Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira explica como o talento individual tem resolvido os problemas do time comandado por Renato Gaúcho
Mais dois gols de Bruno Henrique, nova vitória por 2 a 0 sobre o Barcelona de Guayaquil e vaga assegurada na decisão da Copa Libertadores da América. A terceira da história do Flamengo e a segunda em três temporadas. O torcedor rubro-negro que teve uma quarta-feira (29) marcada pela ansiedade e pelo receio de mais um vexame nível América do México viu seu time do coração controlar bem as ações, ditar o ritmo de cada ação no campo e vencer a equipe equatoriana mais uma vez e sem sustos. Muito por conta das grandes atuações de Everton Ribeiro, Diego Alves, Filipe Luís, Rodrigo Caio e, é claro, Bruno Henrique. Este que escreve já havia comentado numa outra oportunidade como o talento individual se transformou na base do trabalho de Renato Gaúcho e como ele está diretamente ligado à organização tática da equipe. No entanto, por mais que os números sejam excelentes, o desempenho coletivo do Flamengo pode (e deve) melhorar. Ainda mais com uma final de Libertadores pela frente.
🆚| #BARxFLA 0-2 | AGG: 0-4
⚽️| Bruno Henrique 2x
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📊 Estatísticas:📈 Posse: 52% – 48%
👟 Finalizações: 17 – 11
✅ Finalizações no gol: 6 – 4
🛠 Grandes chances: 4 – 3
☑️ Passes certos: 407 – 377💯 Notas SofaScore 👇 pic.twitter.com/mKHdt5hqhd
— Sofascore Brazil (@SofascoreBR) September 30, 2021
Há quem possa ver nas palavras deste que escreve uma certa má vontade com Renato Gaúcho e com o time que chegou a 17 partidas sem derrotas na competição mais importante do continente sul-americano (igualando o recorde do Sporting Cristal nos anso 1960). Mas o ponto aqui é outro. A impressão que ficou da partida desta quarta-feira (29) foi a de que o Barcelona de Guayaquil poderia ter complicado muito a vida do Flamengo se fosse mais qualificado tecnicamente. Mesmo se impondo na base da técnica, tentando manter a posse da bola e procurando não se expor muito, o escrete rubro-negro viu seu adversário explorar os espaços que surgiam no meio-campo por conta da marcação por encaixes e perseguições dentro de cada setor. Fabián Bustos surpreendeu ao tirar Damián Díaz (principal articulador do Barcelona de Guayaquil) e apostou num jogo mais direto com os centroavantes Garcés e Mastriani tentando dar profundidade às jogadas de ataque. Faltava técnica, mas sobrava disposição.

A marcação por encaixes do Flamengo não era tão eficiente para fechar os espaços na frente da área de Diego Alves. Imagens: Reprodução / YouTube / Conmebol Libertadores
Mesmo com uma postura mais cautelosa do que o costume, o Flamengo abriu o placar aos 17 minutos da primeira etapa com Bruno Henrique aproveitando belíssimo passe de Everton Ribeiro no meio da zaga do Barcelona de Guayaquil. Vale destacar aqui também que o time de Renato Gaúcho mostrou concentração e tranquilidade durante todo o jogo e conseguiu se ajustar rapidamente com a saída de David Luiz logo aos nove minutos. Gustavo Henrique entrou e não comprometeu. Por outro lado, ficou bem evidente que os jogadores rubro-negros não conseguiam fechar os espaços que apareciam entre os setores por conta da marcação por encaixes pedida por Renato Gaúcho. Não foram poucas as vezes em que Willian Arão e Andreas Pereira se posicionavam muito distantes um do outro. Everton Ribeiro e Bruno Henrique voltavam constantemente pelos lados, mas sofriam quando o Barcelona de Guayaquil fazia a inversão da jogada. Apesar da boa proposta, a equipe equatoriana falhava nas finalizações a gol.
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Afirmar que o Flamengo ainda precisa melhorar seu desempenho coletivo não é estar desconectado da realidade. É tentar entender tudo que o jogo mostrou. Por mais que o time comandado por Renato Gaúcho subisse a marcação, acelerasse a troca de passes e usasse a movimentação constante dos seus jogadores para criar espaços no terço final (como no lance em Andreas Pereira acertou a trave de Burrai depois que Arrascaeta e Bruno Henrique arrastaram a marcação), a postura era mais cautelosa, de espera mesmo. E a marcação por encaixes individuais mencionada anteriormente não funcionava como o esperado por conta da falta de intensidade dos jogadores para executar esse sistema. Com isso, os espaços no meio-campo apareciam. E vale aqui lembrar do jogo de ida no Maracanã e das três grandes defesas de Diego Alves. Por mais que a qualidade individual seja o grande diferencial desse Flamengo, uma equipe mais organizada e qualificada poderia ter criado problemas mais sérios.

Renato Gaúcho manteve o seu 4-2-3-1 costumeiro no Flamengo, mas viu o Barcelona de Guayaquil de Fábian Bustos levar vantagem em grande parte dos duelos no meio-campo.
Mas isso não quer dizer que Renato Gaúcho seja um “indigente tático” como alguns insistem em dizer. Existe sim um plano de jogo elaborado e baseado na qualidade individual dos jogadores rubro-negros. E sempre que o talento aparecia, as coisas se descomplicavam na partida. Como no lance que originou segundo gol do Flamengo, desde a saída da pressão do Barcelona de Guayaquil no campo de defesa com passes precisos, Everton Ribeiro recebendo em profundidade e deixando Bruno Henrique apenas com o trabalho de tocar para o gol vazio. Ou como nos momentos em que Gabigol aparece pela direita e abre o corredor central para as chegadas de Arrascaeta, Everton Ribeiro e Andreas Pereira. Ou como na chegada de Bruno Henrique por trás da última linha defensiva. A questão aqui é que, apesar dos problemas levantados anteriormente e da necessidade de se melhorar o desempenho coletivo como um todo, o Flamengo ainda é uma equipe que impõe muito respeito nos seus adversários.

Renato Gaúcho baseia seu trabalho no talento individual dos seus jogadores, mas há elementos e ideias colocadas em prática nos jogos do Flamengo. Imagens: Reprodução / YouTube / Conmebol Libertadores
Não existe problema nenhum em basear seu jogo no talento e permitir que seus atletas resolvam os problemas de cada situação que se apresente numa determinada partida sozinhos. A questão, no entanto, está nas lições que as duas partidas contra o Barcelona de Guayaquil deixaram para a equipe comandada por Renato Gaúcho. A marcação por encaixes é uma escolha válida desde que os jogadores tenham essa característica. E esse não parece ser o caso dos atletas rubro-negros, mais acostumados a marcar por zona e valorizar a posse da bola. Elementos que não fazem parte da filosofia de Renato Gaúcho. O que se via eram os enormes buracos no meio-campo e uma distância grande entre os atletas no setor. Não foi por acaso que o Barcelona de Guayaquil venceu vários duelos e levou perigo nos dois jogos das semifinais da Libertadores. Se o escrete comandado por Fabián Bustos fosse uma equipe mais qualificado tecnicamente, as coisas poderiam ter ficado muito mais complicadas para o Flamengo.
O torcedor rubro-negro está coberto de razão em comemorar a classificação para a decisão. Mas quem analisa precisa observar e apontar os problemas e tudo aquilo que pode ser aproveitado por adversários mais fortes. E quando se sabe que o nível de exigência vai subir drasticamente para o Flamengo na Libertadores, na Copa do Brasil e no Brasileirão, melhorar o desempenho coletivo, encontrar soluções que não dependam do talento individual e fazer ajustes se torna cada vez mais fundamental.
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