Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa todo o contexto desse animado confronto válido pelas oitavas de final da Copa Africana de Nações
O velho e rude esporte bretão já nos inúmeras vezes que os vencedores nem sempre são aqueles que vencem as partida ou levantam taças. Existem aquelas equipes que superam quase todo tipo de adversidade para tentar competir em alto nível em busca de uma vitória ou um título. A vitória de Camarões sobre Comores nesta segunda-feira (25) carrega um pouco de todos esses ingredientes. Com doze casos de COVID-19 no elenco e sem goleiros disponíveis, os Celacantos (que nome maravilhoso) entraram em campo com o lateral-esquerdo Chaker Alhadur improvisado no gol. Comores fez o que pôde e o que não pode para tentar aquela que seria uma vitória histórica em cima dos Leões Indomáveis. Uma pena que a equipe não teve pernas e acabou sucumbindo no final da partida. Mas é o tipo de coisa que merece sim ser exaltada por todos que amam esse negócio chamado futebol.
Chaker Alhadhur. That's it. That's the tweet. #TotalEnergiesAFCON2021 | #AFCON2021 | #TeamComoros pic.twitter.com/fw6boP5xm8
— CAF (@CAF_Online) January 24, 2022
A análise do jogo em si já estava prejudicada por conta dos inúmeros desfalques dos Celacantos e principalmente por conta da questão do goleiro da equipe. E como desgraça pouca é bobagem, logo aos sete minutos de partida, o árbitro etíope Bamlak Tessema Weyesa expulsou Nadjim Abdou (zagueiro e capitão de Comores) após entrada feia em cima do meia Moumi Ngamaleu. Mal houve tempo para se entender qual seria a estratégia do técnico Amir Abdou e seu 4-2-3-1 inicial diante dos donos da casa e principais favoritos ao título da Copa Africana de Nações. Ainda mais sabendo que o time de Camarões aproveitaram para subir as suas linhas logo depois que seu adversário ficou com um a menos em campo.
Só que estamos falando de uma daquelas partidas que vão ser lembradas por muito tempo. Principalmente por conta da valentia e da garra apresentada pela equipe de Comores. Os números do SofaScore nos mostram que os Celacantos não se intimidaram com o cenário amplamente desfavorável e conseguiram criar chances de gol. Com apenas 34% de posse de bola, Comores finalizou treze vezes (sendo qu sete chutes foram na direção do gol do ótimo goleiro André Onana). A organização do 4-4-1 adotado pela equipe comandada por Amir Abdou após a expulsão de Nadjim Abdou e a necessidade de tentar alguma coisa no jogo acabaram desprotegendo a linha defensiva. A jogada do primeiro gol de Camarões surgiu dessa maneira. Aos 29 minutos do primeiro tempo, o volante Martin Hongla roubou bola ainda na intermediária e iniciou o contra-ataque que resultou no gol de Toko Ekambi.
Os Leões Indomáveis, por sua vez, adotavam a postura que se esperava deles. Ocupação dos espaços no campo de ataque, pressão na saída de bola e alta velocidade nas trocas de passe. O grande problema, no entanto, estava na postura da equipe após o primeiro gol. Faltava um pouco mais de intensidade e de concentração nos jogadores para aproveitar os espaços concedidos por Comores na última linha defensiva. O segundo tempo veio e o cansaço pareceu bater mais forte nos Celacantos. Aos 25 minutos da segunda etapa, Martin Hongla (um dos melhores em campo na opinião deste que escreve) encontrou Aboubakar se lançando entre os zagueiros de Comores e fez o passe na medida para o camisa 10 dos Leões Indomáveis deslocar Chaker Alhadur e balançar as redes. A impressão que ficava era a de que o time de Amir Abdou não tinha mais pernas para segurar seu forte adversário.
Mas Comores não se entregou. O goleiro improvisado Chaker Alhadur (que já havia feito bela defesa em cabeçada de Aboubakar), protagonizou dois verdadeiros milagres seguidos após finalizações do mesmo Aboubakar e de Moumi Ngamaleu em sequência. Além disso, Ahmed Mogni, Youssouf M’Changama, Abdallah Ali Mohamed e El Fardou Ben deram alguns sustos em André Onana. E tudo isso usando o mesmo artifício que Camarões usou nos seus dois gols: o passe em profundidade às costas da defesa para um dos atacantes partir em velocidade. É verdade que a postura mais acomodada dos Leões Indomáveis após abrir dois gols de vantagem no placar também contribuiu para isso. Mas o que se via no Olembe Stadium, em Yaoundé, era uma verdadeira demonstração de valentia, aplicação tática e bravura por parte dos Celacantos. Será que o resultado seria outro num contexto mais favorável?
O golaço de Youssouf M’Changama colocou ainda mais gasolina na fogueira, mas já era tarde demais para Comores tentar uma reação e levar o confronto para a prorrogação. A vitória acabou ficando com Camarões, mas quem vai para a posteridade são os Celacantos. Difícil não imaginar que os Leões Indomáveis fossem aplicar uma sonora goleada no seu adversário depois de todo esse contexto complicadíssimo que envolve jogadores contaminados pela COVID-19, goleiro improvisado e uma expulsão aos sete minutos do primeiro tempo. Mas o que se viu no Olembe Stadium foi a certeza de que o esporte move montanhas e faz muita gente se superar diante das maiores adversidades. Chaker Alhadur fez o que pôde e o que não pôde diante do poderoso ataque camaronês. E Youssouf M’Changama tirou fôlego sabe Deus de onde para incomodar a seleção anfitriã da Copa Africana de Nações.
Comores nos mostrou como um gigante do futebol se comporta diante das adversidades. Poderíamos ver reclamações e acusações ao final da partida no Olembe Stadium. Mas a torcida dos Celacantos promoveu uma verdadeira festa e reverenciou seus jogadores após uma daquelas atuações que podemos chamar de históricas. Principalmente o goleiro improvisado Chaker Alhadur. No futuro vamos dizer que seu nome significa superação e valentia. E não é para menos.
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