Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa as escolhas de Antonio Mohamed e Paulo Sousa no ótimo jogo disputado na Arena Pantanal
Atlético-MG e Flamengo nos presentearam com o melhor jogo da temporada até o momento. Viradas, ótimas atuações individuais, muito trabalho tático por parte dos dois treinadores, emoção com bola rolando e (principalmente) na decisão por pênaltis. Mas a grande lição que fica dessa eletrizante Supercopa do Brasil é algo repetido desde os tempos de Fergus Suter: não se pode NUNCA dar chance ao azar. Os comandados de Paulo Sousa sentiram isso na pele. Primeiro no tempo normal com pelo menos quatro boas oportunidades de balançar as redes. E depois com as quatro penalidades desperdiçadas antes de Vitinho parar em Everson. Valeu pelas fortes emoções de um título que merece muito mais atenção por parte da CBF e pela certeza de que Fla e Galo (muito bem comandado por Antonio “El Turco” Mohamed) têm tudo para fazer uma grande nesse importante ano de 2022.
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No entanto, por mais difícil que seja, é preciso deixar um pouco a paixão e a aliviar um pouco o peso da análise de uma decisão disputada logo no início da temporada. Isso porque tanto Paulo Sousa (que vem sendo bastante criticado por jornalistas e torcedores) e Antonio “El Turco” Mohamed ainda estão implementando seus conceitos em Flamengo e Atlético-MG respectivamente e buscando que os jogadores compreendam e executem suas ideias com o máximo de perfeição. Esse processo demanda tempo e paciência por parte de todos os envolvidos. O grande erro de boa parte da imprensa esportiva é comprar o discurso “apaixonado” do torcedor e tratar as exceções como regra dentro desse esporte caótico chamado futebol.
É bem provável que os dedos estivessem apontados para Antonio Mohamed se o Flamengo tivesse conquistado o tricampeonato da Supercopa do Brasil. Aliás, não seria surpresa se Paulo Sousa fosse apontado como o “sucessor” de Jorge Jesus em caso de vitória rubro-negra nesse domingo (20). Só que eu e você sabemos muito bem que o “se” não joga e que o debate sobre o jogo precisa ir muito mais além do resultado em si, do discurso travestido de “paixão” e do engajamento nas redes sociais. Há erros e acertos completamente naturais em dois trabalhos que ainda não passaram de um mês de duração. É por isso que contextualizar as coisas se faz tão necessário na análise desse jogaço entre Atlético-MG e Flamengo.
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Dito isto, é preciso dizer que nós vimos uma partida de altíssimo nível. Sem Zaracho (talvez o jogador mais importante do Galo em 2021 dentro do âmbito tático), “El Turco” apostou na entrada de Savarino e Nacho Fernández num 4-2-3-1/4-1-4-1 no Atlético-MG. Hulk ganhava a companhia dos pontas e dos volantes sempre que Godín recebia a bola na intermediária e iniciada as jogadas de ataque. Do outro lado, o Flamengo jogava na formação preferida de Paulo Sousa. Filipe Luís fazia o trio de zagueiros com David Luiz e Fabrício Bruno, Rodinei e Everton Ribeiro eram os alas, Willian Arão e João Gomes (um dos melhores em campo junto com Hulk e Jair na humilde opinião deste que escreve) protegiam a defesa e Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabigol se movimentavam bastante no terço final para abrir espaços e pisar na área. Um 3-4-2-1 com a bola e um 4-4-2 sem ela.
O primeiro tempo da partida em Cuiabá nos mostrou um Flamengo bem organizado na maior parte das vezes e que pressionava bastante a saída de bola do Atlético-MG com João Gomes, Arrascaeta, Bruno Henrique e Everton Ribeiro saltando a pressão e tirando o espaço de Allan e Godín na intermediária. No entanto, por mais que o escrete rubro-negro dominasse as ações e fosse empurrando o time de Antonio Mohamed para trás, faltava o básico: colocar a bola na “casinha”. Gabigol perdeu duas boas chances. Fabrício Bruno desperdiçou outra. Era o suficiente para o Galo ir se organizando, retomando a já conhecida concentração e encontrando os atalhos para chegar na área adversária. E eles existiam.
Por mais que Hugo Souza tenha falhado no gol de Nacho Fernández, os problemas começam mais atrás e mostram que o Flamengo precisa ter mais atenção e intensidade na marcação. Bruno Henrique e Arrascaeta vão em cima de Allan e deixam Jair e Guilherme Arana livres na intermediária. O camisa 13 tem tempo para acertar o corpo e fazer a finalização. Ao mesmo tempo, Rodinei fica sem saber o que fazer. Sair no encalço do adversário e abrir mais um buraco na defesa ou guardar seu posicionamento? Enquanto isso, Nacho Fernández se desgarra da marcação e avança para esperar o rebote que acaba acontecendo. O Atlético-MG abria o placar justo numa das primeiras vezes em que conseguiu sair da pressão do Flamengo. Detalhes importantes.
O Flamengo sempre conseguiu superar a marcação do Atlético-MG quando acelerou as transições e conseguiu tirar seu adversário da zona de conforto. O lançamento de Filipe Luís para Arrascaeta no lance do gol de Gabigol é um bom exemplo disso e também um dos pontos mais defendidos por Paulo Sousa: a velocidade nos contra-ataques. Mas foi o gol de Bruno Henrique (o da virada) que realmente encheu os olhos deste que escreve. Primeiro por conta da temporização que o garoto Lázaro dá no lance. Ele espera que todo o time se posicione e faz o passe para o camisa 27 no último instante. O veterano Godín acabou vencido no lance pela movimentação de Gabigol arrastando a marcação para a esquerda e abrindo o espaço para Bruno Henrique se lançar entre o uruguaio e Guilherme Arana. Houve sim o erro do zagueiro atleticano. Mas ele é provocado pela movimentação do ataque rubro-negro.
Há quem diga que Paulo Sousa errou ao sacar Bruno Henrique (lesionado) para a entrada de Diego Ribas. Mas é preciso deixar bem claro que o Flamengo tinha a tendência de diminuir o ritmo em alguns momentos. Não há nenhum problema nisso a não ser o fato de que os jogadores meio que perdiam a concentração em determinados lances. E isso foi bem visível nos nove minutos que separaram o segundo gol do Flamengo do empate do Atlético-MG. Vargas e Ademir entraram muito bem na partida e deram a movimentação que faltava ao time de Antonio Mohamed no segundo tempo. Ainda que Paulo Sousa tenha recuado demais o time com a entrada de Diego, o principal problema ainda estava no sistema defensivo.
Isso porque o escrete rubro-negro apresentava uma certa passividade na hora dos cruzamentos e ainda encontra certas dificuldades na marcação das bolas aéreas. Pontos que ainda precisam da atenção do treinador português nesse início de trabalho, mas que se mostraram fatais diante da qualidade do Atlético-MG. E o lance do segundo gol do Galo mostra bem isso. Vargas ataca o espaço às costas de Rodinei e escora o cruzamento de Ademir para o meio da área. Hulk protege a bola, ajeita o corpo e acerta um belo chute no ângulo. Aliás, a maneira como o camisa 7 “escondeu” a bola de Fabrício Bruno e Willian Arão é impressionante. Melhor para o escrete atleticano e pior para o Mais Querido do Brasil.
Mesmo tendo jogado melhor (na opinião deste que escreve), o Flamengo acabou punido pelas oportunidades desperdiçadas no tempo normal e (principalmente) na marca de cal. Aliás, é meio complicado colocar a culpa em Paulo Sousa, Diego Ribas ou Vitinho quando o time joga quatro MATCH POINTS no lixo. Méritos do Atlético-MG e de Everson, o grande herói do título da Supercopa do Brasil. O Galo teve mais concentração, mais frieza nos momentos decisivos, aproveitou melhor as chances que teve (apesar de também brincar com a sorte nas penalidades) e mostrou porque é a melhor equipe do país atualmente. O título dá uma certa tranquilidade para Antonio Mohamed seguir implementando seus conceitos no escrete atleticano. Por outro lado, mesmo com a derrota e mais um vice-campeonato, Paulo Sousa mostrou que o Flamengo evoluiu taticamente sob seu comando. Falta a subida de patamar.
Dar chance ao azar nunca foi uma boa ideia no futebol. E quando vemos o velho e rude esporte bretão cada vez mais estudado e pensado dentro e fora de campo, a concentração e o bom aproveitamento das chances criadas são fundamentais para que os resultados apareçam. O Atlético-MG entendeu bem isso e comemora o título da Supercopa do Brasil com toda a justiça. Ao Flamengo resta aprender com os erros, tirar as (muitas) coisas boas que a partida deixou e seguir trabalhando.
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