardiola poderia usar uma formação completamente diferente, adaptar conceitos do nosso futebol e trabalhar as características dos jogadores que teria à disposição e trabalhar com outros que possam surgir (como boa parte do grupo que conquistou o bicampeonato olímpico em Tóquio). Ao mesmo tempo, seria uma ruptura fortíssima com todo o pensamento que permeia o esporte aqui no Brasil, uma mudança altamente radical no modo como as equipes são trabalhadas pela CBF e Federações. É bem possível que as categorias de base fossem influenciadas por Guardiola e que o “jogo de posição” se transformasse na base de entendimento do velho e rude esporte bretão com a sua chegada ao comando do escrete canarinho.

Mas talvez a principal mudança esteja no trato com os jogadores. Imaginem Pep Guardiola trabalhando junto de Neymar, Vinícius Júnior, Antony e outros mais jovens desde o começo, influenciando suas decisões no campo e tirando o melhor de cada um deles. Exatamente como fez com Messi, Xavi, Iniesta e mais uma porção de grandes talentos há alguns anos num Barcelona ainda carente de títulos. É como diz o samba da Mocidade: “Sonhar não custa nada”.

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