Aos 60 anos, Diego Maradona morreu nesta quarta-feira em decorrência de uma parada cardiorrespiratória
Diego Armando Maradona foi um gênio dentro de campo, e para muitos (principalmente os argentinos), é maior e melhor que Pelé no mundo do futebol. No começo dos anos 90, o craque argentino habitava o sonho de torcedores e dirigentes dos principais clubes brasileiros como Palmeiras, Santos e São Paulo.
O que muita gente não sabe é que o lendário camisa 10 esteve muito próximo de jogar no Flamengo em 1991. Em abril daquele ano, a Federação Italiana de Futebol lhe impôs uma pena de 15 meses ao comprovar vestígios de cocaína em um exame a que foi submetido após o jogo entre o Napoli, onde atuava, e o Bari.
Nesse mesmo mês, Maradona foi detido com drogas pelas autoridades argentinas em um apartamento no bairro Caraballo, onde estava em um grupo de amigos. Por isso, ele foi processado e obrigado a se submeter a tratamento. Nesse ínterim, o empresário uruguaio Juan Figer começou a estudar alternativas para mantê-lo longe de Buenos Aires.
O “Grupo Figer” fez a ponte para o craque vestir a camisa do Flamengo na época. Na ocasião, o clube passava por dificuldades financeiras para manter a folha salarial em dia. Mas a diretoria estava muito empenhada em fechar o acordo. Afinal, a empresa ficaria responsável pelos vencimentos de Maradona.
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Com o apoio do maior agente do futebol mundial, o Flamengo ofereceu um grande projeto a Maradona que chegaria para atuar ao lado de Júnior na Copa Libertadores da América de 1991. A expectativa da diretoria era recuperar o jogador que vivia um sério problema de sobrepeso e estava no radar das agências antidoping.
Após ser eleito pela quarta vez para presidir o Flamengo, Márcio Braga sabia que precisava de um grande nome para chamar a atenção do torcedor rubro-negro. Em entrevista exclusiva ao Torcedores.com, o dirigente lembrou o bom relacionamento com o empresário Juan Figer, a facilidade nas conversas com Maradona e explicou porque o craque não acertou com o clube.
“Ele não fechou com o Flamengo porque não quis. Eu fiz de tudo para que ele acertasse com o clube. Apesar de ser uma pessoa muito educada e cordial, ele fazia novas exigências a cada conversa por telefone. No final das contas, o Maradona acabou conseguindo ser negociado pelo Napoli com o Sevilla”, revelou o ex-presidente do Flamengo.
Confira abaixo a integra do bate-papo com Márcio Braga de 84 anos, presidente que mais vezes comandou o Flamengo (seis vezes) e mais títulos de expressão conquistou em mais de 40 anos dedicados ao clube.
Como você recebeu a notícia da morte de Diego Maradona?
Fiquei muito triste com a morte do Diego. É impossível olhar para a camisa 10 da Argentina e não lembrar dele. Ele, antes de mais nada foi um jogador fenomenal. Além disso, foi ídolo de uma geração. O Maradona nos encantou com seus dribles, gols e por sua genialidade em campo”.
Com surgiu a ideia de levar Maradona para o Flamengo?
Na época, ele estava sem jogar no Napoli. Tomei conhecimento da suspensão após conversar com alguns dirigentes influentes que se colocaram à disposição para me ajudar na operação. Um ofereceu uma cobertura em Ipanema, outro chegou dizendo que teria condições de bancar segurança particular, depois chegou mais um e disse que disponibilizaria uma limusine e por aí vai. Certo dia, peguei o telefone e ligo para o (Juan) Figer e disse: ‘Quero o Maradona’. Ele respondeu: ‘Márcio, vou conversar com ele’. O Figer me retornou dias depois e disse que ele estava disposto a ouvir uma proposta nossa. Posteriormente, o Figer apresentou as exigências do Diego.
O Flamengo tinha condições de bancar a contratação de Maradona?
Com toda sinceridade? Não. O Flamengo, no entanto, tinha a obrigação de buscar informações e procurar saber o que ele queria. Mas como é que posso fazer se queria vê-lo com a camisa 10? Quando eu digo, eu digo o Flamengo. Quero o Maradona. Todos me apoiaram. O clube, a princípio, ia precisar de muita ajuda para trazê-lo. Muita gente me procurou e disse: ‘Márcio, pode trazer que nós pagamos’. Isso me inflamou.
Como o clube bancaria os vencimentos dele?
O Juan Figer é um empresário muito inteligente. Não é à toa que se tornou no maior agente de jogadores do planeta. Comprou o ‘projeto Maradona’ desde o início porque tinha visão de mercado. Ele disse que ficaria responsável pelos vencimentos e premiações. Com isso, o clube teria de repassar um percentual das bilheterias e cotas de televisão para reaver o dinheiro investido.
Você não teve medo de contratar um jogador que conviveu com notícias de indisciplina e envolvimento com drogas?
Você me conhece. Nunca fui babá de jogador. Sou um dirigente que olhava na cara do jogador e cobrava comprometimento. Ele sabia que era preciso mudar. O Maradona não era bobo. Sabia que precisava encontrar alguém em quem pudesse confiar. Eu estendi a mão e abri as portas do Flamengo. Para vestir o manto é preciso ter respeito. Por isso, nunca me preocupei com o extracampo dele. Era necessário construir uma relação de confiança entre as partes.
Depois das conversas iniciadas, em algum momento você viu que era possível fechar a contratação dele?
Foi um grande desafio. Sabia da responsabilidade desta negociação. Na época, o Santos, São Paulo e Palmeiras, que tinha o aporte da Parmalat, também estavam em cima do Figer. Eu estava disposto a trazê-lo para cá. Já pensou na chacoalhada que daria no futebol brasileiro? Ele conhecia a real situação do Flamengo e via uma atmosfera diferente apesar dos problemas financeiros do clube. Mas o Maradona sabia que ainda tinha mercado na Europa. No final das contas, isso acabou atrapalhando a vinda dele.
Quais foram as exigências do Maradona?
Na época, o Maradona pediu US$ 1 milhão por mês, limpos, sem impostos e mais premiações. O Flamengo jamais pagou esse montante para um jogador em toda a sua história. O Maradona valia isso tudo? É, claro que sim. Ele era um astro do futebol e vivia o auge no Napoli. Mas esse valor era completamente fora da realidade financeira dos clubes da América do Sul. Ninguém no Brasil, nem o Palmeiras com o aporte da Parmalat, poderia pagar isso. Além disso, ele pediu uma cobertura em Ipanema para morar, um carro blindado e uma equipe de segurança. O carro, a cobertura e a segurança iam ser bancadas por um grupo de conselheiros. Mas o salário e a premiação seriam de inteira e total responsabilidade do Figer. Era muito dinheiro.
Mas a ideia era colocá-lo para vestir a camisa 10 de Zico?
É claro que sim. Não existia a menor possibilidade de vê-lo com outro número que não fosse com a 10. Na época, o Zico estava jogando no Japão. Nós pensamos na possibilidade de trazer o Galinho de lá para entregar a camisa para o Maradona. Foi só uma de tantas ideias que surgiram.
Você foi cobrado por dirigentes por não ter conseguido fechar a contratação dele?
Não, nunca. Todos os dirigentes que estavam envolvidos nesta operação sabiam dos números elevados e das exigências do Maradona. Tentamos fechar um acordo dentro das possibilidades do clube com o apoio financeiro do Figer. Ele estava querendo sair do Napoli, fui atrás de informações e as conversas foram avançando com o passar dos dias. Era uma negociação que exigia ter paciência e muita calma. Calma é uma coisa que eu tenho. Infelizmente não foi possível contratá-lo. O Maradona seguiu o seu rumo e foi jogar na Espanha. O Flamengo, por sua vez, também seguiu o seu caminho.