Meu bilhão é melhor do que o seu. Será?
Dívida de R$ 1 bilhão é realidade tanto para Atlético quanto para Cruzeiro, apesar dos momentos opostos
A revelação, pelo jornalista Jaeci Carvalho em sua coluna no Estado de Minas, de que o Atlético-MG deve mais de R$ 1 bilhão desencadeou estranha disputa no futebol mineiro: a da narrativa. Porque o expressivo montante não é outro patamar que não o mesmo do Cruzeiro, afundado no descrédito, com ações pipocando daqui e dali, submerso na Série B do Brasileiro e vivendo a mais séria crise de sua história justamente no ano do seu centenário.
Curiosamente, o Galo não vive nenhuma crise. Longe disso. Poucas vezes em seus 113 anos recém-completados, a torcida confiou tanto no sucesso do time, devido ao peso das contratações patrocinadas por um grupo de empresários, sobretudo as de Nacho Fernández e Hulk, que se somam às anteriores de Junior Alonso, Guilherme Arana e Vargas, entre outros.
E é aí que surge a disputa de narrativas. Torcedores cruzeirenses preconizam destino semelhante ao do seu clube para o arquirrival. Atleticanos se fiam nas polpudas injeções financeiras do quarteto de milionários que transformou em figurante o presidente Sérgio Coelho, na construção do estádio bancada pelo pai e o filho donos da Construtora MRV também doadora do terreno e nas chances de êxito que o bom elenco proporciona a Cuca. De quebra, deitam e rolam nas redes com a repetência dos celestes na Segunda Divisão nacional e com a aparentemente interminável procura por um time que mostre algo perto de bom futebol.
É certo que dívida superior a R$ 1 bilhão é realidade amargada também por Botafogo e Corinthians e séria ameaça ao Vasco ‒ não por acaso, a dupla carioca está na Série B e o time paulista nada de peso disputou na última temporada nem parece capaz disso na atual. Mas o curioso caso das tradicionais agremiações mineiras chama a atenção.
Se deve R$ 1 bi como o rival, por que o Atlético investe alto? Como paga salários capazes de atrair jogadores de ponta como o meia do River Plate e repatriar da China o atacante internacional brasileiro? Primeiramente, deve-se tentar conhecer o perfil dessa dívida alvinegra.
O débito do Cruzeiro, que há uma década era o menor dentre os principais clubes do Brasil, teve duas origens: a gastança acima do limite na administração Gilvan de Pinho Tavares, entre 2012 e 2017, em que a torcida comemorou dois títulos brasileiros e um da Copa do Brasil; e as falcatruas que acabaram parando nas páginas policiais da gestão Wagner Pires de Sá. Antes que elas viessem a público em maio de 2019, em reportagem do Fantástico, de Rodrigo Capelo e Gabriela Moreira, os torcedores ainda se iludiram com a conquista da Copa do Brasil de 2018.
A partir das escabrosas revelações, os bastidores invadiram o gramado, o time se perdeu, foi rebaixado para a Série B e não consegue se reencontrar. Enquanto isso, cobranças judiciais continuam a chegar: numa delas, por sinal, a Fifa determinou a perda de seis pontos na Segunda Divisão do ano passado. É difícil o dia em que o noticiário cruzeirense não dá conta de um ex-jogador, ex-integrante de comissão técnica ou empresário acionando o clube na Justiça. Afundado em cobranças e dívidas, o clube deixou provisoriamente sua sede e está sendo administrado em espaço alugado, por motivo de economia.
Até o Atlético é credor do Cruzeiro. Na saída de Fred do Galo havia uma cláusula exigindo multa de R$ 10 milhões caso ele se transferisse para o vizinho. Ele não só o fez como teve a garantia de que a Raposa se encarregaria do débito. Este já beira os R$ 20 milhões e todas as instâncias dão ganho de causa ao alvinegro.
Evidentemente, não será a grana do Fred que aliviará a situação atleticana. A diretoria do clube promete um business day para esclarecer como pretende pagar a dívida. Muitas perguntas exigem resposta. Quanto desse R$ 1 bi é de curto prazo? Como é a relação com o dinheiro dos empresários? São empréstimos? A que juros e prazos? Há o perigo de essa dívida voltar um dia como um bumerangue? Existe contrapartida na construção do estádio a cargo da MRV além de naming rights?
Nada indica que o passivo do Galo se deva a calotes na praça nem a administrações fraudulentas. Mas há aí também um fator lotérico. Quem pode garantir que o polpudo investimento resultará em grande conquista? A torcida, ávida pelo título brasileiro desde 1971, ficaria contente com um vice? Ou em apenas disputar os títulos de Copa do Brasil e Libertadores? Não custa lembrar que há fortes adversários no percurso. Quatro deles em melhor situação financeira: Flamengo, Palmeiras, Grêmio e Internacional; e a possibilidade de o São Paulo vir a integrar essa lista.
Por enquanto, a situação do Cruzeiro é muito mais delicada, beirando até o irreversível. Com dívida no mesmo patamar, o mesmo perigo ronda o outro lado? Nas hostes alvinegras, em campo tudo parecer se encaminhar bem. Mas a dívida está lá à espreita. E exemplo do que ela pode acarretar não falta. Está a alguns quarteirões de distância. Onde há dois anos também se investia alto em reforços e se sonhava com grandes conquistas. Até dar no que deu.
Que a guerra de narrativas nas Alterosas não se transforme futuramente num empate, no qual todos saiam lamentando e maldizendo responsáveis por tragédias financeiras a abalar os alicerces de dois gigantes da bola donos de apaixonadas torcidas.