Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a atuação do escrete comandado por Tite na partida realizada na altitude de La Paz
Mais do que a golear a frágil e já eliminada Bolívia por 4 a 0 nesta terça-feira (29) e jogar como se estivesse no nível do mar, a Seleção Brasileira provou mais uma vez que tem sim plenas condições de ir longe na Copa do Mundo e competir contra os melhores times do planeta. E os números do escrete comandado por Tite nas Eliminatórias provam essa tese. Com a vitória em La Paz, o Brasil chegou aos 45 pontos (quebrando o recorde histórico da Argentina de Marcelo Bielsa). São 14 vitórias e três empates (sem contar a partida adiada contra a Albiceleste), 40 gols marcados e apenas cinco sofridos. Fora isso tudo, nomes como Bruno Guimarães e Gabriel Martinelli estiveram muito bem e mostraram que tem bola para estar no grupo que vai tentar o sexto título mundial no Catar no final do ano.
Excelentes marcas para uma seleção muito difícil de ser batida e que tem um padrão muito claro de jogo. E isso é mérito de Tite e sua comissão técnica. Este que escreve sempre repetiu que é plenamente possível não gostar do trabalho do treinador ou ter preferência por um estilo mais solto e mais ofensivo. Mas é impossível não reconhecer os méritos do comandante da Seleção Brasileira ao longo deste ciclo. Ao mesmo tempo, é preciso dizer que o grande mérito de Tite nesses últimos meses foi ter rejuvenescido sua equipe com os jogadores que conquistaram o bicampeonato olímpico no Japão. Era o frescor que faltava para um time experiente, coeso, consistente e muito bem treinado, mas que ainda precisava ser mais envolvente, mais agressivo e muito menos previsível nas jogadas de ataque.
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Para o jogo desta terça-feira (29), Tite resolveu aproveitar as suspensões de Neymar e Vinícius Júnior para dar minutos para outros jogadores. O esquema tático variava do 4-2-3-1 para um 4-3-3 com Richarlison atacando o espaço da esquerda para dentro e Lucas Paquetá jogando mais centralizado e se comportando como um “falso nove” em determinados momentos. Mais atrás, Bruno Guimarães assumiu o papel de “maestro” da Seleção Brasileira jogando como o volante que vai de área à área armando o jogo e fechando seu setor nos momentos sem bola. Do outro lado, o técnico César Farías apostou numa espécie de 3-4-2-1 que abriu espaços generosos entre suas linhas (principalmente entre o trio de zagueiros e os volantes Hererra e Villarroel) e que só conseguiu levar perigo na base do “abafa”.
Ao invés da postura mais vertical e da conhecida pressão pós-perda, Tite apostou em linhas mais recuadas e num estilo mais cadenciado de jogo. Tudo para que a Seleção Brasileira sentisse o menos possível os efeitos da altitude de La Paz. Toques curtos e precisos, sem muita correria, muita organização defensiva e concentração para aproveitar as transições para o ataque. E nesse ponto, quem mais se destacava era Bruno Guimarães. O melhor em campo (na humilde opinião deste que escreve) aproveitou demais a sua chance como titular com uma dinâmica muito boa na saída de bola e muita inteligência na ocupação dos espaços. Era bastante comum ver o volante do Newcastle pisando na área e participando de todas as jogadas.
Como a do primeiro gol da Seleção Brasileira, marcado por Lucas Paquetá. O início da jogada nos mostra que o volante Villarroel não acompanha Bruno Guimarães quando este recebe o passe já na intermediária. E nesse ponto vemos toda a organização ofensiva trabalhada por Tite para que o talento “resolva as coisas”. Richarlison e Antony abrem o campo e arrastam a marcação e abrem o espaço onde Lucas Paquetá se projeta para receber o passe de Bruno Guimarães antes de deslocar o goleiro Rubén Cordano. Tudo bem que a Bolívia contribuiu demais ao conceder tanto espaço entre suas linhas, mas o Brasil soube aproveitar cada pedaço do campo e dosou bem o fôlego na altitude para conquistar o resultado positivo.
Com o placar aberto aos 23 minutos do primeiro tempo, a Seleção Brasileira se organizou em campo, baixou um pouco mais as suas linhas para ganhar e guardar fôlego e aproveitou bem a afobação do escrete boliviano. Richarlison fez o segundo aos 44 minutos após cruzamento de Antony. Aliás, o atacante do Ajax é um dos que mais aproveitou as chances recebidas de Tite. Por mais que se saiba que Raphinha ainda é o titular da equipe, o camisa 18 manteve o nível dos Jogos Olímpicos e se transformou em excelente opção para abrir defesas mais organizadas e dar mais força e velocidade pelos lados. Exatamente como Gabriel Martinelli fez quando entrou no lugar de um desgastado e discreto Philippe Coutinho já no segundo tempo.
Este que escreve já falou sobre o atacante do Arsenal numa outra oportunidade aqui mesmo neste espaço. E ele mostrou para Tite que pode sim fazer parte do grupo que vai disputar a Copa do Mundo. O camisa 19 foi importante ao dar mais consistência para a marcação na saída de bola da Bolívia e também contribuiu muito nos principais lances de perigo da Seleção Brasileira no segundo tempo. Foi Gabriel Martinelli quem roubou a bola no lance do golaço de Bruno Guimarães e foi Gabriel Martinelli quem deu mais consistência para o lado esquerdo de ataque do escrete canarinho. Mesmo sem ter balançado as redes, foi importante para abrir espaços e bagunçar a já bagunçada defesa boliviana com boas arrancadas.
Outro que merece destaque pela atuação segura é o goleiro Alisson. É compreensível que alguns jogadores tenham se sentido desconfortável na altitude de 3.700 metros de La Paz e que a Bolívia tenha aproveitado esses momentos de mais cautela da Seleção Brasileira para pressionar e criar chances de gol. Foi aí que o goleiro do Liverpool se destacou com grandes defesas em cabeçada de Marcelo Moreno e chute de Ramiro Vaca que desviou em Marquinhos. Ainda haveria tempo para Richarlison aproveitar cruzamento de Bruno Guimarães e tocar para o gol vazio aos 45 minutos da segunda etapa. Um placar que “atende aos desejos” de Marco Etcheverry, que criticou Tite após falar dos problemas de se jogar na altitude. Ele pediu quatro gols e a Seleção Brasileira simplesmente entregou aquilo que “El Diablo” queria.
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Ainda é difícil entender como alguns colegas de imprensa criticam tanto o trabalho de Tite e o futebol da Seleção Brasileira. Por mais que alguns mais velhos tenham o timaço de 1970 como referência, precisamos sempre lembrar que o contexto é completamente diferente. Joga-se muito mais do que há cinquenta anos e que o velho e rude esporte bretão mudou muito de lá para cá. A sua essência continua a mesma, mas ele é influenciado por uma série de fatores que vão desde a preparação física até o profissionalismo que ainda não existia naqueles tempos mais românticos. Além disso, estamos vendo uma Seleção Brasileira mais jovem e mais focada nas orientações de Tite. Aquela “Neymardependência” já passou e estamos vendo vários jogadores chamando e dividindo a responsabilidade dentro de campo.
A goleada sobre a Bolívia também deixa a certeza de que opções não faltam para a Seleção Brasileira. Bruno Guimarães e Gabriel Martinelli foram muito bem na noite desta terça-feira (29). Mas ainda há Antony, Vinícius Júnior, Raphinha, Fred, Éder Militão, Alex Telles, Richarlison, Éder Militão e vários outros ainda jovens, porém incrivelmente talentosos jogadores. Não há como não se empolgar com o futuro do escrete canarinho.