Itália e Inglaterra deixam lições valiosíssimas para o futebol brasileiro na emocionante decisão da Eurocopa
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a atuação, as estratégias e o legado deixado pelas equipes de Roberto Mancini e Gareth Southgate
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a atuação, as estratégias e o legado deixado pelas equipes de Roberto Mancini e Gareth Southgate
Acabou que a Eurocopa premiou o belíssimo trabalho de reconstrução realizado por Roberto Mancini numa Itália machucada pela ausência na Copa do Mundo de 2018. Numa frase: a melhor equipe venceu. Já são (impressionantes) 34 jogos de invencibilidade e um estilo de jogo agressivo, sólido e envolvente. O grito de “It’s coming to Rome”, no entanto, só veio depois da vitória nas penalidades sobre uma Inglaterra forte e muito bem organizada por Gareth Southgate (ainda que este não tenha conseguido aproveitar todo o potencial da magnífica geração que tem sob seu comando). Ao mesmo tempo, as (valiosíssimas) lições deixadas em campo neste domingo (11), no lendário Estádio de Wembley, podem ser muito bem aproveitadas por todos os que pensam o futebol aqui por essas bandas. Inglaterra e Itália entregaram tudo que tinham nessa decisão. Os deuses do velho e rude esporte bretão agradecem.
FT | Italy win!
There wasn't much action in ET as both sides looked tired, so the match became the only EURO final apart from 1976 to go to penalties – Donnarumma was the hero there as he saved 2 penalties.#ITA win their second European Championship! 👏👏#ITAENG #EURO2020 pic.twitter.com/8TClihfSlF
— Sofascore (@SofascoreINT) July 11, 2021
É interessante que a decisão da Eurocopa tenha acontecido no dia seguinte à final da Copa América vencida pela Argentina. Não que a derrota por si só já não ensine algo para a Seleção Brasileira. Mas ver como Itália e Inglaterra construíram suas campanhas ao longo da competição é um bom começo para entender o que anda de errado por aqui. A começar pela maneira como Gareth Southgate pensou o English Team para encarar a Squadra Azzurra na final em Wembley. O 4-1-4-1/4-2-3-1 da vitória sobre a Dinamarca nas semifinais deu lugar ao 3-4-2-1 utilizado na vitória sobre a Alemanha nas oitavas de final. Ao invés do pragmatismo já bastante criticado por este que escreve, muito volume de jogo e muita agressividade no ataque. O gol de Luke Shaw (marcado aos dois minutos de partida) mostra bem como a Inglaterra se preparou para anular o jogo de posição de uma Itália envolvente e agressiva.
Harry Kane recebe no meio-campo, vê Trippier partindo em velocidade pela direita e faz o lançamento. O camisa 12 tem tempo para observar o deslocamento de Luke Shaw às costas de Di Lorenzo e faz o cruzamento que resulta no gol da Inglaterra. Volume de jogo e intensidade. Foto: Reprodução / TV Globo / GE
A estratégia de Gareth Southgate consistia na saída em alta velocidade para o ataque aliada à forte pressão na saída de bola da Itália com foco no ítalo-brasileiro Jorginho. Havia o revezamento entre Mason Mount e Kalvin Phillips na perseguição dos adversários ainda no campo ofensivo e o ótimo trabalho de proteção da linha de cinco realizado por Declan Rice. Ao mesmo tempo, Harry Kane e Sterling também pressionavam Bonucci e Chiellini e fechavam as linhas de passe. A Squadra Azzurra trocava passes na intermediária sem conseguir furar o forte bloqueio defensivo do English Team. Do outro lado, Roberto Mancini já havia percebido que precisava melhorar o desempenho ofensivo da sua Itália. Barella e Immobile não faziam boa partida e Chiesa era o jogador mais perigoso de uma equipe que não conseguiu impor seu estilo de jogo agressivo e intenso diante de um adversário muito forte na defesa.
Rice e Phillips fechavam as linhas de passe, Mason Mount, Harry Kane e Sterling pressionavam a saída de bola e a Inglaterra ia levando vantagem nos duelos individuais no primeiro tempo. A Itália precisava de mais intensidade e mais movimentação para superar o forte bloqueio defensivo do seu oponente.
A segunda etapa foi praticamente toda da Squadra Azzurra. E isso porque Roberto Mancini foi muito feliz na leitura do jogo (ainda que não tenha sido compreendida por muita gente num primeiro momento). Cristante entrou no lugar de Barella, Berardi substituiu Immobile e Chiesa foi jogar mais por dentro junto a Insigne. A Itália recuperava a força perdida no ataque e pressionava bastante uma Inglaterra que voltou a recuar demais após abrir o placar (uma tônica dessa Eurocopa). Conforme a equipe de Roberto Mancini ia se lançando ao ataque para tentar o gol de empate, os espaços iam aparecendo às costas da dupla de zaga italiana sem que Harry Kane ou Sterling conseguissem encaixar um bom contra-ataque. Por mais que a equipe de Gareth Southgate se mantivesse firme na defesa, a Squadra Azzurra conseguiu balançar as redes de Pickford com Bonucci depois cobrança de escanteio da direita.
As entradas de Berardi e Cristante melhoraram muito o desempenho ofensivo da Itália no segundo tempo. Chiesa (que passou a jogar mais centralizado) foi o jogador mais perigoso de uma Squadra Azzurra ainda mais envolvente e intensa diante de uma Inglaterra pragmática ao extremo. Foto: Reprodução / TV Globo / GE
Marco Verratti acabaria por se transformar no principal nome da Itália no segundo tempo com ótimos passes e muita visão de jogo na transição da defesa para o ataque. E aqui fica uma das principais lições dessa decisão. Não se trata aqui de ser mais ou menos pragmático, reativo ou propositivo em partidas grandes, mas de praticamente abdicar do ataque quando ainda se tem muito tempo pela frente. A Inglaterra de Gareth Southgate simplesmente parou de jogar depois do intervalo e, mesmo voltando ao 4-1-4-1 com as entradas de Saka e Henderson nos lugares de Trippier e Rice, acabou sendo engolida pela Squadra Azzurra. Cristante melhorou demais a produção ofensiva e Berardi se transformou em tormento constante para Luke Shaw. E isso tudo sentindo muito a ausência de Spinazzola, a queda de produção de Jorginho depois de sofrer pancada no joelho e a lesão de Chiesa no final da partida.
A Inglaterra retornou ao 4-1-4-1 com as entradas de Henderson e Saka nos lugares de Rice e Trippier, mas acabou sendo dominada por uma Itália ainda mais agressiva no ataque. As substituições promovidas por Roberto Mancini melhoraram demais o desempenho da sua Squadra Azzurra após o intervalo.
Depois de uma prorrogação sem muitas emoções, brilharia a estrela de Donnarumma na decisão por pênaltis. E quiseram os deuses do velho e rude esporte bretão que Rashford, Sancho e Saka desperdiçassem as cobranças e que a Itália se mantivesse muito firme apesar da atuação gigante de Pickford debaixo das traves. Fica aqui o questionamento sobre os motivos que levaram Gareth Southgate a abrir mão da experiência de Luke Shaw, Sterling e Henderson num dos momentos mais tensos da decisão em Wembley. No entanto, a Eurocopa acabou em ótimas mãos. A Itália fica com o título ressurgindo das cinzas depois de ficar ausente da Copa do Mundo de 2018 com um futebol vistoso, ofensivo e muito sólido. Ao mesmo tempo, o trabalho de Roberto Mancini na reconstrução de uma das seleções mais tradicionais do mundo não aconteceu apenas dentro de campo. Ele se deu dentro da mente de cada jogador campeão no lendário Estádio de Wembley.
Ainda que nosso futebol seja de muita qualidade e esteja repleto de grandes jogadores, ver o trabalho de Gareth Southgate numa Inglaterra que quer finalmente ser grande e de Roberto Mancini numa Itália ressurgida do inferno é uma fonte quase que inesgotável de lições para o futuro. Entendendo o nosso contexto e a nossa cultura, podemos recolocar nosso futebol no posto que ele merece. Mas será preciso muito trabalho, muita seriedade e muito profissionalismo. Tal como a Squadra Azzurra.
🇮🇹 The moment Italy lifted their second EURO title! 🏆 @azzurri | #ITA | #EURO2020 pic.twitter.com/MVl5tjZoyK
— UEFA EURO 2024 (@EURO2024) July 11, 2021
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