Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a atuação dos “Leões de Teranga” contra o Egito no jogo que decidiu o título mais importante da África
O velho e rude esporte bretão é riquíssimo em histórias. Vitórias doces, derrotas amargas, eliminações doídas e títulos inesquecíveis. E algumas dessas histórias também tratam de redenção e resiliência. A conquista da Copa Africana de Nações pela equipe de Senegal numa batalha épica contra o aplicadíssimo time do Egito se encaixa em todos os casos relatados anteriormente com o “pequeno” adendo de que estamos falando de algo completamente inédito para a equipe comandada por Aliou Cissé. E não é só isso. A redenção de Sadio Mané, melhor jogador da competição e grande referência dos “Leões de Teranga”, também será lembrada por muito tempo por todos aqueles que amam o futebol. Desperdiçar uma penalidade no tempo normal, manter a concentração durante todos os 120 minutos de partida e ainda ter peito para fechar a sequência de cobranças na marca de cal é para poucos.
🇸🇳 𝗖𝗛𝗔𝗠𝗣𝗜𝗢𝗡𝗦 𝗢𝗙 𝗔𝗙𝗥𝗜𝗖𝗔 🇸🇳 #TeamSenegal CLAIM THEIR FIRST-EVER #TotalEnergiesAFCON TITLE 🤩
HISTORY WRITTEN BY THE #AFCON2021 LIONS OF TERANGA 🦁 #TotalEnergiesAFCON2021 | @Fsfofficielle pic.twitter.com/YbEnudEvmF
— CAF (@CAF_Online) February 6, 2022
A grande verdade é que existem coisas que transcendem a tática e os números numa partida de futebol. E é isso que permite que uma equipe possa ser chamada de histórica. Senegal fez uma bela campanha na Copa Africana de Nações, oscilou como toda seleção oscila num torneio de “tiro curto”, mas recuperou a consistência a tempo para levantar o troféu continental. Foram quatro vitórias e dois empates até a grande decisão contra o Egito de Mohamed Salah, Mohamed Elneny e do goleiraço Gabaski. Aliás, é preciso dizer que o camisa 16 dos “Faraós” foi fundamental quando exigido e ainda começou a decisão a todo vapor defendendo a penalidade cobrada por Sadio Mané logo aos sete minutos do primeiro tempo.
É interessante notar que as duas seleções ainda se estudavam no momento em que Saliou Ciss escapou pela esquerda e foi derrubado dentro da área pelo zagueiro Mohamed Abdelmonem. Se a penalidade fosse convertida, a história da decisão da Copa Africana de Nações seria completamente diferente. Ainda mais quando Egito e Senegal jogavam num 4-3-3 bastante semelhante. Os “Leões de Teranga” buscavam fechar o lado direito com Ismaïla Sarr e tinham em Sadio Mané (que sentiu bastante a penalidade desperdiçada) a sua grande referência técnica. Já os Faraós faziam o mesmo com Mohamed Salah saindo da direita para dentro e com Omar Marmoush ajudando a fechar uma segunda linha pelo lado esquerdo.
Vale ressaltar aqui que o escrete comandado por Carlos Queiroz ganhou mais confiança após a penalidade perdida por Mohamed Salah e começou a se arriscar mais no ataque. E se o Egito tinha Gabaski no gol, Senegal tinha Edouard Mendy. O melhor goleiro do mundo fez a diferença justamente em duas jogadas de Salah saindo da direita e buscando o chute de perna esquerda. Mas a impressão que ficava para este que escreve é a de que os “Faraós” não tinham lá um grande repertório de jogadas de ataque. Tudo dependia do talento enorme do camisa 10 num 4-3-3 que deixava alguns espaços entre as suas linhas e pouco fechava o campo de ação de Sadio Mané. O ótimo Elneny aparecia com frequência pela direita e ajudava a fechar aquele setor. Mas estava bem claro que o Egito precisava de mais velocidade e de alguém que fizesse companhia a Salah no último terço. Ainda mais com Koulibaly e Diallo em grande noite.
Aos poucos, Senegal foi se reencontrando na partida e impondo seu estilo em cima de um Egito ainda dependente demais de Salah. E ao contrário do seu adversário, os “Leões de Teranga” não eram uma equipe de “uma jogada só”. Idrissa Gueye pisava na área com frequência, os laterais Ciss e Bouna Sarr apareciam com frequência no ataque para dar amplitude às jogadas ofensivas e o centroavante Famara Diédhiou foi tormento constante para a zaga egípcia. Por mais que Sadio Mané fosse a referência técnica do escrete senegalês (e nunca poderia ser diferente), os comandados de Aliou Cissé tinham mais repertório e mais opções do que o Egito. Isso ficou bem claro para este que escreve durante todo o jogo.
É interessante notar que Senegal foi conseguindo levar vantagem nos duelos físicos aos poucos. Principalmente quando colocava mais intensidade nas suas transições e explorava a marcação mais frouxa do Egito pelos lados do campo. Só que aí entrava a queda na confiança de Sadio Mané após a penalidade perdida. Numa das melhores chances do segundo tempo, Pape Gueye escapou pela direita às costas de Ahmed Fatouh e cruzou rasteiro para dentro da área. Famara Diédhiou dividiu com a zaga e a bola sobrou para o camisa 10, mas Gabaski conseguiu se recuperar com outra grande defesa. Por mais que criasse chances, Senegal sentia falta do seu principal jogador para “colocar a bola na casinha”.
O tempo extra nos mostrou duas equipes completamente extenuadas e os goleiros Mendy e Gabaski trabalhando bastante. O desgaste físico parecia muito mais presente no Egito, que disputava a sua quarta prorrogação seguida, fato que fazia com que o cenário descrito acima (as bolas longas para Salah brigar contra os zagueiros adversários) ficasse ainda mais claro. Do outro lado, Senegal aproveitava o fôlego trazido pelas entradas de Papa Gueye, Ahmadou Bamba Dieng e Boulaye Dia para pressionar ainda mais os “Faraós” na busca daquele que poderia ser o gol do título inédito. A essa altura, o Egito já marcava muito mal e deixava espaços na frente da sua área. Por mais que Ciss conseguisse levar vantagem sobre Emam Ashour nas jogadas de linha de fundo, Gabaski estava lá para garantir o empate e levar a decisão da Copa Africana de Nações para a marca de cal. Mas a redenção estava vindo.
Mas as penalidades também marcaram a redenção de Sadio Mané. Difícil não lembrar da cena do pênalti perdido no início da partida quando o camisa 10 parou no goleiro egípcio. E tinha que ser justamente do maior nome de Senegal o gol do título inédito da Copa Africana de Nações. Não era somente a redenção de um dos maiores jogadores do mundo, mas o prêmio para uma equipe que se manteve fiel ao seu estilo de jogo, foi melhorando no decorrer da competição e ainda apresentou um repertório interessante de jogadas de ataque. Aliás, os “Leões de Teranga” não se resumem a Mané. Há a firmeza de Koulibaly e Diallo na zaga, a segurança de Edouard Mendy no gol, a dinâmica de Idrissa Gueye no meio-campo e a polivalência de Famara Diédhiou no ataque. Fora outros jogadores valiosos e que cumpriram muito bem o planejamento de Aliou Cissé. Estamos falando de um grande time e de um ótimo trabalho.
O futebol sempre nos reserva grandes histórias. E a fibra de Senegal durante os 120 minutos mais tensos da história do seu selecionado e a redenção de Sadio Mané vão ser lembrados por muito tempo por todos aqueles que amam o velho e rude esporte bretão. E isso tudo diante de um Egito que caiu de pé e mostrou que também faz parte do grupo de grandes seleções do continente. A incrível saga dos “Leões de Teranga” só comprova como o nosso querido “ludopédio” pode ser maravilhoso.
Em tempo: apenas imaginem como serão os duelos entre egípcios e senegaleses no próximo mês de março. É a vaga na Copa do Mundo que estará em jogo. Sadio Mané ou Mohamed Salah. Apenas um deles vai estar no Mundial do Catar. A saga da Copa Africana de Nações terminou, mas existem outras para serem apreciadas e lembradas no futuro.