Home Extracampo Anúncio da construção de um hotel de luxo no Pacaembu é mais uma evidência da elitização do futebol

Anúncio da construção de um hotel de luxo no Pacaembu é mais uma evidência da elitização do futebol

Quando o futebol deixa de ser prioridade na administração de um estádio, algo certamente está errado

Bruno Nunes
Colaborador do Torcedores

Quando o futebol deixa de ser prioridade na administração de um estádio, algo certamente está errado

 

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Desde que Bruno Covas assinou a concessão do Complexo do Pacaembu à iniciativa privada, muito tem se falado sobre os impactos que a outorga irá provocar em um dos maiores símbolos do esporte nacional.

 

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Segundo palavras de Mauro Munhoz, autor do projeto do Museu do Futebol, em entrevista à Folha, a proposta da Allegra Pacaembu – Concessionária que irá administrar o estádio pelos próximos 35 anos – não oferece interlocução com a cidade, nem com a história do local. Mauro aponta que as  intenções e modificações pretendidas pela concessionária  vão na contramão da popularização do esporte, que é o objetivo principal do complexo inaugurado em 1940. 

Mudanças na estrutura do Pacaembu.

A principal modificação prevista na estrutura do local foi a demolição do Tobogã – arquibancada de preços acessíveis – para a construção de um edifício de alto padrão. Segundo o CEO da empresa responsável, Eduardo Barella, no lugar da arquibancada será erguido um hotel de luxo com foco na música. O prédio contará com um restaurante na laje, um mercado gastronômico, uma galeria de arte, um Hub de inovação e um centro de recuperação física, além do hotel.  

 

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Barella disse à imprensa que o valor da diária no novo hotel, denominado UMusic Hotels, será variável de acordo com a demanda, mas que a intenção é buscar um público mais elitizado. O CEO usou como exemplo positivo o jogo entre Brasil e Colômbia, realizado na Neo Química Arena e que teve mais de R$ 7 milhões em bilheteria com um número modesto de torcedores. 

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“O jogo de Brasil e Colômbia foram 22 mil pessoas. Se fosse R$ 27 o tíquete médio [como era em média um jogo no Pacaembu], teria sido R$ 592 mil de renda. Na Arena Corinthians foi R$ 393 [o tíquete médio] e a bilheteria foi de R$ 7,9 milhões. Se fizéssemos aqui com 10 mil pessoas a R$ 27 e o restante a R$ 800, R$ 900, R$ 1.000, teria feito R$ 7 milhões de bilheteria. Eu te falo: tem público para isso”, afirmou Barella. 

 

O empresário ressaltou também que o estádio terá setores mais baratos, mas que também irá buscar o público que pode pagar muito mais.

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 “O cara que queria ter mais nível de hospitalidade não vinha no Pacaembu. Você não vai tirar quem pagava o ingresso mais barato. O torcedor que consegue bancar, ele vai bancar de verdade. Ele vai ficar no hotel, já casado com camarote, e o tíquete médio dele vai para R$ 1,5 mil”, projetou Barella.

 

O novo complexo está previsto para ser inaugurado em novembro de 2023. A Allegra Pacaembu pagou cerca de R$ 111 milhões pelo direito de gerir o local pelos próximos 35 anos, além desse valor, a concessionária está investindo mais R$ 400 milhões na modernização do complexo e na construção do novo prédio. 

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Planos de sócio torcedor e a extinção de setores populares nos estádios 

 

Quando o futebol deixa de ser prioridade na administração de um estádio, algo certamente está errado. Em release divulgado à imprensa, a Allegra Pacaembu tratou o empreendimento com o termo “hotel de luxo”, que nada tem haver com o propósito original do complexo esportivo. 

 

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As propostas deste consórcio são claras, não visam o lazer e a integração da população, que são o que de melhor podem oferecer os espaços públicos, e sim, o lucro  e a inauguração de mais um recinto para a alta classe paulistana frequentar, como fica evidente na projeção feita pelo Eduardo Barella, citada no começo desta reportagem.  Em contrapartida, o torcedor de baixa renda perde mais um espaço esportivo acessível. 

 

O torcedor mais pobre está sendo excluído gradativamente do ambiente dos estádios, seja pelos planos de sócio torcedor que condicionam a compra de ingressos à  frequência dos torcedores, seja pela ausência de espaços públicos acessíveis como o Tobogã ou a Geral do Maracanã. Duas das mais democráticas e populares arquibancadas do Brasil, que já não existem mais.

 

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Segundo pesquisa mais recente do Pnad/IBGE, a parcela mais pobre da população (cerca de 104 milhões de brasileiros) vivem com cerca de R$ 413  por mês. Em contrapartida, o custo médio para assistir um jogo do São Paulo, Corinthians ou Palmeiras, após a retomada do público nos estádios, gira em torno de R$ 50. O levantamento foi feito com base nos dados divulgados pelas equipes nos borderôs publicados no site da CBF.

 

Em 2019, antes do agravamento da pandemia,  o jornalista Paulo Vinícius Coelho publicou um artigo mostrando que a arrecadação com os  planos de sócio torcedor aumentaram 42%. Porém,  quem não possui condições de pagar pelo plano, acaba ficando sem opção de compra ou pior, acaba caindo nas mãos dos cambistas, correndo o risco de adquirir ingressos falsificados. No retorno do público à Neo Química Arena em São Paulo, dois cambistas foram presos com 20 ingressos falsos para a partida entre Corinthians x Bahia.

Por fim…

Tudo isso nos leva a crer que a falta de espaços públicos, de baixo custo, somado ao surgimento dos planos de sócio torcedor, elitizam cada vez mais o nosso futebol. O hotel que será erguido no lugar do antigo Tobogã é um retrato fiel dessa nova realidade. 

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