Novo ciclo da Seleção Feminina começa com vitória sem sustos, boa atuação das novatas e algumas perguntas sem resposta
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa as escolhas de Pia Sundhage no primeiro dos dois jogos amistosos contra a Argentina em Campina Grande
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa as escolhas de Pia Sundhage no primeiro dos dois jogos amistosos contra a Argentina em Campina Grande
Há muita coisa a ser dita sobre o início desse novo ciclo na Seleção Feminina. É verdade que a vitória por 3 a 1 sobre a Argentina nesta sexta-feira (17) no Amigão, em Campina Grande, era até um resultado esperado por muita gente diante da diferença técnica que ainda existe entre as duas equipes. Mas é preciso reconhecer que, apesar da atuação mais burocrática e de algumas escolhas (no mínimo) questionáveis de Pia Sundhage na escalação inicial, no plano de jogo e nas substituições, o Brasil se comportou bem em campo e teve na atuação de jogadoras como Angelina, Bruninha, Antônia e Nycole bons motivos para renovar as esperanças. Principalmente a meio-campista do OL Reign, que mostrou uma desenvoltura enorme vestindo a mítica camisa 8 (que foi de Formiga por mais de vinte anos), aparecendo em todos os setores e ainda deixando seu golzinho. Ainda que algumas perguntas permaneçam sem resposta na Seleção Feminina, a primeira impressão da equipe foi boa. Pelo menos nesse início de ciclo.
Eu e você vimos uma equipe bastante diferente daquela que foi eliminada dos Jogos Olímpicos de Tóquio pelo Canadá nas quartas de final. A começar pelo gol, onde Letícia Izidoro (a nossa querida Lelê) entrou no lugar da experiente Bárbara. A simples presença da goleira do Benfica entre as titulares possibilitava uma saída de bola mais apoiada desde a área brasileira. Por mais que a Seleção Feminina tenha mostrado certa dificuldade para vencer a pressão da Argentina, a defesa se comportou bem e soube vencer esse primeiro obstáculo na partida desta sexta-feira (17). Se Lelê era importante no passe qualificado, o mesmo pode ser dito de Angelina. A camisa 8 do escrete canarinho não era importante somente na defesa. Ela era uma das jogadoras que mais tinha facilidade para lidar com o jogo mais físico das portenhas e levar a bola até Marta e Ludmila (dupla de ataque do 4-4-2/4-2-4 quase imutável de Pia Sundhage). Não é nenhum exagero afirmar que ela era uma das mais lúcidas da equipe.
Lelê inicia a saída de bola e vê Bruninha, Antônia, Erika e Tamires se aproximarem para receber o passe. Mas era Angelina (sempre muito bem posicionada em campo) quem desafogava a Seleção Feminina e vencia a pressão da Argentina no campo defensivo. Foto: Reprodução / SPORTV / GE
É interessante notar que Pia Sundhage fez várias mudanças na Seleção Feminina com relação ao time que disputou os últimos Jogos Olímpicos (e mandou a campo uma escalação que surpreendeu bastante gente), mas manteve sua formação preferida. Duda deixou o lado do campo e passou para a proteção da zaga mais próxima de Angelina (a melhor em campo), Marta foi jogar bem avançada ao lado de Ludmila no comando de ataque e o jogo pelos lados ficou a cargo de Kerolin e Debinha. Mas talvez a mudança mais significativa tenha sido a entrada de Bruninha (lateral-direita de ofício) na equipe. Bastou que Pia Sundhage parasse com as improvisações (pelo menos nesse setor) para que o jogo brasileiro fluísse. Ainda assim, foi somente no segundo tempo (com Geyse, Nycole e Katrine nos lugares de Ludmila, Marta e Tamires respectivamente) que o jogo da Seleção Feminina apareceu mais. Principalmente no belíssimo passe de Bruninha no lance do segundo gol brasileiro (marcado logo no início do segundo tempo).
A entrada de Bruninha (uma lateral de ofício) no lado direito deu muito mais consistência às jogadas de ataque da Seleção Feminina. O 4-4-2/4-2-4 quase imutável de Pia Sundhage ganhou consistência e mais equilíbrio com a jogadora do Santos em campo. Foto: Reprodução / SPORTV / GE
Este que escreve, no entanto, segue sentindo falta de mis variações táticas e na formação inicial da Seleção Feminina. Não se trata deste ou daquele nome (pelo menos nesse primeiro momento), mas de ver algo diferente do 4-4-2/4-2-4 quase imutável de Pia Sundhage. Há como se compreender muito bem que cada treinador tem seu desenho tático preferido e que ele busca o entendimento mútuo com cada atleta para que seus conceitos sejam bem compreendidos e bem executados dentro de campo. Mas é preciso lembrar que estamos falando de um novo ciclo e que os amistosos servem para que testes sejam realizados na equipe brasileira. Ainda que Pia Sundhage tenha dado minutos a Katrine e Thaís (duas das jogadoras mais promissoras da nova geração), a disposição das atletas não mudou no segundo tempo. As duas linhas com quatro jogadoras permaneceram inalteradas, fato que obrigava as volantes a cobrir um espaço grande entre um setor e outro enquanto as pontas fechavam os lados do campo.
Apesar das mudanças na Seleção Feminina e na mudança (pequena) da postura da equipe no segundo tempo, Pia Sundhage não mudou seu 4-4-2/4-2-4 costumeiro. Essa formação obrigava Angelina e Duda (depois Thaís) a cobrirem uma faixa muito grande do campo. Foto: Reprodução / SPORTV / GE
A Argentina ainda conseguiu aproveitar uma das poucas falhas do sistema defensivo do escrete canarinho para descontar com Bonsegundo. O contexto do jogo, no entanto, chamava a atenção para outros pontos muito mais importantes. Se Angelina se sentiu extremamente à vontade com a camisa da Seleção Feminina, se Bruninha foi bem no apoio (e pouco testada na defesa) e se Nycole mostrou que pode (e deve) ganhar mais minutos, ficou a sensação de que Pia Sundhage poderia ter feito mudanças um pouco mais profundas na sua equipe (e isso tem relação direta com a manutenção do seu 4-4-2/4-2-4 quase imutável). Faltou ver Tamires jogando no meio-campo como a “ponta-armadora” que é no Corinthians e Katrine se apresentando um pouco mais no campo ofensivo. Fica a sensação de que a treinadora do escrete canarinho ainda vai insistir em algumas veteranas mesmo sabendo que o grupo chamado para as duas partidas contra a Argentina permite que as mais variadas formações sejam utilizadas.
Mas talvez o principal questionamento fique por conta do aproveitamento de Marta na Seleção Feminina. Mesmo com a idade mais avançada e sem tantas condições físicas, a nossa Rainha ainda terá vaga cativa na equipe por muito tempo. Mas é preciso admitir que o Brasil melhorou de produção quando ela deixou o jogo no intervalo. É possível que Pia Sundhage tenha usado esse jogo contra a Argentina para observá-la mais próxima da área, sem tantas obrigações defensivas numa equipe com pegada mais forte no meio-campo. O problema é que a nossa camisa 10 recuava demais para particpar do jogo e esvaziava o setor ofensivo. Uma alternativa interessante para Marta e para a Seleção Feminina seja seu aproveitamento mais recuada, quase como uma volante alinhada a Duda num 4-1-4-1/4-3-3 mais fechado e compactado. Seja como for, a sensação de melhora no desempenho do time na segunda etapa foi nítida. Ainda que o jogo contra a Argentina seja o início de um ciclo que só vai terminar na próxima Copa do Mundo.
A vitória tranquila sobre a Albiceleste deixa sim a esperança de novos tempos na Seleção Feminina apesar dos pontos levantados nos parágrafos anteriores. Por outro lado, ainda existem perguntas de antes da disputa dos Jogos Olímpicos que necessitam de resposta de Pia Sundhage. Por mais que Angelina tenha sido a melhor em campo e que as mais novas não tenham sentido tanto o peso da amarelinha, a melhora no desempenho da equipe da treinadora sueca passa diretamente por tudo o que foi colocado aqui neste espaço.
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