Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a atuação dos comandados de Diego Simeone contra o Manchester United de Ralf Rangnick e Cristiano Ronaldo
Há quem diga que Diego Simeone é um treinador sem repertório, retranqueiro ao extremo e outros adjetivos impublicáveis. É plenamente possível gostar ou não gostar do trabalho do argentino à frente do Atlético de Madrid. Mas é preciso ter muito respeito para com um trabalho duradouro e que se renova a cada dia. Além disso, a vitória sobre um Manchester United completamente desarrumado, sem brilho e com um Cristiano Ronaldo tendo que se desdobrar em campo também nos deixa a certeza de que não é pecado nenhum admirar um sistema defensivo bem organizado e altamente comprometido com a proposta do seu treinador. Há muita beleza no modo como qualquer equipe se defende e freia o ímpeto ofensivo de adversários (em tese) mais fortes. Exatamente como o incansável Atlético de Madrid fez na partida disputada nesta terça-feira (15), em Old Trafford (o “Palco dos Sonhos”).
É preciso reconhecer também que Diego Simeone foi muito feliz na escolha da estratégia para a partida decisiva contra o Manchester United. A começar pelo 3-1-4-2 bem organizado e que trabalhava a bola desde o trio de zagueiros com passes curtos para abrir espaços numa defesa frágil e sem consistência. Nesse ponto, o papel exercido por Llorente e Renan Lodi (este último o autor do gol da vitória dos Colchoneros) era fundamental. Enquanto os alas se transformavam na válvula de escape da equipe espanhola, o trio de meio-campo controlava a posse da bola e a velocidade das jogadas quando necessário. Mais à frente, Griezmann e João Félix se movimentavam bastante e exploravam bem a lentidão e o posicionamento ruim dos zagueiros Varane e Maguire. Principalmente o capitão dos Red Devils, sempre atrasado nos botes e com péssimas tomadas de decisão.
Do outro lado do campo estava um Manchester United completamente dependente dos gols de Cristiano Ronaldo, da criatividade de Bruno Fernandes e da velocidade de Elanga e Jadon Sancho pelos lados do campo. No entanto, apenas o brasileiro Fred (um dos poucos que conseguiram se salvar da péssima atuação coletiva da equipe inglesa) conseguia produzir alguma coisa no meio-campo dos Red Devils. Isso porque o Atlético de Madrid fechava muito bem a entrada da sua área e concedia poucas chances de gols. E quando os Red Devils venciam essa linha de marcação, o goleiro Oblak salvava o escrete colchonero com defesas providenciais. Não foi difícil perceber que a confiança do time comandado por Ralf Rangnick ia diminuindo a cada ataque desperdiçado. E o belo gol marcado por Renan Lodi após cruzamento de João Félix da direita só piorou esse cenário.
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O escrete comandado por Diego Simeone tinha uma maneira bem específica de controlar o jogo quando tinha a posse. Mas o “pulo do gato” estava no trabalho defensivo realizado por todos os jogadores em campo. O tal 3-1-4-2 se transformava num 5-3-2 de muita compactação e muita intensidade na marcação quando o Atlético de Madrid não tinha a bola. E é aí que mora toda a beleza desse estilo. O frame abaixo mostra o moçambicano Reinildo para a pressão no meio-campo junto de Héctor Herrera e De Paul para cobrir o espaço deixado por Koke (que estava mais próximo de João Félix). Percebendo o buraco na esquerda, Renan Lodi fechou o corredor pelo seu lado. Do outro lado, Griezmann fechou as descidas de Sancho e Alex Telles. O posicionamento dos jogadores poderia não ser o inicial, mas a organização defensiva dos Colchoneros permanecia a mesma.
Vale destacar também todo o trabalho realizado por Griezmann e João Félix sem a bola. Os dois fechavam o espaço de Fred e Bruno Fernandes por dentro e exerciam a primeira pressão em cima do Manchester United. Não foi por acaso que Ralf Rangnick resolveu abrir sua equipe na segunda etapa. Matic, Cavani, Pogba, Rashford e Mata foram para o jogo, mas não conseguiram mudar o panorama. E para se ter uma ideia do tamanho da eficiência do plano de Diego Simeone, Cristiano Ronaldo terminou a partida sem conseguir finalizar uma vez sequer a gol. Na prática, o craque português terminou sua participação na Liga dos Campeões como o jogador que percorreu a maior distância no torneio. Mais um sinal de que a equipe inglesa não funcionou em termos coletivos. A maior prova desse domínio técnico e tático do Atlético de Madrid está nos números da partida.
🆚| #ManUAtleti 0-1 | AGG: 1-2
⚽️| Renan Lodi
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📊 Estatísticas:📈 Posse: 60% – 40%
👟 Finalizações: 11 – 8
✅ Finalizações no gol: 5 – 3
🛠 Grandes chances: 1 – 1
☑️ Passes certos: 478 (83%) – 286 (74%)💯 Notas SofaScore 👇 pic.twitter.com/YXnQzMEOBd
— Sofascore Brazil (@SofascoreBR) March 15, 2022
Admirar e exaltar uma equipe que sabe fazer um bom trabalho defensivo, que anula as chances do seu adversário e que ainda coloca uma intensidade altíssima nas suas transições para o ataque não é nenhum crime de heresia contra a “santidade do futebol-arte”. O velho e rude esporte bretão permite que times completamente diferentes entre si como o Liverpool de Jürgen Klopp, a Internazionale de José Mourinho, o Barcelona de Pep Guardiola e o Atlético de Madrid de Diego Simeone sejam admirados da mesma forma. Cada um tem seu estilo, cada um tem suas características específicas e cada um tem sua história. Mas todos eles trazem uma nuance diferente do futebol. E o escrete colchonero merece sim estar entre os grandes pela forma com que tem superado seus adversários. Tal como fez com o Manchester United nesta terça-feira (15).
Não é pecado nenhum admirar o trabalho de Diego Simeone ou qualquer equipe que adota uma postura mais pragmática. A discussão “futebol bonito x futebol de resultados” não se aplica aqui. A beleza do jogo não está em atacar mais ou menos. Ela está na adaptação de um time ao contexto que lhe é apresentado e na eficiência com que consegue executar o plano de jogo proposto pelo seu treinador. Exatamente como o Atlético de Madrid jogou na já histórica vitória sobre um estrelado e acuado Manchester United.