Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa as escolhas de Pia Sundhage para as duas partidas amistosas contra a Austrália nos dias 23 e 26 de outubro
É plenamente possível (e saudável) “cornetar” a lista de convocadas da Seleção Feminina depois do que vimos nas partidas contra a Argentina e nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Vitórias, derrotas e eliminações sempre deixam lições importantes para a sequência e/ou o início de um novo ciclo. As escolhas de Pia Sundhage para os amistosos contra a forte seleção da Austrália indicam que a treinadora sueca tem sim um plano de trabalho para o escrete canarinho. A linha de pensamento adotada pela comissão técnica pode não ser a preferida de todos. Mas já ficou bem claro que Pia Sundhage quer uma Seleção Feminina mais “física”, mais intensa e mais concentrada além, é claro, do equilíbrio tão necessário entre os setores que deixe espaço para o improviso e o talento de Marta, Debinha, Angelina, Tamires e companhia. Tudo para bater de frente com as principais potências da modalidade no cenário mundial e sem sofrer tanto para se defender e (principalmente) atacar.
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Para se entender bem as escolhas de Pia Sundhage, é preciso relembrar a atuação da Seleção Feminina nas duas partidas contra a Argentina, no mês de setembro. O primeiro jogo nos mostrou um time com muitas novidades, sem o entrosamento necessário (o que é perfeitamente natural), mas com algumas modificações importantes. Pia optava por uma lateral de ofício no lado direito da defesa da Seleção Feminina depois de um longo e tenebroso inverno. Bruninha, mesmo não tendo sido testada defensivamente, foi bem no apoio e na construção das jogadas de ataque. Marta, por sua vez, jogou mais adiantada do que vinha jogando no escrete canarinho. Com Kerolin, Debinha e Ludmila circulando muito no terço final, a nossa Rainha foi quase uma referência mais móvel dentro do 4-4-2/4-2-4 costumeiro de Pia Sundhage e sofreu um pouco para se achar no meio das zagueiras argentinas. A vitória por 3 a 1 foi construída muito mais na base do talento de jogadoras como Angelina, Nycole e Antonia.
Além de Bruninha e Marta, outra modificação que merece destaque foi a escalação de Duda como meio-campista interior ao lado de Angelina no 4-4-2/4-2-4 de Pia Sundhage. A Seleção Feminina ganhou mais força nos duelos por dentro, mas perdeu um pouco de consistência na cobertura dos espaços entre o meio e a zaga, já que a jogadora do São Paulo tende a jogar um pouco mais avançada. Mesmo assim, o time não comprometeu e nem foi muito ameaçado nesse sentido pela Argentina. Um dos pontos positivos do escrete canarinho ainda eram as transições em alta velocidade na direção do gol adversário com Debinha e Ludmila se movimentando bastante e com Kerolin ficando mais pela beirada do campo. Mas vale destacar aqui que as entradas de Geyse e Nycole deram a mobilidade que faltava na Seleção Feminina. Principalmente a atacante do Benfica, que permitiu que Marta recuasse um pouco e pudesse receber a bola entre as linhas da Argentina com mais espaço e tempo para pensar a próxima jogada de ataque.
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Era mais do que natural que Pia Sundhage fizesse mudanças para o segundo amistoso contra a Albiceleste. E o que mais chamou a atenção foi o posicionamento de Marta. Com a bola, a nossa camisa 10 buscava a chamada “Zona 14”, isto é, o espaço da entrada da área adversária logo atrás de Nycole (que cumpria função tática importantíssima no 4-4-2/4-2-3-1 da equipe brasileira), Debinha (que voltava a jogar mais pelo lado do campo) e Kerolin (autora do primeiro gol da partida). Sem a bola, a camisa 10 se posicionava mais à frente, como se ela fosse a referência ofensiva da equipe de Pia Sundhage. Com liberdade de circulação entre as linhas adversárias, Marta se livrou do combate direto e municiou o ataque com bons passes e ainda arriscou alguns chutes de média e longa distância. Além da nossa Rainha, Nycole e Antonia foram muito bem na partida ao executar funções táticas importantíssimas. De resto, a Seleção Feminina manteve praticamente a mesma formação do primeiro jogo.
Por mais que a Seleção Feminina não tenha sido lá muito exigida nas duas partidas contra a Argentina, ficou bem claro que Pia Sundhage pretende rever alguns dos seus conceitos. Alguns, mas não todos. E a lista de convocadas divulgada nesta terça-feira (5) prova isso. Existem novidades, é claro. Os retornos de Bia Zaneratto, Rafaelle, Adriana e Júlia Bianchi mostram que a treinadora sueca tem sim uma base bem definida na Seleção Feminina, mas que ainda segue buscando soluções. As apostas em Taianra (que vem muito bem desde a passagem pelo Santos), Karen Xavier (ótima goleira do Minas Brasília) e Gio (cara não tão nova assim na Seleção Feminina) apontam para esse lado. De resto, a equipe não deve mudar muito com relação a tudo que eu e você vimos nas últimas partidas. Antonia pode ganhar de vez a vaga na lateral para compensar a ofensividade de Tamires pela esquerda. Duda deve seguir no meio-campo junto com Angelina. E Marta deve ser muito mais atacante do que meio-campista novamente.
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A lista de convocadas é boa, tem sua coerência, mas ainda abre margem para os mais variados questionamentos. Este que escreve e mais uma porção de pessoas que estão lendo esta humilde análise gostariam de ver Tamires no meio-campo (tal como joga no Corinthians). Ainda mais sabendo que as jogadoras de meio-campo convocadas nesta terça-feira (5) não são tão criativas quanto a camisa número 37 do Timão. Além disso, se Pia Sundhage finalmente resolveu dar chances para laterais de ofício, Katiuscia e Bruna Calderan poderiam ganhar alguns minutos. Assim como Yasmim, que foi muito bem no segundo amistoso contra a Argentina. Ao mesmo tempo, se Bia Zaneratto vai formar mesmo a dupla de ataque com Marta, as características de Nycole parecem se encaixar muito bem com as da camisa 10 no 4-4-2/4-2-3-1 de Pia Sundhage. E este que escreve segue tentando compreender a preferência por Kerolin em detrimento das ótimas fases de Gabi Portilho, Crivelari e Vic Albuquerque.
Conforme mencionado lá no início, são escolhas que podem e devem ser questionadas. Não por birra ou perseguição, mas por conta da tentativa de se compreender bem aquilo que Pia Sundhage quer da Seleção Feminina. A entrevista coletiva e a lista de convocadas apontam na direção de uma sequência da linha de pensamento iniciada nos amistosos contra a Argentina. Por outro lado, os jogos contra a Austrália vão exigir muito mais de uma equipe que vive uma nova (e incerta) fase após a eliminação nos Jogos Olímpicos.
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