Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa o empate sem gols da equipe comandada por Pia Sundhage contra o Canadá nesta segunda-feira (14)
Há quem diga que a Seleção Feminina fez um duelo equilibrado contra o Canadá e que o gol da vitória da partida desta segunda-feira (14) não saiu por mero detalhe. E há aqueles que enxergaram seríssimos problemas coletivos e uma série de escolhas (no mínimo) questionáveis por parte de Pia Sundhage. Antes que vocês perguntem, este que escreve se encaixa no segundo grupo. Tudo por conta da atuação bem abaixo da média diante de um adversário que, mesmo não fazendo parte do primeiro escalão do futebol feminino mundial, conseguiu criar várias dificuldades para o escrete canarinho. Acaba que essa série de amistosos disputados em Cartagena (mesmo com a atuação razoável na vitória sobre a Rússia na semana passada) deixou muito mais dúvidas do que certezas sobre o que se pode esperar dessa Seleção Feminina na briga pela tão sonhada medalha de ouro olímpica em Tóquio.
Pia Sundhage fez duas mudanças na sua equipe para o jogo desta segunda-feira (14). Formiga (lesionada) deu lugar a Júlia Bianchi no meio-campo e a zagueira Érika substituiu Letícia Santos. Com Bruna Benites jogando na lateral-direita (em posicionamento testado poucas vezes nos últimos meses), a Seleção Feminina se organizou no mesmo 4-4-2/4-2-2-2 da vitória sobre a Rússia. A ideia da treinadora sueca aqui era bastante simples. Debinha e Marta (principalmente a camisa 10) tinham liberdade para circular por todo o campo e abrir espaços para Bia Zaneratto e Ludmila se lançarem para receber a bola em profundidade. No papel, parecia que tudo poderia se encaixar perfeitamente. O grande problema é que a Seleção Feminina abusou da lentidão nas suas transições e se transformou em presa fácil para a defesa do Canadá. Na prática, a equipe de Pia Sundhage se tornou bastante previsível.
A Seleção Brasileira entrou em campo armada no mesmo 4-4-2/4-2-2-2 da vitória sobre a Rússia na última sexta-feira (11), mas sem a mobilidade apresentada naquela partida. Marta e Debinha armavam o jogo e Bia Zaneratto e Ludmila empurravam a defesa do Canadá para trás. Foto: Reprodução / TV Globo / GE
As escolhas de Pia Sundhage para a Seleção Feminina (em termos táticos) pediam muita mobilidade e velocidade nas trocas de passe para quebrar as linhas do Canadá e aproveitar a velocidade de Bia Zaneratto e Ludmila nos passes em profundidade. O grande problema, no entanto, é que o escrete canarinho parecia jogar uma rotação abaixo do necessário para vencer as suas adversárias. Ao mesmo tempo, Marta seguia prendendo a bola longe da área e Tamires apoiava bastante o ataque, obrigando Bruna Benites a guardar mais sua posição. Com isso, o ataque brasileiro ficava mais “torto” para a esquerda e isolava as jogadoras que atuavam pelo lado direito. Como consequência, Ludmila, Debinha e Bia Zaneratto participaram muito pouco das ações em campo. Não foi por acaso que muita gente se surpreendeu com os números trazidos pela CBF após a partida em Cartagena. Inclusive este que escreve.
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Com o jogo todo concentrado apenas por uma faixa do campo, não é difícil concluir que a Seleção Feminina joga de maneira completamente desequilibrada. Difícil entender os motivos que levaram Pia Sundhage a não testar mais laterais de ofício e a respeitar o posicionamento das suas jogadoras nos seus clubes. Ao mesmo tempo, faltava alguém que distribuísse mais o jogo no meio-campo e que aparecesse mais do que Andressinha apareceu. Vendo o copo “meio cheio”, é possível dizer que o quarteto ofensivo criou problemas para o Canadá sempre que conseguiu acelerar e trocar passes em velocidade no terço final. Mas ainda assim, a Seleção Feminina pendia demais para o lado esquerdo. Justamente o lado onde Marta atuou durante boa parte do jogo desta segunda-feira (14). Por mais que Ludmila e Debinha dessem opção de passe na direita, a bola dificilmente chegava nos pés das duas.
Marta tem a bola e parte em direção ao gol canadense. A Seleção Feminina sempre levou perigo quando acelerou as suas transições. Mesmo assim, a equipe de Pia Sundhage parecia “torta” para a esquerda. Debinha e Ludmila quase não participaram das jogadas de ataque. Foto: Reprodução / TV Globo / GE
As coisas ficaram complicadas de verdade a partir do momento em que o Canadá entendeu como o Brasil jogava. E não demorou muito para que a equipe comandada por Bev Priestman passasse a explorar as deficiências da Seleção Feminina mencionadas anteriormente. A camisa 5 Quinn passou a chamar a responsabilidade no meio-campo e acionar a velocidade de Deanne Rose pra cima de Bruna Benites e a presença de área da experiente Sinclair. O panorama não mudou no segundo tempo nem mesmo com as mexidas promovidas por Pia Sundhage. Por mais que Poliana tenha dado mais consistência ao lado direito da defesa brasileira, a equipe do Canadá seguiu ameaçando com viradas de jogo e muita presença no campo de ataque. Tudo para bagunçar a última linha da Seleção Feminina e aparecer na área da goleira Bárbara. O gol só não aconteceu por puro capricho dos deuses do velho e rude esporte bretão.
Não demorou muito para que o Canadá entendesse a maneira como a Seleção Feminina se comportava dentro de campo. A equipe de Bev Priestman passou a usar mais viradas de jogo (da direita para a esquerda) e explorou todos os problemas coletivos do escrete comandado por Pia Sundhage. Foto: Reprodução / TV Globo / GE
É praticamente certo que Pia Sundhage aposte no grupo que entrou em campo contra a Rússia e contra o Canadá. Mesmo com as improvisações e falta de testes com jogadoras que atuam efetivamente na lateral-direita e a confiança quase cega em jogadoras que não conseguem mais entregar o desempenho de outros anos. O futebol como um todo mudou demais de dez anos para cá. E exigir (por exemplo) que Marta dê as suas arrancadas como ela fazia em 2007 é ignorar o fato de que o tempo passou para todos nós. É o mesmo “fandom” que pede o retorno de Cristiane (uma das jogadoras preferidas deste que escreve) esperando que a atacante do Santos jogue o mesmo que jogou na época dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. A única certeza que se tem desses dois amistosos é que Pia Sundhage e sua comissão técnica perderam tempo com “gambiarras” para justificar a presença desta ou daquela jogadora.
As partidas contra Rússia e Canadá deixaram muito mais dúvidas do que certezas sobre o desempenho da Seleção Feminina nos Jogos Olímpicos. Por mais que Pia Sundhage tenha conseguido deixar sua equipe competitiva (e é preciso reconhecer isso), a impressão que fica é a de que a treinadora sueca e sua comissão técnica perderam tempo demais e ignoraram a ótima safra de jogadoras que temos atuando aqui mesmo no Brasil. E as consequências dessas escolhas podem ser gravíssimas daqui a algumas semanas.
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