No aniversário de 80 anos do maior jogador de futebol que o mundo já viu, Luiz Ferreira repassa a carreira de Edson Arantes do Nascimento em reportagem especial para a coluna PAPO TÁTICO
O dia 23 de outubro é uma data que deveria ser celebrada por todo aquele que se proclama amante do velho e rude esporte bretão. Foi num dia como esse, há 80 anos, que nascia Edson Arantes do Nascimento. Estamos falando do maior jogador de futebol de todos os tempos. Do Rei do Futebol. Do eterno camisa 10 do Santos e da Seleção Brasileira. Sim, amigos, estamos falando de Pelé. É bem possível que a geração mais nova de torcedores vá torcer o nariz para o que vamos colocar aqui neste espaço. Muita gente, inclusive, vai falar que Messi e Cristiano Ronaldo já superaram o tricampeão mundial em 1958, 1962 e 1970 e autor de incríveis 1281 gols em pouco mais de 20 anos de uma das carreiras mais vitoriosas que o mundo já conheceu. Você verá que Pelé foi muito mais brilhante do que você pensa. Não estamos falando apenas do Rei do Futebol, mas também do Rei da Tática.
Não é exagero nenhum afirmar que Pelé reuniu todas as qualidades de todos os grandes jogadores de futebol. Para as gerações mais novas entenderem melhor de quem estamos falando, ele é a união toda a genialidade de Messi e toda a explosão física de Cristiano Ronaldo. E todas essas qualidades resultaram num atleta completo e que entendia demais o jogo e seus detalhes. Vale destacar que Pelé surgiu para o mundo no final da década de 1950, quando o futebol já era tomado pelo 4-2-4 e começava a abandonar o WM (uma espécie de 3-2-2-3). Começou a carreira em 1956, dois meses antes de completar 16 anos. O bom futebol mostrado com a camisa do Santos fez com que Sylvio Pirillo o convocasse para disputar a Copa Roca com a Seleção Brasileira em 1957. O futuro Rei do Futebol marcou um gol em cada partida contra a Argentina e levantou a sua primeira taça com a camisa amarelinha.
Um ano depois, Pelé estava na Suécia para disputar a sua primeira Copa do Mundo convocado por Vicente Feola. E foi ali que o mundo conheceu o 4-3-3 pela primeira vez (com o recuo de Zagallo para compor o meio-campo com Zito e Didi). A mudança exigia que o “ponta de lança” se comportasse de maneira um pouco diferente do que acontecia no ainda jovem 4-2-4 e do WM. Era preciso ocupar o espaço deixado pelo ponta que recuava, mas sem abrir tanto o campo e sem embolar o jogo com o centroavante. E Pelé fazia isso com maestria. Os jogos da Seleção Brasileira no Mundial da Suécia estão no YouTube para quem quiser ver. Mas vale destacar que o então futuro Rei do Futebol chegava até a jogar como referência no ataque enquanto Vavá vinha em diagonal a partir da esquerda. Vale lembrar que boa parte das seleções da Copa de 1958 ainda jogava no WM e que essa movimentação era imprescindível.
O mundo do futebol conheceria a magia de um jovem chamado Pelé na Copa do Mundo de 1958. Foi lá que a Seleção Brasileira apresentou o 4-3-3 ao mundo com o recuo de Zagallo para compor o meio-campo com Didi e Zito. E o camisa 10 teria função importantíssima nessa transição tática ao ocupar o espaço deixado pelo camisa 7.
A movimentação apresentada nos gols da final contra os donos da casa mostrava que Pelé dominava bem essa dinâmica. O 4-3-3 nascente daqueles tempos ocupava bem os espaços e povoava o meio-campo e ainda dava mais consistência à Seleção Brasileira. E com Pelé em estado de graça, as coisas ficariam ainda mais fácil para os comandados de Vicente Feola. O Rei do Futebol marcou seis vezes naquela Copa do Mundo e entraria para a história por conta do golaço marcado na final contra a Suécia. No entanto, o que pouca gente notou naquela época foi a aplicação tática do camisa 10 e a sua facilidade para encontrar e criar espaços nas defesas adversárias. Pelé alternava velocidade e força física com um ótimo senso de posicionamento e a mais apurada visão de jogo que esse mundo já viu atuando ao lado de jogadores tão geniais quanto ele, como Garrincha, Vavá, Nilton Santos e Didi.
Garrincha partia pela direita, Pelé centralizava e Vavá aparecia por fora. A dinâmica ofensiva da Seleção Brasileira na Copa de 1958 respeitava uma dinâmica completamente inovadora para aqueles tempos. O mundo do futebol tomava conhecimento do 4-3-3 e de um certo jovem de 17 anos chamado Edson. Foto: Reprodução / YouTube / FIFA TV
Já no Santos, Pelé encontraria em Coutinho seu melhor companheiro de ataque e no esquema tático do técnico Lula as condições favoráveis para brilhar nos gramados brasileiros e do exterior. A propósito, o jornalista Jonathan Wilson relata no seminal “A Pirâmide Invertida” que a equipe bicampeã da Copa Libertadores da América e do Mundial Interclubes em 1962 e 1963 foi uma das poucas a aplicar os movimentos do 4-2-4 com perfeição em toda a história do futebol. Mais um motivo para exaltarmos a equipe que conquistou tudo o que disputou naqueles tempos mais românticos do nosso futebol. Pelé contava com nomes como Zito, Gilmar, Mauro Ramos, Mengálvio, Pepe, Dorval e muitos outros de enorme qualidade e que ajudaram a construir toda a lenda em torno do Rei do Futebol e daquele histórico Santos da primeira metade da década de 1960. Praticamente uma Seleção Brasileira vestindo branco.
A questão do responsável pela invenção do 4-2-4 é tema para debates até hoje. O que é certo é que o desenho tático parece ter encontrado seu lugar no time comandado por Lula. E é nesse contexto que a importância de Pelé na construção de uma cultura tática no futebol brasileiro aumenta vertiginosamente. Muito por conta da reintrodução do “ponta de lança”. Se o WM contava com dois pontas, um centroavante e dois atacantes recuados, o 4-2-4 apenas pedia que um dos atacantes centrais recuasse um pouco para fazer uma ligação com o meio-campo (isso quando não ocorria o recuo de um dos pontas como acontecia na Seleção Brasileira em 1958 e 1962 com Zagallo e em 1970 com Rivellino). E foi com Pelé que a posição de “ponta de lança” atingiria o seu auge. Não era um atacante nem um meio-campista, mas um jogador que exercia as duas funções ao mesmo tempo. E com muita maestria.
Pelé era o “ponta de lança” do histórico Santos comandado por Lula e que conquistou todos os títulos possíveis na década de 1960. O camisa 10 se comportava como atacante e como meio-campista, sempre abrindo espaços para quem chegava pelos lados ou por dentro. Foto: Reprodução / YouTube / Santos Futebol Clube
A ideia do “ponta de lança” não era algo completamente novo. O genial Ferenc Puskás desempenhou essa função por anos no 4-2-4 utilizado pela Seleção da Hungria nos anos 1950 e também no Real Madrid pentacampeão da recém-criada Taça dos Clubes Campeões Europeus (a atual Liga dos Campeões da UEFA). Mas a posição parece ter sido criada sob medida para Pelé brilhar intensamente nos gramados e, ao mesmo tempo, criar uma legião de novos “pontas de lança” e de “camisas 10” no futebol brasileiro. O bicampeonato da Copa Libertadores da América e do Mundial Interclubes foi construído através da movimentação intensa do Rei do Futebol no 4-2-4 proposto por Lula. As vitórias sobre o Peñarol, sobre o Boca Juniors (dentro da Bombonera) e sobre o Benfica (com direito a goleada e show particular de Pelé em pleno Estádio da Luz, em Lisboa) ajudaram a consolidar o sistema.
As atuações de Pelé nas finais da Libertadores de 1962 e 1963 e a do Mundial Interclubes diante do Benfica são lembradas até os dias de hoje. Mas também é preciso resgatar o legado tático daquele histórico Santos que encontrou no Rei do Futebol o seu “ponta de lança” por excelência. Foto: Reprodução / YouTube / Santos Futebol Clube
O mito criado em torno de Pelé ganharia ainda mais força na Copa do Mundo de 1970. Vale lembrar que o Rei do Futebol vinha de uma campanha frustrante no Mundial da Inglaterra (em 1966) e, apesar de ter chegado aos mil gols em 19 de novembro de 1969, o camisa 10 ainda não contava com a confiança da torcida e da imprensa esportiva da época. Contamos essa história no nosso especial 50 anos do Tri em dez capítulos especiais (clique aqui para relembrar). João Saldanha iniciou o trabalho com a montagem da equipe e as boas atuações nas Eliminatórias para o Mundial do México. O Brasil reconquistava a confiança e Pelé comandava uma equipe que contava com boa parte do elenco que seria tricampeão mundial no ano seguinte. No entanto, por conta de uma série de fatores, João Saldanha deixou o comando da Seleção Brasileira e deu lugar a Zagallo a quatro meses da copa do Mundo.
O escrete canarinho viajou para o México cercado de desconfiança, mas com um ótimo trabalho realizado pela comissão técnica (que contava com nomes como Carlos Alberto Parreira, Cláudio Coutinho e Admildo Chirol). Ao invés de seguir com o 4-2-4 usual daqueles tempos, Zagallo resolveu resgatar o esquema utilizado em 1958 e 1962 com a entrada de Rivellino na ponta-esquerda e liberando Pelé de qualquer obrgação defensiva. Já bastante experiente, o Rei do Futebol se posicionava como o jogador mais avançado do time brasileiro em determinados momentos. Jairzinho entrava pela diagonal e não se limitava a ficar no lado direito. Tostão, por sua vez, era o motorzinho da equipe, seja atuando mais próximo da área ou até abrindo o jogo pela esquerda (como fez no lendário gol contra a Inglaterra ainda na fase de grupos). Pelé era a referência técnica e tática de um time que entrou para a história.
A histórica Seleção Brasileira de 1970 era escalada no 4-2-4, jogava no 4-3-3 (com o recuo de Rivellino) e variava a sua formação para um 4-3-1-2 e até mesmo para um 3-4-3 conforme a movimentação de Pelé, Gerson e companhia. Tudo era muito fluido e as coisas funcionavam como que por passe de mágica.
É interessante notar a movimentação de Pelé nos seis jogos da campanha vitoriosa da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1970. E como diriam os mais antigos, a genialidade está nos pequenos detalhes. O camisa 10 era a referência no ataque, o “enganche” da equipe e o “ponta de lança” quando Rivellino, Tostão e Jairzinho avançavam todos juntos para o campo ofensivo. bastava um passo para o lado ou um toque a mais (ou a menos) na bola para que Pelé conseguisse se livrar de uma marcação mais cerrada ou até criar lances de pura magia. Como no quarto gol do Brasil sobre a Itália na final da Copa do Mundo. Enquanto Jairzinho arrastou a marcação de Facchetti para a esquerda, Tostão prendeu os zagueiros e alertou Pelé (que aparecia por trás dos dois atacantes) que Carlos Alberto Torres estava avançando no espaço vazio. O resto dessa história vocês já conhecem bem.
Pelé foi centroavante, ponta de lança e até mesmo um enganche na Seleção Brasileira tricampeã mundial. Todo o lance que antecedeu o golaço de Carlos Alberto Torres (o quarto em cima da Itália) está recheado de pequenos detalhes que só evidenciam a genialidade daquela equipe e do seu camisa 10. Foto: Reprodução / YouTube / FIFA TV
Como dissemos anteriormente, Pelé era um jogador completo e que aliava as principais características dos principais jogadores dos nossos dias. E diante de tudo o que foi mostrado aqui, é praticamente dever cívico de cada amante do futebol reverenciar a carreira e o legado do Rei nesse aniversário de 80 anos. Por mais que Messi e Cristiano Ronaldo tenham conquistado tudo o que disputaram, o contexto ainda coloca Pelé no topo pelo conjunto da obra. São três Copas do Mundo no currículo, 1281 gols marcados e uma infinidade de grandes atuações para comprovar essa tese. Agora, imaginem só se ele e toda aquela grande geração de jogadores (Garrincha, Bobby Chalrton, Vavá, Di Stéfano, Puskás, Beckenbauer, Eusébio e vários outros) contasse com os avanços científicos dos nossos dias. Não é exagero dizer que Pelé poderia ter chegado aos dois mil gols sem muito esforço.
Este que escreve entende que as comparações são perigosas justamente por conta de todo o contexto envolvido. Mas é praticamente impossível não admirar ainda mais o futebol de Pelé depois de estudar e entender a sua contribuição para o esporte e o seu legado na criação de uma cultura tática. Edson Arantes do Nascimento já era um atacante moderno nos anos 1950 e 1960. Bem antes de Messi e Cristiano Ronaldo. São esses os motivos que fazem com que ele ainda seja unanimidade: Pelé é o maior de todos. E ponto final.
FONTES DE PESQUISA:
Site oficial da FIFA
Site oficial do Santos Futebol Clube
Site oficial da CBF
A Pirâmide Invertida, de Jonathan Wilson (Editora Grande Área)
Os 55 maiores jogos das Copas do Mundo, de Paulo Vinícius Coelho (Panda Books)
Escola Brasileira de Futebol, de Paulo Vinícius Coelho (Editora Objetiva)
As melhores Seleções Brasileiras de todos os tempos, de Milton Leite (Editora Contexto)
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