Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira destaca o trabalho do treinador do Fluminense e tenta entender por que ele é tão pouco celebrado
A vitória sobre a Chapecoense na última quinta-feira (9) marcou a despedida de Marcão do comando técnico do Fluminense. De acordo com as informações que chegam de dentro do clube, a avaliação da diretoria é a de que “o time rendeu abaixo do esperado” mesmo garantindo presença na edição de 2022 da Copa Libertadores da América. Não é a primeira vez (e dificilmente será a última) em que Marcão é chamado para socorrer o Tricolor das Laranjeiras após a saída de um treinador, seja por uma proposta do exterior (caso de Odair Hellmann) ou demissão (como ocorreu com Roger Machado no final do mês de agosto). Em todas as ocasiões, o Fluminense mostrou organização, boas ideias de jogo, muita competitividade, ótimo aproveitamento da base e um jogo coletivo consistente. Diante disso, este que escreve tenta entender por que o trabalho de Marcão recebe tão pouco reconhecimento por parte da imprensa esportiva.
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É bem verdade que não estamos falando de um estrategista. Mas isso não quer dizer que o Fluminense de Marcão não tenha seus (muitos) pontos positivos. Tudo parte do seu 4-1-4-1 costumeiro que alia muita força na marcação, velocidade pelos lados do campo e movimentação constante em torno de Fred, a grande referência tática do escrete das Laranjeiras. Tomando a vitória sobre o Internacional no dia 24 de novembro, o camisa 9 e capitão tricolor podia até aparecer pelos lados do campo para ajudar na marcação, mas o desenho tático pouco mudava. Tudo era feito para que os pontas Caio Paulista e Luiz Henrique (mais uma grande joia do celeiro de talentos do Fluminense) tivessem espaço para atacar a última linha adversária em diagonal e com a chegada dos laterais e de pelo menos um dos volantes no campo ofensivo. A estratégia de Marcão tinha consistência e usava bem o contexto das partidas a seu favor.
De fato, o Fluminense oscilou demais na reta final do Campeonato Brasileiro e perdeu jogos que poderia ter vencido sem muitos problemas. Por outro lado, este que escreve lembra há algum tempo que o elenco tricolor apresenta um certo desequilíbrio em determinados setores. Roger Machado usava um 4-2-3-1 e construía o time em torno de Nenê e Fred, dois veteranos de muito trato com a bola, mas que combatem pouco. A mudança para uma trinca de volantes tem suas razões e a principal delas é o desejo de Marcão em reforçar o sistema defensivo. Além disso, Cazares vinha de altos e baixos e Ganso (que também não rendeu o esperado) se recupera de lesão séria no antebraço. Não restou outra alternativa senão apostar numa trinca de volantes formada por Yago Felipe, Wellington ou pelos jovens Calegari, André e Martinelli. Marcão ia usando as peças que tinha à disposição nessa caminhada rumo à Libertadores.
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Para o jogo decisivo contra a já rebaixada Chapecoense, Marcão abandonou um pouco seu 4-1-4-1 costumeiro e apostou num 4-2-3-1 mais nítido com Cazares jogando entre Jhon Arias e Luiz Henrique e Bobadilla no comando de ataque. Em determinados momentos, Martinelli avançava como um “quarto meia” e se alinhava com o equatoriano, enquanto Marlon abria o campo pela esquerda e Samuel Xavier aparecia um pouco mais por dentro. O objetivo aqui era claro: ocupar o campo de ataque e usar a velocidade dos jogadores de frente para bagunçar a (frágil) defesa da Chapecoense. Ainda que o sistema defensivo não tenha sido testado, Marcão mostrava que sua equipe seguia uma linha de pensamento bem clara. O problema estava no nervosismo dos mais jovens e nas oportunidades desperdiçadas. Os gols de David Braz e Luiz Henrique ajudaram o Fluminense a encontrar calma para construir a vitória diante de uma linda festa no Maracanã.
É preciso dizer também que o contra-ataque é um dos pontos mais fortes do Fluminense de Marcão. Sempre com a referência dando profundidade e arrastando a defesa para trás, um carregando a bola e outros dois jogadores abrindo o campo. No caso do terceiro gol sobre a Chapecoense, Abel Hernández era quem criava o espaço que o garoto Wallace atacava no lance. Ao mesmo tempo, Jhon Arias e Matheus Martins abriam o campo e não permitiam que a equipe catarinense fechasse os buracos na frente da área. Velocidade, intensidade e muita coordenação dos movimentos ofensivos. Pode parecer pouco para o exigente torcedor do Fluminense ou para boa parte da imprensa esportiva. Mas foi dessa forma que o Tricolor das Laranjeiras construiu boa parte dos seus gols nessa reta final de Campeonato Brasileiro. Além disso, estava mais do que claro que Marcão tinha uma ideia de jogo muito clara e consistente. Falta o reconhecimento disso.
Além de todo o trabalho tático (que alguns insistem em afirmar que não existe), Marcão também mostrava muito cuidado com os atletas mais jovens. Nomes como Luiz Henrique, Calegari, Martinelli, André, Matheus Martins, Wallace e vários outros ganharam minutos com o treinador tricolor e cresceram muito de produção com o convívio com os mais experientes. A boa gestão do grupo garantia a paz necessária para a montagem da equipe nas últimas rodadas do Brasileirão e o bom ambiente nos bastidores do clube (apesar de toda a pressão que eu e você conhecemos bem). Por mais que o time tenha oscilado em alguns momentos (assim como todos os que disputavam a competição), o trabalho de Marcão teve consistência e uma ideia muito clara do que ele queria dos seus jogadores. Além, é claro, de todo do encaixe das características dos atletas que tinha à sua disposição num Fluminense competitivo, coeso e altamente brigador.
Certo é que Marcão colocou o Tricolor das Laranjeiras na Copa Libertadores da América pela segunda vez seguida e correspondeu quando chamado para “apagar o incêndio” causado pelas decisões ruins da diretoria. A tendência é que ele não permaneça no comando técnico do time em 2022, mas fica aqui o registro. Precisamos reconhecer os méritos de um trabalho muito bem feito e que se adaptou ao cenário encontrado no elenco. Marcão merece mais respeito pelo que é e pelo que fez à frente do Fluminense.
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