Celeiro de revelações capazes de render boas negociações, Toca 1 pode ser também solução para certos jogos do Cruzeiro
Uma das soluções para o processo de recuperação do Cruzeiro Esporte Clube está em seu próprio patrimônio: a Toca da Raposa, que recebeu o complemento de 1 quando foi construído o novo Centro de Treinamentos, de mesmo nome e com o número 2 anexado, também na região da Pampulha. Pois na Toca 1 podem-se convergir dois elementos importantes para essa retomada da agremiação fundada há 100 anos pela colônia italiana na ainda jovem Belo Horizonte, que se apequenou nos últimos anos, vítima do apetite criminoso do grupo que a tomou de assalto e, em consequência, da derrocada em campo que culminou com o rebaixamento à Série B do Brasileiro.
Ali nos 60 mil metros de área às margens da Lagoa se encontra um dos pilares necessários ao reerguimento celeste: as divisões de base, capazes de abastecer o time com suas melhores revelações e de render boas negociações futuramente. São inúmeros os casos de jovens atletas revelados ou burilados pela Raposa transferidos ao futebol europeu nas últimas décadas: Gomes, Maicon (lateral), Luisão, Maicon (zagueiro), Wallace, Murilo, Cacá, Bruno Vianna, Maxwell, Lucas Silva, Dudu… Alguns retornaram valorizados ao Brasil, outros nem tanto, mas todos renderam grana aos cofres cruzeirenses.
Sem dinheiro para investir em nomes de peso, é mais fácil apostar nas revelações, como o técnico Felipe Conceição tem feito. Hoje titulares, o zagueiro Weverton, o lateral-esquerdo Mateus Pereira e o volante Adriano são crias da Toca. Assim como o lateral-direito Geovani, o meia Marco Antônio e os atacantes Stênio e Thiago, que têm evoluído nos treinamentos.
A Toca da Raposa é pioneira entre os CTs dos grandes clubes do país. Inaugurada em fevereiro de 1973, serviu de concentração para a Seleção Brasileira em períodos de treinamento entre 1980 e 1986. Para a Copa de 1982, teve a capacidade de quartos duplicada pela CBF com a construção de um segundo prédio. Outras melhorias foram feitas quando os profissionais foram transferidos para a Toca 2 em 2002 e o local ficou para a base. Como a construção de uma escola para os garotos, cujo funcionamento foi autorizado pelo MEC.
Num momento em que à crise financeira do clube se soma a provocada pela pandemia de Covid-19, que, entre outras consequências, tira o público dos estádios, um segundo pilar do processo de recuperação do Cruzeiro oferecido pela Toca ‒ e para o qual seria conveniente a diretoria se voltar ‒ são os jogos. Se ela recebe regularmente os de competições da base, por que não estender então a prática para os de profissionais?
Se não há torcidas presentes nem venda de ingressos e o gramado do campo principal se encontra em boas condições, o clube poderia promover ali jogos diurnos. Providência que reduziria acentuadamente as despesas consumidas em partidas no Mineirão ou no Independência vazios.
O número de jornalistas presentes aos jogos tem sido reduzido. Não custa lembrar que coletivos da Seleção na preparação para a Copa de 1986 ‒ e Telê Santana era adepto de coletivos quase diários ‒ eram transmitidos ali ao vivo pelas redes de TV com toda sua parafernália: Globo, Band, Manchete e o pool Record/SBT. Além das dezenas de emissoras de rádio. Hoje, uma ou outra adaptação teria de ser feita, mas com a arquibancada vazia, espaço é que não falta para isso.
Evidentemente, não me refiro aqui a jogos contra Atlético, Flamengo, Palmeiras ou Inter, por exemplo. Mesmo porque a turma atual do Cruzeiro é outra: são os times da Série B. E talvez à exceção de Botafogo e Vasco, as partidas contra os 17 demais adversários poderiam ser na Toca 1.
Tal medida seria, inclusive, o embrião de uma reforma mais para a frente, quando o clube conseguir reduzir e equacionar sua dívida e puder receber torcida. Instalando refletores para jogos noturnos, por exemplo. E ampliando a capacidade, hoje em torno de 1 mil, para partidas com previsão de público pequeno. Há grande espaço para tanto no local. Por meio de parceria com alguma empresa, por exemplo. Há muitas comandadas por conselheiros cruzeirenses. E uma coisa é apostar em clube desmoralizado, como o Cruzeiro de agora, e outra investir em agremiação com capacidade de seguir adiante e voltar a ser competitiva.
Quanto ao Mineirão, com o América sendo arrendatário do Independência e o Atlético construindo campo próprio, o principal estádio mineiro e o Cruzeiro precisarão um do outro, serão praticamente forçados a fazer algum acordo. Algo, diga-se, já esboçado pela atual administração do clube e pelo consórcio responsável pela arena. Que ficaria reservada para os confrontos maiores.
A fase é preocupante, o agora centenário clube tenta se firmar novamente e não tem condições de buscar medidas complicadas. Aproveitar garotos que se revelam já tem sido feito e com potencial para socorrer os cofres vazios. Resta a ele, portanto, no capítulo da redução de despesas, recorrer à própria estrutura física já existente e disponível. Que a diretoria celeste pelo menos pense com carinho a respeito. Uma das soluções para o resgate celeste pode estar na cara.