Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa as escolhas de Pia Sundhage para a disputa do Torneio Internacional de Manaus no final de novembro
A despedida oficial da gigante Formiga merece uma reportagem especial por conta da sua trajetória nos gramados e de tudo que uma das maiores jogadoras da história do futebol brasileiro representa. Dito isto, a lista de convocadas da Seleção Feminina para a disputa do Torneio Internacional de Manaus aponta para uma série de caminhos. Diante dos nomes escolhidos por Pia Sundhage para as partidas contra Índia, Venezuela e Chile, é possível concluir que as ideias dos amistosos contra Argentina e Austrália devem ser mantidas e que boa parte do grupo que esteve presente nas convocações anteriores deve ganhar mais oportunidades. Por outro lado, a treinadora sueca ainda deixa uma série de perguntas sobre a montagem da “nova versão” do escrete canarinho sem as devidas respostas. Pelo menos nesse início de ciclo e de uma reformulação (ainda que tímida) da Seleção Feminina visando a disputa da Copa América e a preparação para a Copa do Mundo de 2023. A competitividade aumentou. Mas ainda não o suficiente.
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A eliminação para o Canadá nos Jogos Olímpicos ainda está bem viva na memória do torcedor muito por conta da certeza de que todos nós tínhamos de que a Seleção Feminina poderia ter chegado muito mais longe. Ainda mais sabendo que nossas jogadoras impunham e impõe muito respeito. Quem viu as últimas partidas da equipe depois disso percebeu que Pia Sundhage vem procurando alternativas para encaixar as jogadoras no modelo de jogo que julga ser o mais adequado para sua equipe. O já costumeiro 4-4-2 com uma zagueira improvisada na lateral-direita (Bruna Benites) e Marta jogando pelo lado do campo se mostrou competitivo e fez com que a Seleção Feminina tivesse sim alguns bons momentos contra equipes (em tese) mais fortes. Caso da partida contra a Holanda, atual vice-campeã mundial, e em amistosos de preparação para as Olimpíadas. No entanto, a própria Pia Sundhage percebeu que se apegou demais a determinadas convicções. A eliminação nas quartas de final não deixa de ser consequência direta disso.
Este que escreve tem certeza absoluta de que as críticas foram ouvidas por Pia Sundhage e a comissão técnica da Seleção Feminina. É por isso que os amistosos contra a Argentina nos apresentaram o escrete canarinho numa configuração diferente. Ao invés de manter Marta pelo lado do campo, a nossa Rainha passou a ocupar mais a chamada “Zona 14”, o espaço à frente da área adversária, jogando quase como uma segunda atacante. Mas a grande mudança viria na segunda partida contra a Albiceleste. Sem a bola, a camisa 10 ficava um pouco mais à frente enquanto Nycole recuava para fechar a linha de três meias no 4-2-3-1/4-4-2 proposto por Pia Sundhage. A Seleção Feminina ganhou volume de jogo, mais profundidade no ataque (já que a atacante do Benfica tinha essa característica mais de força e vigor para arrastar as zagueiras) e mais consistência na defesa com a ótima atuação de Antônia na lateral-direita. Percebia-se aí, um caminho bem definido e bem claro de como a equipe passaria a jogar.
No entanto, a seríssima lesão de Nycole e antes da série de amistosos contra a Austrália fizeram com que Pia Sundhage retornasse ao 4-4-2 e fizesse mais testes na equipe. A atuação na primeira partida (derrota por 3 a 1) deixou uma impressão ruim por conta de uma série de motivos que envolvem as condições físicas das jogadoras e algumas escolhas da treinadora sueca. No jogo seguinte, eu e você vimos o time “titular” do Brasil falhar em vários aspectos e mostrar poder de reação no segundo tempo, justo num momento em que as Matildas diminuíram um pouco o ritmo e concederam espaços. Ao mesmo tempo, o lado esquerdo da Seleção Feminina se transformava na principal arma ofensiva e também no ponto mais fraco da equipe. Ainda que o tradicional 4-4-2/4-2-4 tenha se desdobrado numa espécie de 3-2-5 com o avanço de Tamires para junto do quarteto ofensivo. Ideia interessante, mas que ainda precisa de organização e de mais consistência na recomposição defensiva. Principalmente contra equipes mais fortes.
Diante de tudo o que se viu nas quatro partidas após a eliminação nos Jogos Olímpicos, é muito difícil não questionar Pia Sundhage sobre uma série de pontos defendidos por ela e sua comissão técnica na Seleção Feminina. O desejo da treinadora sueca por uma equipe mais “física” é plenamente compreensível (e louvável) diante do nível apresentado pelas principais seleções do planeta. O questionamento fica por conta de algumas escolhas baseadas nesse modelo de jogo. Tamires é realmente o melhor nome para a lateral-esquerda? Ainda mais sabendo que Yasmim vem de ótimas temporadas pelo Corinthians? Pia vai insistir no 4-2-3-1 com Marta mais à frente ou vai mudar o desenho tático? Se Antônia conquistou seu lugar, quem seria a lateral-direita reserva? Bruninha é mais jovem, mais promissora, mas não demonstra possuir o vigor físico pedido pela treinadora sueca. E ainda é preciso explicar a insistência em nomes como Kerolin, jogadora que ainda é uma promessa e que já tem a confiança plena da comissão técnica da Seleção Feminina.
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É bom que se diga sempre que, apesar de todos os questionamentos deste que escreve e de vários outros que produzem conteúdo sobre a modalidade, a Seleção Feminina voltou a ser competitiva depois de um longo e tenebroso inverno. Existe sim um planejamento, uma ideia clara de jogo sendo colocada em prática. Pode não estar próxima do ideal de futebol preferido pela maioria, mas ela se mostrou sim eficaz e vem potencializando talentos de jogadoras como Angelina (talvez o grande achado de Pia desde que começou seu trabalho), Adriana, Antônia e de várias outras jogadoras. Talvez esse seja o motivo pelo qual a eliminação nos Jogos Olímpicos tenha machucado tanto nossos corações. Dava pra ter ido mais longe com aquele grupo de jogadoras. Um novo ciclo se iniciou, algumas coisas mudaram, mas alguns questionamentos ainda seguem os mesmos. Principalmente quando eu e você sabemos que existem várias jogadoras (atuando no Brasil) que podem sim atender aos requisitos que Pia Sundhage tanto defende na Seleção Feminina.
Todo treinador tem suas “manias”, sua “assinatura”. E isso também acontece no futebol feminino. O grande problema é quando essas escolhas e essas convicções mais travam do que facilitam o trabalho com os atletas. Esse foi o grande problema nos Jogos Olímpicos e pode ser novamente a causa de uma campanha ruim no Torneio Internacional de Manaus e até mesmo na Copa América do ano que vem. Pia Sundhage sabe muito bem disso. É exatamente por isso que essa lista de convocadas, embora indique uma sequência importante para as atletas, ainda deixa muitas dúvidas na Seleção Feminina.
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