Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa as escolhas de Pia Sundhage e destaca a atuação do escrete canarinho no amistoso desta terça-feira (26)
Amistosos entre seleções contra equipes do primeiro escalão mundial servem para testes, observações e ajustes. Principalmente em início de ciclo. É assim em qualquer lugar do mundo e é com esse olhar que o empate da Seleção Feminina contra a Austrália deve ser encarado. Por outro lado, vale destacar que a partida no CommBank Stadium deixou lições muito importantes para Pia Sundhage e suas comandadas. A maneira como a equipe brasileira se comportou diante das Matildas no segundo da série de dois amistosos, pressionando a saída de bola e adotando uma marcação mais alta do que na partida do último sábado (23). Por mais que as escolhas da treinadora sueca possam (e devam) ser questionadas (principalmente no sistema defensivo, muito mais frágil do que em nos outros compromissos da Seleção Feminina), precisamos reconhecer que poucas vezes vimos o escrete canarinho competindo como competiu nesta terça-feira (26). É óbvio que a equipe precisa de ajustes, mas está claro que o trabalho de Pia Sundhage segue um caminho promissor.
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Mas fato é que o empate contra a Austrália deixou lições que precisam ser assimiladas por toda a Seleção Feminina. Ainda mais sabendo que a tendência é que o nível de exigência do escrete canarinho nos próximos meses vai aumentar consideravelmente. E é aí que começamos a questionar algumas das opções e conceitos de Pia Sundhage. A treinadora sueca mandou a campo a equipe que considerava ideal (diante do grupo que tinha à disposição) e repetiu seu 4-4-2/4-2-4 com Kerolin e Adriana pelos lados, Marta e Debinha formando uma dupla de ataque móvel e Angelina e Duda protegendo a última linha. O problema, no entanto, estava no lado esquerdo da defesa. Tamires e Erika sofriam demais com as descidas de Carpenter, Yallop e Sam Kerr (a atacante móvel do 4-3-3 da Austrália), deixavam espaços demais nesse setor foram facilmente vencidas com passes mais longos às suas costas. Principalmente a camisa 6, que joga quase como uma ponta-esquerda com Pia Sundhage e já não tem mais o mesmo fôlego de outros anos para fazer a recomposição defensiva.
Apesar dos problemas mencionados anteriormente, a Seleção Feminina ocupava o campo de ataque e levava perigo considerável para a goleira Williams. Tudo feito com muita intensidade e uma “trocação” que já começa a se tornar bem comum na equipe comandada por Pia Sundhage. Kerolin jogava mais aberta pela direita e fazia boa dupla com Antônia (a melhor jogadora brasileira nos dois amistosos na opinião deste que escreve), Angelina guardava mais a sua posição, ao passe que Tamires avançava bastante no corredor aberto por Adriana. Numa das muitas associações feitas com Marta e Debinha por dentro, a camisa 11 recebeu belo passe, avançou e acertou a trave direita da Austrália na melhor chance da Seleção Feminina na primeira etapa. Aliás, estava bem claro que um dos maiores problemas do escrete canarinho estava na produção ofensiva. Por mais que a equipe ocupasse com frequência o campo de ataque, faltava capricho e tranquilidade na hora de definir o lance. E nesse ponto, Debinha e Kerolin foram as que mais deixaram a desejar.
Difícil não perceber que a Seleção Feminina sofria um pouco com a alta intensidade do jogo e da proposta de Pia Sundhage contra uma Austrália que está em outro patamar em termos de organização ofensiva e defensiva e entrosamento entre as jogadoras. Precisamos sempre lembrar que o escrete canarinho está em início de ciclo e que os testes e observações precisam ser feitos em todos os setores. Mesmo assim, alguns problemas da equipe seguiam chamando a atenção. Principalmente na defesa, um dos setores que mais evoluiu com a treinadora sueca. Nesse ponto, algumas das suas escolhas acabaram gerando consequências. Podemos reclamar de Erika e Tamires no lance do segundo gol australiano (marcado por Sam Kerr), mas devemos observar o posicionamento de Duda antes de se tecer qualquer comentário sobre esse momento específico. A camisa 20 da Seleção Feminina não acompanha a jogada e permite que as Matildas progridam no campo de ataque até Carpenter encontrar Sam Kerr entre as laterais e zagueiras brasileiras.
A Seleção Feminina diminuiu o placar com Erika aos 19 minutos do segundo tempo (após cobrança de escanteio de Marta) e ainda cresceu bastante de produção depois que Pia Sundhage mandou Júlia Bianchi para o jogo no lugar de Duda (que acabou sentindo a alta intensidade da partida). Seis minutos depois, Tamires acerta o travessão e Debinha pega o rebote e empata a partida no CommBank Stadium. Vale destacara aqui a insistência da treinadora sueca numa formação de ataque que pode ser interessante se for bem ajustada (principalmente com os enormes buracos entre os setores) e se contar com as jogadoras adequadas para cada função. O Brasil apareceu na frente quase como uma linha de cinco atacantes (numa inversão do 4-4-2/4-2-4 tradicional de Pia Sundhage) para um 3-2-5 que tinha Kerolin e Tamires dando abrindo o campo, Adriana, Marta e Debinha aparecendo por dentro, Antônia como “lateral-armadora” (mais alinhada à dupla de zaga) e Angelina e Júlia Bianchi no meio-campo. Faltava só quem desse profundidade ao ataque brasileiro.
Mais do que nunca, Pia Sundhage deve refletir muito sobre a formação da última linha de defesa da Seleção Feminina diante das dificuldades apresentadas por Tamires e Erika na cobertura. Ao mesmo tempo, Duda aumentou a combatividade no meio-campo, mas tem características mais ofensivas e não tem tanto “cacoete” para jogar na proteção da última zaga. Marta acabou se destacando no segundo tempo, mas Debinha fez talvez a sua pior partida sob o comando da treinadora sueca. Muitos erros em tomadas de decisão e problemas para se adaptar à função de atacante móvel por dentro. E ainda precisamos falar de Kerolin, jovem que vem recebendo muitas oportunidades, mas que ainda não entregou o desempenho esperado por todos nós. Por outro lado, foi possível perceber que Pia Sundhage elegeu a espinha dorsal da sua equipe: Lelê, Antônia, Duda, Angelina e Marta. Por tudo que apresentaram nas partidas contra a Argentina e contra a Austrália e pela maneira como as cinco vêm se adaptando e executando o plano de jogo da treinadora.
Certo é que o amistoso desta terça-feira (26) deixa lições importantes para a reflexão de toda a comissão técnica da Seleção Feminina. A equipe ganhou muita competitividade e teve bons momentos contra a Austrália, equipe que, como já falado anteriormente, está um patamar acima do escrete canarinho em termos de entrosamento e organização tática. Sempre é bom repetir que o trabalho de Pia Sundhage visa a disputa da Copa América em 2022 e a Copa do Mundo Feminina em 2023 e que muita coisa ainda pode acontecer. É aprender com os erros, assimilar as lições e seguir trabalhando.
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