Conquista da inédita medalha de ouro premia competitividade e espírito de luta do Canadá em Tóquio
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira destaca a atuação da equipe comandada por Bev Priestman na final olímpica contra a Suécia de Peter Gerhardsson
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira destaca a atuação da equipe comandada por Bev Priestman na final olímpica contra a Suécia de Peter Gerhardsson
O discurso de boa parte dos torcedores e imprensa esportiva após a eliminação da Seleção Feminina dos Jogos Olímpicos vinha recheado de palavras como “vergonha”, “vexame” e “frustração”. Este que escreve já explicou aqui mesmo neste espaço que a equipe de Pia Sundhage tinha sim condições de vencer o Canadá ainda no tempo normal, mas não teve boa atuação e desperdiçou as poucas chances que teve. Seja como for, o escrete comandado por Bev Priestman mostrou que não era nenhuma “carne assada” ao segurar a ótima Suécia de Peter Gerhardsson e ficar com a (inédita) medalha de ouro na disputa por penalidades após empate em 1 a 1 no tempo normal e na prorrogação. As canadenses entram para história pela campanha (eliminaram Brasil e Estados Unidos), pelo alto nível de competitividade, pela qualidade do seu jogo coletivo e pelo espírito de luta nos momentos mais complicados dessa edição dos Jogos Olímpicos.
A partida desta sexta-feira (6) nos apresentou um vasto repertório tático e técnico. Se a Suécia jogava um futebol mais vertical e de mais toques por baixo (baseado no 4-2-3-1/4-4-2 de Peter Gerhardsson), o Canadá repetia o 4-3-1-2/4-3-3 dos confrontos contra Brasil e Estados Unidos. E nesse ponto, é interessante notar como Bev Priestman encaixou a lenda Christine Sinclair na sua equipe. Já ciente de que a camisa 12 não tinha o mesmo vigor físico de outros tempos, a treinadora posicionou a sua principal estrela como uma espécie de “falso nove”. Era Sinclair quem recuava para o meio-campo para avançar como uma espécie de “enganche” e abria espaços para as descidas de Lawrence, Beckie, Prince e Chapman. Mais atrás, a ótima dupla de volantes formada por Fleming (a melhor em campo na opinião deste que escreve) e Quinn seguravam bem o ímpeto da Suécia nos primeiros minutos.
Bev Priestman repetiu seu 4-3-1-2/4-3-3 básico com Sinclair jogando como “enganche” e abrindo espaços para as chegadas de Prince e Beckie no ataque canadense. Do outro lado, a Suécia adotava um jogo mais vertical, intenso e de muita movimentação a partir do 4-2-3-1/4-4-2 de Peter Gerhardsson.
Mas a Suécia se impunha com um jogo mais físico, direto, intenso e de muita pressão pós-perda. Exatamente como aconteceu no gol da ótima Blackstenius (aos 34 minutos da primeira etapa) após roubada de bola na intermediária do Canadá. Asllani aproveitou bobeira de Quinn e partiu pela direita e fez o cruzamento rasteiro para a camisa 11 vencer Labbé em chute da altura da marca do pênalti. O primeiro tempo e o início da segunda etapa seguiu essa tendência de domínio do escrete comandado por Peter Gerhardsson. Sua equipe ocupava muito bem os espaços, cortava as linhas de passe do Canadá e marcava Sinclair com muita atenção. Não restava outra alternativa ao time de Bev Priestman ao não ser apelar para as bolas mais longas buscando as velozes Prince e Beckie. Mas a zaga formada por Amanda Ilestedt e Björn esteve sempre muito atenta na cobertura e conteve os avanços da equipe canadense.
A Suécia foi muito eficiente na pressão pós-perda e dificultou demais a saída de bola do Canadá no primeiro tempo e nos início da segunda etapa. O ataque formado por Blackstenius e Asllani também se movimentava bastante e incomodava demais a defesa adversária. Foto: Reprodução / SPORTV
O Canadá começou a melhorar a partir do momento em que a Suécia diminuiu o ritmo e passou a administrar mais o resultado. Com Grosso e Leon nos lugares de Quinn e Beckie (respectivamente), a equipe de Bev Priestman igualou o desenho tático do seu adversário e passou a pressionar mais no ataque. Tanto que, num dos poucos momentos em que a zaga sueca hesitou diante de Sinclair, Amanda Ilestedt derrubou a camisa 12 dentro da área em penalidade discutível, mas que Fleming cobrou com categoria e igualou o marcador em Yokohama. Deanne Rose deu sangue novo ao ataque e a equipe quase conseguiu a virada com muita pressão na saída de bola da Suécia e muita intensidade nos movimentos. Faltava, no entanto, o aprimoramento necessário para acertar o último passe e as finalizações a gol. Mesmo assim, é impossível não ver a recuperação do time de Bev Priestman no final do tempo normal.
Os trinta minutos adicionais foram marcados pelo equilíbrio e pelo cansaço das duas equipes. Enquanto teve pernas, o Canadá seguiu pressionando com boas johadas de Fleming, Rose e Lawrence explorando bem os lados do campo, mas sem muito sucesso. A Suécia, por sua vez, quase marcou o segundo no finalzinho do segundo tempo da prorrogação. A primeira vez em que a medalha de ouro olímpica no futebol feminino foi decidida nas penalidades ficou marcada pelo nervosismo e por quatro cobrança seguidas desperdiçadas pelas duas equipes. Acabou que a estrela da goleira Labbé brilhou mais forte contra a atacante Andersson na última penalidade da Suécia. E caberia à volante Júlia Grosso converter a cobrança que daria ao Canadá a sua primeira medalha de ouro olímpica do futebol feminino. Mesmo não sendo a equipe que jogou o futebol mais vistoso, foi quem mais competiu e quem mais evoluiu na competição.
Este que escreve não quer entrar no discurso que coloca a derrota da Seleção Feminina como algo “normal” diante da vitória canadense em Tóquio. Mas é preciso entender e reconhecer que essa equipe se doou imensamente sempre que entrou em campo e não se deixou dominar por nenhum outro time. E mais: Bev Priestman não teve receio de mexer nas estrelas quando as circunstâncias da partida apontavam nessa direção e deu espaço para as atletas mais jovens conquistarem espaço e crescerem junto com toda a equipe. Não jogou o futebol mais bonito dos Jogos Olímpicos, é verdade. Mas competiu demais e fez partidas equilibradas contra quatro seleções do TOP 10 futebol mundial. Tudo porque reconheceu suas limitações, usou as armas que tinha e colocou muita dedicação em cada bola disputada dentro de campo. É possível não gostar do futebol apresentado pelo Canadá. Mas esse ouro foi sim merecido.
De acordo com a amiga Cathia Valentim (do excelente Diário Futebol Feminino), coletividade é a palavra que define esse feito histórico por parte do Canadá. São três medalhas consecutivas e um inédito ouro para o país num jogo em que a principal estrela da equipe não jogou todos os 120 minutos. Isso diz muita coisa sobre essa conquista histórica do time de Bev Priestman.
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