Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira destaca as escolhas de Pia Sundhage e a atuação brasileira na derrota para a França neste sábado (19)
Precisamos reconhecer que a Seleção Feminina fez sim um bom jogo contra a forte equipe da França no Estádio Michel D’Ornaho, em Caen. Ao mesmo tempo, é preciso ter uma má vontade absurda com Pia Sundhage e sua comissão técnica para não enxergar toda a evolução técnica e tática do escrete canarinho nesses últimos meses. Dito isto, por mais que o Brasil tenha competido e criado vários problemas para a equipe comandada por Corinne Diacre, o jogo deste sábado (19) nos mostrou que a treinadora sueca está coberta de razão quando insiste que suas jogadoras precisam de imposição física para jogar em alto nível. A ausência dessa característica acaba provocando outros problemas, como as falhas na cobertura defensiva (principalmente pelo lado esquerdo) e os “apagões” das jogadoras nos momentos decisivos da partida. Tanto no ataque como na defesa.
Ver essa foto no Instagram
Na prática, também é possível dizer que a Seleção Feminina está numa espécie de “fase de maturação”. Pia Sundhage tem um sistema de jogo muito bem definido e suas jogadoras parecem cada vez mais adaptadas aos seus conceitos. Ao mesmo tempo, há uma consciência coletiva no escrete canarinho e um entendimento muito claro do que cada uma das jogadoras precisa fazer com e sem a bola. É por isso que Pia bate tanto na tecla da imposição física. Há talento, há organização tática, há variações na formação tática (como veremos mais à frente), mas falta igualar as principais seleções do mundo na questão física. E o jogo contra a França deixou todo esse cenário muito claro para todos nós.
Isso porque Debinha e Marta (principalmente a camisa 9 da Seleção Feminina) sofreram demais para se livrar da forte marcação da zaga francesa. As duas formavam a dupla de ataque do costumeiro 4-4-2/4-2-4 de Pia Sundhage e recuavam a todo momento para abrir espaços para as entradas de Kerolin e Ary Borges em diagonal na direção da área. O pênalti que originou o único gol brasileiro surgiu justamente de uma das únicas vezes em que a Seleção Feminina acertou a troca de passes na intermediária ofensiva. Mesmo assim, o Brasil partia muito mais para a “trocação” do que cadenciava o jogo. A França, por sua vez, pressionava bastante a portadora da bola e não dava sossego para as brasileiras.
A Seleção Feminina não conseguiu segurar a vantagem no placar por muito tempo e acabou sofrendo o empate praticamente no lance seguinte em gol marcado pela ótima Katoto em falha coletiva da defesa brasileira. Principalmente da goleira Lelê que apenas olhou Rafaelle proteger a bola. Mas estava bem claro que o nível de intensidade da França incomodava demais a equipe comandada por Pia Sundhage. Não somente por conta da pressão na saída de bola brasileira, mas pelo conjunto da obra. Por mais que a Seleção Feminina conseguisse chegar no ataque, ainda nos falta a imposição física para vencer esses duelos pelos lados do campo e impor nosso jogo. Não foram poucas as vezes em que Antônia não teve com quem jogar por conta da marcação encaixada da França em todos os setores. E essa pressão só pode ser vencida com movimentação e intensidade. É o que nos falta.
Na prática, essa diferença na imposição física era o grande motivo da desorganização defensiva do Brasil por motivos simples. Quando olhamos para o lado direito de ataque da França, vemos Diani (uma das melhores em campo) levar ampla vantagem sobre Tamires nos duelos físicos. Com a camisa 6 da Seleção Feminina vencida, Rafaelle precisava abandonar sua posição e fechar o setor. Só que isso abria um buraco na defesa que precisava ser coberto por Luana. Só que ela abria outro buraco no meio-campo e assim por diante. É sempre bom lembrar que o futebol é um esporte de “cobertor curto” e caracterizado pelo controle de cada pedaço do campo. Cada ação tomada tem uma consequência. É simples.
O gol da virada da França surgiu justamente no momento em que Pia Sundhage preparava as entradas de Duda, Ludmila e Adriana. É possível falar que as três deveriam ter entrado logo depois do intervalo, mas é preciso dizer também que nenhum das jogadoras que entrou no jogo conseguiu acompanhar o ritmo alucinante das francesas. E por mais que Pia Sundhage tenha testado Marta jogando um pouco mais recuada no segundo tempo (numa variação para um 4-2-3-1 e para um 4-4-1-1), a Seleção Feminina seguia sofrendo demais para segurar Baltimore, Katoto e Malard. Principalmente quando o escrete de Corinne Diacre usava os lados do campo. As falhas na cobertura defensiva eram visíveis.
Apesar de todas as dificuldades, a Seleção Feminina incomodou bastante a equipe francesa e poderia ter saído de campo com um resultado melhor se não fossem as falhas do sistema defensivo nos dois gols de Katoto. Primeiro por conta do “deixa que eu deixo” envolvendo Rafaelle e Lelê. E depois por todos os problemas ocasionados pelas dificuldades de Tamires na marcação de Diani pelo seu setor. Aliás, o lado esquerdo da defesa da Seleção Feminina vem sendo o grande “mapa da mina” de todas as adversárias da equipe. Está bem claro que a camisa 6 tem sim problemas na marcação por uma série de fatores e toda a intensidade colocada pela França no seu setor deixou tudo isso muito mais evidente para todos nós. Tamires pode fazer a diferença num Corinthians que sobra no continente sul-americano. Mas o contexto encontrado na seleção é completamente diferente.
Ver essa foto no Instagram
Podemos questionar algumas das escolhas de Pia Sundhage nas convocações e nas formações escolhidas para a Seleção Feminina. Mas a treinadora sueca está coberta de razão quando bate na tecla da imposição física. Se o Brasil mostrou muita maturidade contra a Holanda e as jogadoras provaram que estão assimilando muito bem os conceitos trabalhados nos treinamentos, a derrota para a França (mesmo com a boa atuação no contexto geral) escancarou essa diferença na questão física. Temos talento, temos um plano de jogo, mas ainda nos falta igualar as principais seleções do planeta nesse quesito. Não foi por acaso que as jogadoras brasileiras cansaram tanto no segundo tempo. E a consequência dessa falta de imposição física se reflete na atuação do sistema defensivo e nas falhas individuais percebidas ao longo de toda a partida disputada neste sábado (19). Tudo está interligado. Só não vê quem não quer.
O único “porém” deste que escreve está nas poucas variações na formação utilizada por Pia Sundhage. É óbvio que o pouco tempo de treinamento indica a necessidade de se assimilar os conceitos e de se trabalhar todos eles em cima de uma formação inicial (no caso, o 4-4-2 costumeiro de Pia). Por outro lado, seria muito saudável ver outros desenhos táticos que acomodariam melhor os talentos à disposição da treinadora sueca. Até para que se encontre alternativas dentro de campo quando for necessário.