Visão de Franco Baresi sobre as seleções de 1982 e 1994 diz muito sobre a evolução do futebol brasileiro
No PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira contextualiza a opinião do craque italiano sobre os duelos entre Brasil e Itália nas Copas da Espanha e dos Estados Unidos
No PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira contextualiza a opinião do craque italiano sobre os duelos entre Brasil e Itália nas Copas da Espanha e dos Estados Unidos
Quem acompanhou o futebol internacional do final dos anos 1980 e da primeira metade da década de 1990 com certeza sabe quem é Franco Baresi. Trata-se “apenas” de um dos maiores zagueiros e um dos maiores líberos de todos os tempos. O italiano um dos pilares do histórico Milan de Arrigo Sacchi bicampeão da Liga dos Campeões da UEFA em 1988/89 e 1989/90 e esteve presente na conquista da Copa do Mundo de 1982 (como reserva) e titular na campanha do terceiro lugar em 1990 e do vice-campeonato em 1994. Esse mesmo Baresi esteve no Brasil no mês de setembro para participar da gravação da série documental Facing Fate e falou sobre a sua experiência como jogador, seu sucesso no Milan e a sua atuação histórica contra a Seleção Brasileira em 1994, vinte dias depois de passar por uma artroscopia e vários outros assuntos. Muitos deles ligados ao futebol brasileiro e à sua convivência com nomes como Aldair, Romário, Zico, Bebeto e outros grandes jogadores que passaram pelo futebol italiano..
https://www.youtube.com/watch?v=G7AGbc6cO0c
Foi nessa ocasião que Franco Baresi concedeu entrevista ao jornalista Luiz Felipe Castro, editor assistente da Revista Placar, e falou sobre sua carreira, a gravação do documentário e também sobre a Seleção Brasileira. Aos nove minutos e vinte segundos do vídeo acima, o craque italiano é questionado sobre a derrota da equipe comandada por Telê Santana para a Itália em 1982 no histórico jogo que ficou conhecido como a “Tragédia do Sarriá”. Baresi dá uma resposta interessante e ainda emenda uma comparação com a equipe que conquistou a Copa do Mundo de 1994 após bater a Squadra Azzzurra na disputa de penalidades.
Em 1982, você também teve o privilégio de assistir do banco aquela vitória da Itália sobre o Brasil.
Sim, assistir do banco à partida de 1982 foi uma experiência incrível. Eu era muito jovem e aquele Itália x Brasil foi uma bela surpresa. O Brasil era favorito, mas a Itália fez um grande jogo. E talvez o Brasil tenha nos subestimado um pouco.
Qual Brasil era o melhor? O de 1982 ou o de 1994?
Eram diferentes. O Brasil de 1982 talvez tivesse mais qualidade, mas a equipe de 1994 era muita sólida, mais forte…
Mais italiana?
É, mais europeia do que a de 1982.
Antes de mais nada, este que escreve sabe muito bem que qualquer tipo de comparação entre equipes com mais de dez anos de diferença entre elas precisa levar em consideração o contexto de cada época, os jogadores e mais uma porção de coisas. Por outro lado, essa declaração de Baresi sobre as seleções de 1982 e 1994 diz muita coisa sobre a evolução do futebol brasileiro e sobre algumas mudanças de abordagem do velho e rude esporte bretão aqui por essas bandas nesse período entre uma Copa do Mundo e outra. A ideia aqui não é eleger a melhor equipe dentre as comandadas por Telê Santana e Carlos Alberto Parreira, mas apenas contextualizar essa opinião de Franco Baresi sobre duas seleções que jogavam de maneiras muito diferentes, mas que eram igualmente competitivas. Cada uma a seu modo. Se a Seleção Brasileira de 1994 era mais “europeia” como o próprio craque italiano colocou, a de 1982 era mais “latina”, por assim dizer. Mais fluida e mais solta dentro de campo. Dava espetáculo, apesar de alguns problemas táticos.
O tal “gioco all’italiana” se chamava assim porque era a maneira como quase todas as equipes italianas jogavam naquele tempo. Incluindo a seleção nacional. Um líbero (o genial Gaetano Scirea), um lateral-direito defensivo (Claudio Gentile) chamado de “terzino marcatore” e um lateral-esquerdo altamente ofensivo (Antonio Cabrini) chamado de “terzino fluidificante”. O 4-4-2 da escalação inicial variava para um 3-5-2 ou até mesmo um 1-4-4-1 dependendo dos movimentos e do cenário que se apresentava para a equipe comandada por Enzo Bearzot. Na época com 22 anos, Franco Baresi era reserva na Seleção Italiana e viu de perto a empolgação dos brasileiros com o time de Zico, Sócrates, Falcão, Júnior e tantas outras lendas do nosso futebol. Todos os que viram aquela Seleção Brasileira em campo não economizam nos elogios. Isso até a “Tragédia do Sarriá”.
Quem é mais velho se lembra do “Zé da Galera”, personagem de Jô Soares e famoso bordão “Bota ponta, Telê!”, uma crítica bem humorada à formação escolhida por Telê Santana. Assim como Zagallo fez em 1970, o treinador tinha uma porção de craques à disposição e escolheu escalar todos no mesmo time, apostando num 4-2-2-2 de muito toque de bola e fluidez, mas que apresentava pontos fracos que foram muito bem explorados pela Itália. Ainda que o empate classificasse a Seleção Brasileira para as semifinais, o escrete de Telê Santana seguiu atacando e abrindo espaços. Principalmente pelo lado direito de defesa, onde Leandro não tinha a companhia de ninguém para perseguir Cabrini e Graziani. Fora isso, as falhas defensivas e o excesso de confiança acabariam sendo fatais. Exatamente como Franco Baresi colocou na entrevista à Revista Placar.
Jornalistas e torcedores tentaram entender o que aconteceu com a Seleção Brasileira em 1982. De fato, as vitórias contra Nova Zelândia, Escócia e Argentina davam sim a impressão de que o tetracampeonato mundial aconteceria. Conquista que só viria doze anos mais tarde com o time de Romário, Bebeto, Dunga, Branco, Taffarel e companhia. Ao contrário de Telê Santana, Carlos Alberto Parreira era fortemente criticado pelo estilo mais “europeu” da sua Seleção Brasileira e pela escalação de dois volantes na frente da última linha de defesa. As vitórias foram aparecendo e o time foi se ajustando até chegar à final contra uma Itália que havia abandonado o “gioco all’italiana” e jogava no mesmo 4-4-2 do histórico Milan de Arrigo Sacchi. Baresi voltava ao time depois de vinte dias se recuperando de uma artroscopia no joelho. E como o próprio já colocou, foi uma das maiores atuações individuais de um zagueiro em toda a história das Copas do Mundo. Ainda mais sabendo que o camisa 6 tinha a tarefa de marcar ninguém menos do que Romário.
Quando Franco Baresi afirma que aquela Seleção Brasileira era mais “europeia”, ele não faz uma crítica ao time de Parreira. É um elogio por conta da organização da solidez defensiva do escrete canarinho. Foram apenas três gols sofridos em toda a Copa do Mundo dos Estados Unidos, bom jogo pelas laterais com Jorginho e Branco (que assumiu a vaga no time depois da expulsão de Leonardo nas oitavas de final), a excelente visão de jogo de Dunga (talvez um dos volantes mais subestimados de todos os tempos) e a categoria de Bebeto e Romário decidindo lá na frente, talvez uma das maiores duplas de ataque que este colunista já viu. A Itália contava com a categoria de Roberto Baggio (que também jogava a decisão lesionado), a força de Donadoni e Albertini no meio-campo e quase toda a espinha dorsal de um Milan extremamente vitorioso e consistente.
Na prática, Parreira era um treinador mais cauteloso e mais pragmático do que Telê Santana. Mas as críticas sobre suas escolhas táticas chegam a ser risíveis diante do que a Seleção Brasileira apresentou em 1994. Ainda que a final tenha sido disputada num calor absurdo e só tenha sido decidida na disputa de pênaltis. O posicionamento de Mauro Silva e Dunga dava mais liberdade aos laterais, assim como o trabalho feito por Zinho e Mazinho pelos lados permitia que Bebeto e Romário pudesse decidir lá na frente. Como o fizeram várias vezes. Principalmente o camisa 11. E diante de tudo isso, os motivos pelos quais Franco Baresi afirmou que o time de 1994 era mais forte do que o de 1982. Não se trata de talento individual, mas de um jogo coletivo muito mais consistente e que permitia que os talentos aflorassem com mais facilidade.
Conforme colocado anteriormente, é muito complicado fazer comparações com times de épocas diferentes. O contexto deve ser levado em consideração em todas as análises possíveis. Por outro lado, ouvir as impressões e relatos de alguém que esteve presente em duas das partidas mais emocionantes da história das Copas do Mundo é uma agradável viagem ao passado onde encarávamos o futebol com um pouco mais de inocência. Franco Baresi traz no seu depoimento a visão de alguém que viu a evolução do futebol brasileiro em mais de uma década com a ida dos nossos jogadores para a Europa, a melhora na preparação física e todas as contribuições que essas trocas de experiências trouxeram para o velho e rude esporte bretão praticado aqui por estas bandas. Não é simples comparação. Até porque o estilo de jogo adotado nos Estados Unidos era completamente diferente daquele utilizado em 1982. A maior prova disso? A conquista do Mundial de Clubes pelo São Paulo em 1993 em cima do Milan de Franco Baresi. O técnico? Telê Santana.
O futebol pode evoluir e mudar muito em doze anos. A Seleção Brasileira aprendeu com as lições de 1982 e saiu vitoriosa em 1994 jogando um futebol que poderia não agradar a todos, mas que era absurdamente sólido e consistente. Mais “europeu”, como o próprio Franco Baresi afirmou em entrevista à Revista Placar. Um elogio na opinião deste que escreve, mas que pode não agradar os mais ufanistas e saudosistas. Estes, antes de jogar pedras, deveriam entender que o futebol nunca atendeu a gostos pessoais e sempre premiou aquele que mais se aplicou dentro de campo. Como o time de 1994.
FONTES DE PESQUISA:
Taticamente – A história das Copas explicada pelas cabeças e pranchetas dos treinadores (Paulo Vinícius Coelho / Editora Saraiva)
Escola Brasileira de Futebol (Paulo Vinícius Coelho / Editora Objetiva)
Sarriá 82 – O que faltou ao futebol-arte? (Gustavo Roman & Renato Zanata / Maquinária Editora)
É Tetra! – A conquista que ajudou a mudar o Brasil (André Rocha & Michel Costa / Editora Via Escrita)
A Pirâmide Invertida – A história da tática no futebol (Jonathan Wilson / Editora Grande Área)
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